Edição 291
Depois de superar as dificuldades em virtude de quebras de bancos médios como Cruzeiro do Sul e BVA há cinco anos, o mercado de fundos de direitos creditórios (FIDCs) sofreu um novo revés no ano passado. Os gestores de FIDCs tiveram a confiança abalada novamente com as fraudes que envolveram a Silverado Asset Management, do gestor Manoel Carvalho Neto. Profissional com passagens pelo Chase, Icatu e Bankboston, o executivo gozava até então, de bom prestígio no mercado, até que a S&P retirou o rating de seus fundos no início do ano passado.
Para a surpresa de importantes investidores como JP Morgan, BTG Pactual e Sulamérica, que compravam cotas de seus fundos, os ativos evaporaram após a descoberta de fraudes com empresas fantasmas. Alguns regimes próprios de previdência e fundos de pensão também foram prejudicados direta ou indiretamente com a quebra dos fundos da Silverado. Mais uma vez o mercado está reagindo para buscar uma recuperação da confiança. Um dos atores que comanda essa retomada é Paulo Schonenberg, presidente da Anfidc (Associação Nacional de FIDCs Multicedentes e Multissacados).
Desde outubro de 2016 como presidente da Associação, o executivo tem capitaneado uma série de ações junto à Anbima e à CVM para propor aperfeiçoamentos nas regras do setor. Confira entrevista exclusiva concedida à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual o tamanho do mercado que a Anfidc representa atualmente e como tem sido o crescimento do segmento?
Paulo Schonenberg – O ano passado foi um ano complicado, mas mesmo assim o setor cresceu 12% em 2016. O total da indústria de multicedentes e multissacados, sem contar outras classes de FIDCs, hoje representa aproximadamente R$ 11 bilhões. Estimamos para este ano um crescimento entre 15% e 18%. Nosso crescimento médio nos últimos anos foi justamente de 18%, que consideramos um bom crescimento.
II – Quais as principais dificuldades do segmento enfrentadas em 2016, que fizeram com que o segmento crescesse abaixo da média dos últimos anos?
PS – A maior dificuldade no ano passado foi o evento da Silverado, com reflexos na questão regulatória. Em segundo lugar, diria que foi a crise econômica. Mas considero que o evento da Silverado foi um divisor de águas.
II – Por que o evento das fraudes nos fundos da Silverado afetaram tanto o mercado de FIDCs?
PS – Afetou muito porque o principal gestor da Silverado tinha uma imagem junto ao mercado de capitais, como era egresso do mercado, ele tinha um trânsito muito bom. Ele tinha um fundo grande, de R$ 400 milhões, não era um fundo pequeno. E ele buscou investidores, tinha recursos de vários segmentos. Diferente de outros problemas no passado, mas eles não tinham uma captação tão pulverizada quanto tinha o Silverado. Então, acabou atingindo muitos players.
II – Muitos segmentos de investidores foram prejudicados, não é mesmo?
PS – Claro, pegou desde o investidor qualificado, regimes próprios, fundos de pensão até assets mais tradicionais como o BTG Pactual, o JP Morgan, a Sulamérica. Então, diversos tipos de investidores foram afetados. E a forma como ocorreu também prejudicou. A maneira como ocorreu foi complicada, o nível de fraude foi muito marcante.
II – O evento da Silverado foi mais marcante que os problemas no BVA, Cruzeiro do Sul e Panamericano?
PS – Para a indústria de FIDCs, sim. Muito mais marcante. Estes outros eventos estavam muito relacionados ao mercado bancário, não tão relacionado ao mercado de capitais. Este evento da Silverado afetou diretamente o mercado de capitais, que é onde a gente transita, onde a indústria tem os seus alicerces. A questão que fica em uma situação dessa é: pode acontecer de novo? O que é necessário fazer para não acontecer de novo? E como o investidor se protege em uma situação dessas? Muitas das ações e propostas que a indústria está implementando agora é fruto desse evento que foi marcante.
II – Explique melhor essa reação do mercado e quais ações e propostas que estão sendo implantadas?
PS – É algo que está motivando o regulador, os investidores e nós, enquanto associação, a buscar caminhos e alternativas para que esse tipo de evento não possa se repetir. Reunimos os antigos e muitos novos associados, no sentido de criar dois comitês, um de curto e outro de longo prazo. Então, um comitê de ações de rápida implementação e outro, de ações de longo prazo. Eu particularmente participei do comitê de curto prazo. E desse trabalho saiu um manual de melhores práticas.
II – Explique melhor a elaboração deste manual de melhores práticas.
PS – Então, esse comitê de curto prazo elaborou ações que poderiam ser rapidamente implementadas, que escreveu o manual de melhores práticas. Fizemos uma consulta pública aos nossos associados e recolhemos sugestões e críticas antes de finalizar o documento. Como a Anfidc não tem poder para implementar o manual para os administradores e custodiantes e como eles estão debaixo do guarda-chuva da Anbima, nós levamos o manual para os representantes da Anbima, para consultar seus associados. E agora está sob análise da Anbima.
II – Cite alguns exemplos de problemas que o manual ajudará a evitar no futuro?
PS – Posso citar alguns exemplos de ação de curto prazo. Na homologação do cedente do fundo, a consultoria tem que enviar para o administrador o Google street view para comprovar que a empresa existe e o tamanho dela. Essa é uma informação importante. No caso da Silverado havia empresas fantasmas que fabricavam recebíveis. Com este mecanismo você dá visibilidade para o administrador que tipo de cedente ele está colocando no fundo. Se é uma empresa grande, média, daí é possível qualificar se o limite está adequado ou não, e tem condições de fazer o street view dos principais sócios, para verificar se não tem laranjas, se os sócios existem, se têm patrimônio, onde moram.
II – A Anfidc tem buscado uma aproximação com outras associações e com os órgãos de mercado, não é mesmo?
PS – A proposta do manual surgiu da Anfidc mas foi levada para a Anbima. É outro objetivo importante da associação, é buscar a aproximação com a Anbima. Houve uma definição por parte da Anbima, no sentido de subir a régua para a contratação do consultor de crédito, que está debaixo do guarda-chuva da Anfidc. Isso é uma novidade que tem 90 dias para o mercado implementar, já foi aprovado há 20 dias. Foi aprovado um questionário de qualificação dos consultores de crédito. O questionário obriga todos os administradores a pedir o preenchimento do questionário para a contratação do consultor para FIDC.
II – Qual é o objetivo do questionário?
PS – O objetivo é buscar maior qualificação do consultor de crédito contratados pelos administradores. A ideia é que todos os consultores preencham o questionário para que os administradores tenham as informações sobre eles. Então, os administradores poderão contratar os consultores de acordo ao nível de capacitação técnica e de pessoal, compliance e uma série de fatores importantes para que o consultor desempenhe suas funções adequadamente.
II – E como vai funcionar o novo questionário da Anbima?
PS – O questionário pede a qualificação dos executivos, a estrutura tecnológica e a segregação de funções da consultoria. Há um desclaimer que mostra a participação dos sócios em outras empresas até para evitar questões como “vou descontar títulos para minha própria empresa”, o que não pode. Vai abrir todas as informações contábeis e financeiras da consultoria. E também mostrar como são feitos todos os processos de originação comercial e monitoramento da carteira. Para saber se tem um processo de originação própria, se faz o processo de gestão interna da carteira, se tem infraestrutura para isso.
II – E o projeto de criação de uma central de risco que foi defendida no passado pela Anfidc, esse projeto avançou?
PS – Esse é um projeto da gestão anterior [da Anfidc] que eu não acredito. A central de risco funcionaria como um Sisbacen do sistema bancário para os FIDCs, porém, é muito difícil legitimar uma entidade ou uma empresa para gerir uma carteira de todos os fundos. Entraria na questão da confidencialidade dos clientes, tornando-a uma ação muito complicada, que também não resolve, porque isso serviria apenas para mitigar riscos do fundo, mas não inibiria as fraudes. O que nós estamos combatendo agora são as fraudes, ou seja, buscando maior transparência para evitar fraudes. Os bancos que quebraram, por exemplo, não foi por problemas com os ativos, foram as fraudes.
II – Então a criação do manual vai por outro caminho?
PS – Sim, por exemplo, o manual está dizendo quanto das cotas subordinadas pertencem ao consultor e as partes relacionadas. Ou seja, é necessário mostrar quanto tem de capital próprio dentro do fundo para dar suporte às cotas seniores. O que acontecia na Silverado: ele vendia que tinha uma subordinação, mas através de fundos de fundos. Então essa subordinação de fato não era dele, por isso, faltava uma transparência do nível de subordinação direta do consultor e de suas partes relacionadas. Isso é uma informação fácil de obter e de aplicação direta que está no manual.
II – Era possível esconder a real posição do consultor de crédito no fundo da Silverado?
PS – Exatamente, o investidor aplicava no fundo pensando que havia um nível de subordinação que na realidade não existia. E o que dá segurança para o investidor é o nível de subordinação. Havia conflito de interesses entre o consultor e o investidor. Então, era um produto que não tinha a clareza necessária. Não havia transparência suficiente.
II – E a Anfidc tem também o projeto de criar um selo que qualidade para os FIDCs.
PS – Sim, temos esse projeto, mas essa é uma iniciativa de longo prazo. Para chegar a um selo de qualidade, teremos que ultrapassar muitas etapas ainda. Queremos chegar a esse projeto no final da minha gestão, até outubro de 2019, ou até para o próximo mandato. Entendemos que é necessário muito cuidado, pois a associação ainda não tem estrutura de custos para fazer fiscalizar o selo. Pra implantar um selo, é preciso ter estrutura para fiscalizar.
II – Quais são as idéias básicas para implantar o selo de qualidade?
PS – O que teremos que buscar nesse projeto é usar a tecnologia para gerar maior segurança para o investidor para monitorar a carteira na própria compra do recebível. A ideia é credenciar uma ou duas empresas para fazer esse trabalho e não deixar essa fiscalização debaixo da Anfidc. Então, seria criado todo um sistema auditável tanto pelo administrador, quanto pelo investidor e até pela CVM. Essa é a ideia básica, de criação de um selo eletrônico.
II – Como está a estrutura da Anfidc atualmente em termos de diretorias e pessoal?
PS – A diretoria anterior era formada apenas pelo presidente e pelo vice. Agora na atual diretoria, incluímos outros diretores. Os últimos dois presidentes estão na atual diretoria e criamos mais três diretorias para cuidar de assuntos específicos. Então, temos um grupo muito mais amplo para trabalhar em comparação com as duas primeiras gestões da associação. E a ideia é atrair outros stakeholders, não apenas outras consultorias de crédito, mas também gestores, administradores, investidores como associados.
II – Por que vocês ampliaram o leque de associados e o número de diretores?
PS – Estamos abrindo o leque para buscar maior transparência e mais participação do mercado. Já temos novos gestores e administradores associados, tanto de fundos pequenos quanto de fundos grandes. Também contratamos um funcionário, um gerente com dedicação em tempo integral. E implementamos uma agenda de reuniões mensais. E outro evento importante é o nosso segundo encontro nacional, no início de abril, em São Paulo.