Uma lupa na Previdência | Preocupado com a complexa situação prev...

Edição 118

José Cechin, Ministro da Previdência

O Ministro da Previdência, José Cechin, assumiu a pasta no olho do furacão da debandada do PFL do governo, em março, em resposta às denúncias contra a então candidata do partido ao Planalto, Roseana Sarney. Conhecedor íntimo das engrenagens do sistema de previdência do país, por ocupar o cargo de secretário-geral do ministério desde 1995, Cechin fala nesta entrevista exclusiva à Investidor Institucional sobre a necessidade de se prosseguir na trilha das reformas previdenciárias. “O déficit previdenciário existe, mas não explode mais! Acontece que a população continua envelhecendo e daqui a 20 anos o déficit vai começar a crescer de novo”, alerta. “A sociedade tem que propor, hoje, medidas para que elas se diluam no tempo e não afetem o direito das pessoas às vésperas da aposentadoria”. Acompanhe, abaixo, os principais trechos da entrevista do ministro à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalA grande onda das aposentadorias de pessoas de baixa idade parece que parou. Isso é efeito do fator previdencial?
José Cechin – O fator teve o efeito imediato de atrasar a aposentadoria das pessoas de baixa idade, aquelas que se aposentavam na proporcional. Para os novos, a proporcional acabou mesmo; para os velhos, a regra de transição custa tanto que eles já não saem mais na proporcional. Isso elevou a idade média de aposentadoria, de imediato, de menos de 49 anos para mais de 53 anos.

IIAlguns dizem que isso, na verdade, criará um problema maior lá na frente.
JC – Essa afirmação foi feita por um especialista em previdência, o Francisco Pinto, falecido no ano passado, mas é uma bobagem. Ele dizia: quando uma pessoa antecipa a aposentadoria em 5 anos, deixa de receber 100% para receber 70%. Então, obrigá-la a esperar mais 5 anos e ter de aumentar o valor da aposentadoria de 70% para 100% é um péssimo negócio para a previdência! Mas esse raciocínio está errado, é simplista, porque postergar tem vários efeitos positivos: o primeiro é que ela vai usufruir por 5 anos a menos, e o segundo é que continuará pagando durante 5 anos a mais. Então, o raciocínio a ser feito tem que ser atuarial.

IIE como ficaria?
JC – Para simplificar, com o que deixo de gastar nos 5 anos em que essa pessoa atrasa a aposentadoria, eu posso financiar o valor maior da sua aposentadoria para o resto da sua vida. Então, do ponto de vista atuarial, é vantagem para a previdência!

IIQuer dizer, quem estava se aposentando antes estava certo!
JC – Do ponto de vista do interesse dele, sim! Vamos fazer uma pequena conta: pega uma pessoa com 30 anos de trabalho, que pode se aposentar recebendo 70%. Ela raciocina assim: posso me aposentar e continuar trabalhando normalmente, vivendo do meu salário e colocando os 70% da aposentadoria numa caderneta de poupança durante os 5 anos; e daqui a 5 anos vou me aposentar de fato e usar o dinheiro da poupança para completar os 70% que recebo da aposentadoria, chegando aos 100%. Eu fiz umas contas para ver quantos anos dura esse capital, e vi que mesmo aplicado na caderneta de poupança ele duraria 28 anos! Ora, isso significa que a pessoa que está com 50 anos tem a aposentaria integral até quase os 80 anos. Então, para ela é vantajoso se aposentar na proporcional, a menos que tenha absoluta convicção de que vai para os 90 anos.

IIO peso do fator ainda continua, quase três anos depois da sua criação?
JC – Ele teve um grande impacto, como falei, mas o maior impacto da regra do fator ainda está por vir. Nós estamos na metade da introdução do fator, que é calculado na forma de 1/80 avos por mês, Então, como maio é o 30º mês do fator, isso quer dizer que a partir de agora ele passa a pesar mais de 50% e o peso marginal da sua introdução vai se tornando menor do que o ganho por atrasar um mês a aposentadoria. Atrasar um mês significa ter um mês a mais de acúmulo de capital e um mês a menos para dividir na esperança de sobrevida. Então, daqui por diante, a gente já deve começar a notar uma tendência, que deve se tornar mais evidente a partir de 2004, 2005, de as pessoas postergarem a data de aposentadoria para melhorar o valor.

II Isso é melhor para a previdência?
JC – Do ponto de vista atuarial, nós ficamos relativamente indiferentes entre a pessoa se aposentar logo com um valor pequeno ou mais tarde com um valor maior. Mas, do ponto de vista do fluxo de caixa da previdência, é melhor.

IIComo estão as contas do INSS?
JC – Ainda tem muita coisa por resolver. Mas ganhamos tempo; hoje sabemos como o déficit vai se comportar nos próximos 20 anos, dependendo basicamente do reajuste do salário-mínimo. Se este tiver reajustes reais, o déficit vai subir, se não, o déficit estabiliza e até cai se a economia andar direitinho.

IIDe quanto é o déficit hoje?
JC – No ano passado ficou em R$ 12,8 bilhões. Este ano vai para a casa de R$ 16 bilhões. Se não tivesse havido aumento do salário mínimo teria caído de 0,98% para 0,84%. Então veja, o déficit existe, mas não explode mais! Acontece que a população continua envelhecendo, e daqui a 20 anos o déficit vai começar a crescer, então não podemos ficar de braços cruzados! A sociedade tem que propor, hoje, medidas para que elas se diluam no tempo e não afetem o direito das pessoas às vésperas da aposentadoria.

IIQue mudanças precisam ser feitas?
JC – Tem que haver mudanças tanto no acesso aos direitos quanto na forma de cálculo do benefício. Tem várias coisas a serem feitas, começando pela questão da idade. Somos um dos quatro países do mundo que não têm idade mínima para aposentadoria. Outro ponto que acho importante mudar é a questão do acúmulo de aposentadorias e de benefícios. Em Cuba, por exemplo, não se permite o acúmulo de aposentadoria com pensão, com trabalho ou com renda; nos EUA, o aposentado que volta a trabalhar desconta da aposentadoria US$ 1 para cada US$ 2 que ganha de salário. E aqui? Aqui temos acúmulo de aposentadoria, pensão, salário, muitas vezes até uma segunda aposentadoria por regime diferente. Temos que enfrentar essa situação!

IIQue outras questões difíceis de enfrentar existem?
JC – Uma outra questão complexa é a separação entre benefícios de risco e aposentadoria. Hoje, na fórmula de cálculo do valor da aposentadoria, toda a contribuição do indivíduo e da empresa entra como se fosse capitalizada e repartida pelos anos de sobrevida da pessoa. Mas, durante a vida as pessoas ficam doentes e é o INSS quem paga o salário a partir do 16º dia; falecem em serviço antes de completarem uma história de contribuição, sofrem acidentes de trabalho, ficam inválidas. São todas situações de risco bancadas pelo INSS! Temos que separar a contribuição que as pessoas e as empresas pagam em duas partes: uma é para financiar aposentadoria, um evento “previsível”, e outra para financiar os eventos de risco.

IIIsso pode acontecer ainda neste governo?
JC – Não, só estamos estudando. Esse tema terá que ser bastante discutido, particularmente no aspecto de quando fazer.

IIEssa separação não exigiria um regime de capitalização?
JC – Não, pode continuar como repartição e trabalhar com estatísticas. Numa população de 20 milhões eu sei que tantos por cento ficam doentes. E como não sabemos se é você ou se serei eu, todos bancamos. Você não sabe se vai ficar doente, sabe? Ou se vai sofrer um acidente, ou se vai morrer em serviço ou ficar inválido antes de completar o período de aposentadoria. Então, todos bancamos em regime de repartição.

IICom base em estudos atuariais?
JC – Claro, é que nem seguro de automóvel, você não sabe se será o seu que vai ser roubado, mas sabe que 10% dos carros são roubados, então você paga 10% do valor do carro para uma seguradora e, caso seja o seu, você recebe o valor do carro. O critério é esse.

IIIsso implicará em aumento das contribuições?
JC – A idéia não é aumentar a contribuição, é separar a contribuição que já fazem em uma parte, para financiar a aposentadoria, o evento programável, e a outra, que irá financiar eventos de risco. Na primeira, seguimos a fórmula de capitalização individual, na segunda, a de repartição.

IISó que, na primeira, é uma capitalização sem capital.
JC – Apenas a forma de cálculo é capitalização. O capital não está aí, mas eu estou apropriando, por assim dizer, de direitos ao longo do tempo na proporção da contribuição da pessoa. A engenhosidade da solução foi fazer uma fórmula de cálculo como se fosse de capitalização, sem ter o capital. Com isso, evitamos o chamado custo da transição.

IIÉ uma capitalização virtual?
JC – Eu não costumo usar a palavra virtual porque ela é ruim, mas vamos dizer que é uma capitalização escritural, porque eu tenho o registro. Foi isso que a pessoa pagou, é isso que ela tem direito!

IIOs sistemas do INSS possibilitam fazer esse acompanhamento da vida do indivíduo?
JC – Quando cheguei na secretaria executiva, em 1995, montamos um banco de dados com as informações já existentes no governo, inclusive com o salário das pessoas desde 1976. E desde janeiro de 1999 estamos recebendo uma guia com o nome de cada brasileiro empregado, quanto ele teve de renda, quanto ele pagou à previdência social ano após ano. São dados bastante confiáveis, com 70% de conformidade na identificação do empregador, data de admissão, data de demissão, causa de demissão, código de ocupação de 12 variáveis. Isso foi atestado por uma consultoria, contratada por nós para testar se as informações eram boas!

IIE como esses dados serão usados?
JC – Mandamos um projeto de lei ao Presidente dizendo: usem as informações desse banco de dados para reconhecer o direito de aposentadoria das pessoas, de 1996 para cá. Então, daqui a pouco as pessoas poderão se aposentar sem apresentar documento nenhum ao INSS.

IIComo o sr. pretende lidar com o mercado informal, que além de não pagar impostos não envia os dados ao INSS?
JC – Um passo já demos. Estamos usando a guia do FGTS, introduzida em janeiro de 99, para acompanhar cada empregado mês a mês, seu salário na empresa. De um ano e meio para cá passou a ser crime omitir pessoas dessas guias.

IIComo o sr. analisa a morosidade em aprovar o PL 9?
JC – Ele está na Câmara desde 16 de março de 1999. Só faltam votar 3 destaques, que limitam a criação desses fundos de pensão a planos de contribuição definida, para que não tenham passivos futuros. E esse é um dispositivo que se aplica só aos novos servidores públicos. Então, me pergunto: por que tamanha dificuldade para aprovar uma lei que não afeta nem sequer a expectativa de direito de ninguém, que vai afetar apenas quem ainda vai entrar para o serviço público?

IIA aprovação do PL 9 pode colocar os fundos de pensão de funcionários públicos como um dos grandes pilares do sistema de previdência complementar, como nos EUA?
JC – O serviço público tem, de fato, potencial para ser um dos grandes pilares da aposentadoria complementar. Em 20 a 30 anos, com a substituição gradativa dos atuais 4,5 a 5 milhões de servidores que vão se aposentando, pode-se chegar a ter 4 a 5 milhões de participantes. E isso, considerando-se apenas os que entrarem após a lei. Mas, além deles, também os atuais, principalmente os mais jovens, que ganham salários razoáveis, poderão aderir e até imagino que muitos venham a fazê-lo.

IIEles podem ser uma solução para os buracos das previdências da União, estados e municípios?
JC – Nunca houve muito disciplinamento. Muitos estados e prefeituras diziam: olha, vou contratar vocês em regime estatutário e quando se aposentarem continuarei pagando! Agora, essas pessoas, já aposentadas, continuam na folha. Só o governo federal deve gastar pouco mais de R$ 25 bilhões por ano com elas! Nos estados, já são mais de R$ 20 bilhões, nas prefeituras R$ 4 bilhões!

IIPara o futuro, os regimes próprios poderiam ser uma solução?
JC – Os regimes próprios não são fundos de pensão, são fundos financeiros aos quais os estados e municípios fazem provisões, transferem recursos, para que paguem aposentados e pensionistas amanhã. É uma coisa boa que façam isso. Mas a responsabilidade pelo pagamento das aposentadorias e pensões continua com os Tesouros da União, dos estados e das prefeituras. Em última instância, qualquer buraco atuarial é da responsabilidade desses Tesouros.

IIComo o sr. vê a proibição de se cobrar contribuição do aposentado, estabelecida pelo STF?
JC – É uma decisão e está sendo cumprida. O governo tentou cobrar e foi impedido, e os estados que cobravam estão perdendo arrecadação. É realmente absurdo cobrar de quem já está aposentado! Cobre enquanto ele trabalha! Agora, no caso do servidor público é um pouco diferente, pois ele se aposenta com o último salário e certamente este é muito maior do que o primeiro, quando ele entrou. Então, ele se aposenta pelo teto quando contribuiu, na média, com um valor muito menor. Além disso, quando se aposenta ele pára de pagar a contribuição, deixa de descontar os 11%, ou seja, leva para casa 11% a mais do que levava no dia anterior, quando trabalhava! Não há, no mundo, caso em que se dê promoção salarial para as pessoas se aposentarem!

IIComo deveria ser?
JC – Qual é a regra no mundo? Na Grã-Bretanha, o servidor público que se aposenta leva 1/80 avos do último salário para cada ano de serviço público. Se passou 40 anos no serviço público, vai ganhar 40/80 avos do último salário, ou seja, a metade. Se trabalhou 20 anos no setor privado e 20 anos no público, vai ganhar o proporcional da aposentadoria pelo sistema do setor privado e ganhar 20/80 avos, um quarto do seu último salário, do setor público. O que prevalece em toda a Europa é algo em torno de 60%, 75%, 80% do último salário. Se tentou, aqui, estabelecer uma pequena redução na data da aposentadoria, mas o Congresso rejeitou.

IIIsso poderia, inclusive, eliminar a necessidade de se cobrar dos inativos!
JC – Se você fizesse a chamada taxa de reposição não tinha porque cobrar dos inativos! Quando ele se aposentasse iria ganhar um pouquinho menos que o seu último salário, mas acima da média dos salários da vida dele. Aí, é óbvio, não teria sentido cobrar.