Edição 79
Sérgio Rosa, da Previ
A eleição da Previ, encerrada no dia 23 de maio, foi movimentadíssima, com direito a acusações, denúncias e cobertura diária pelos grandes jornais. Pudera, envolve as estratégicas diretorias de Participação e de Planejamento do maior fundo de pensão brasileiro, com um patrimônio de R$ 32 bilhões.
Para essas duas diretorias foram eleitos, respectivamente, os sindicalistas bancários Sérgio Rosa e Erik Persson. Nesta entrevista exclusiva a Investidor Institucional, Rosa explica que a disputa na Previ tem muito a ver com o novo estatuto da entidade, aprovado em 1997, que dividiu a Previ em seis diretorias, três a serem compostas com pessoas indicadas pelo banco e três com representantes eleitos pelos participantes. Foi a primeira eleição desde a aprovação do novo estatuto, o que colocou em disputa nada menos de sete chapas. No final, apenas duas tinham reais chances de vitória, uma da situação (apoiada pela diretoria do banco) e outra da oposição, a de número 5, de Rosa, que acabou vencendo.
Acompanhe, nesta e nas páginas a seguir, as opiniões de Rosa sobre os investimentos da Previ, assim como sobre o papel da fundação no fomento às novas empresas e novos negócios.
Investidor Institucional – O que representa a vitória da sua chapa, a chapa 5?
Sérgio Rosa – Representa uma posição bastante independente em relação à direção do banco e ao governo. Obviamente, nós vamos agir com bastante seriedade, sabemos que dentro da Previ vamos ter que negociar permanentemente soluções de consenso para poder evoluir, mas acho que representa uma postura nova dentro da Previ, de fiscalização mais intensa, de controles mais comprometidos com os interesses dos associados.
II – Bem, mas os interesses dos associados são que os recursos da fundação sejam bem aplicados, não é isso?
SR – Acho que esse é o segredo do negócio. Os fundos de pensão só vão poder pagar os benefícios aos associados se aplicarem bem os seus recursos. Mas é impossível administrar um fundo com a dimensão da Previ sem ter uma visão geral da economia, uma visão de quanto esses investimentos podem gerar em iniciativas positivas e saudáveis para a economia como um todo. Por isso, insistimos que nossa posição é de independência em relação à direção do banco e ao governo.
II – O que isso quer dizer?
SR – Que temos que afastar qualquer possibilidade de ingerências políticas indevidas na gestão desse patrimônio. Vamos ter diálogos com o governo, com a direção do banco, com os investidores, com parceiros econômicos. Acho que esse é um processo natural dentro da Previ, mas não podemos aceitar é que as decisões não sejam do interesse da Previ, que não tenham a rentabilidade necessária, a segurança necessária. Então, se o governo quiser dialogar conosco sobre qualquer proposta que seja legítima, que seja boa para a Previ, esse é um diálogo saudável, nunca vamos nos recusar a isso. Mas não vamos aceitar qualquer pressão para que a Previ faça negócios ruins.
II – A Previ está chegando a uma fase de maturidade de seu plano, em que a saída de recursos para o pagamento dos benefícios vai ser maior do que a entrada por parte dos participantes . O que muda com a chegada dessa fase?
SR – Acho que a gente tem que fazer uma discussão na Previ, e também com o Banco do Brasil, sobre o ingresso dos novos funcionários no Plano 2. Com isso, eles estão deixando de contribuir com o Plano 1, o que tem colocado esse plano praticamente em extinção, embora ainda estejamos muito longe disso. Mas acho que se nós unificarmos os dois planos talvez possamos adiar esse momento em que a Previ vai ser mais pagadora de benefícios do que arrecadadora de contribuições.
II – Vocês pretendem apresentar uma proposta nesse sentido?
SR – Sim, essa é a nossa idéia. Impedir que o plano 1, que hoje representa a quase totalidade dos recursos do patrimônio da Previ, seja colocado como um plano em extinção. Queremos colocar os novos contribuintes dentro da massa geral do plano.
II – E se isso não for possível?
SR – Se chegar o momento em que esse patrimônio tenha que ser utilizado para o pagamento dos benefícios, então ele está lá para isso mesmo. Por isso é muito importante que esse patrimônio seja administrado com eficiência, que tenha uma rentabilidade adequada, para poder fazer frente a esses compromissos.
II – Você assume uma diretoria estratégica, que vai estar acompanhando a participação da Previ no capital de empresas. Qual é a sua posição sobre os investimentos da fundação em renda variável, que hoje estão acima dos limites permitidos pela legislação?
SR – A Previ fechou o ano de 99 com 62% do seu patrimônio aplicado em renda variável, o que representa uma situação um pouco exagerada, um pouco arriscada demais. Então, há uma decisão interna de, a médio prazo, mudar um pouco esse perfil de aplicações mas sem afetar nossas posições em empresas estratégicas. A mudança da composição dos ativos da Previ, reduzindo um pouco a exposição em renda variável, deve fazer parte de uma visão de médio e longo prazo.
II – Como seria feita essa passagem?
SR – A diretoria antiga havia montado uma diretriz geral, com a qual eu concordo, de selecionar os investimentos que vamos manter e definir outros dos quais poderemos sair dentro de uma política de avaliação de oportunidades. Isso permitirá assumir posições mais líquidas para aproveitar possibilidades de investimentos em empresas que estão surgindo. Então, são várias operações que, no médio prazo, têm que ser casadas: adequação dos ativos às obrigações de pagamentos da Previ; redução da excessiva exposição em investimentos de risco; aumento da liquidez dos ativos para poder aproveitar as oportunidades de investimento.
II – Para quanto deve descer a participação em renda variável?
SR – Não dá para adiantar um percentual, isso é uma discussão interna que a Previ tem que realizar com muito cuidado. Acho que a fundação tem que procurar uma redução da sua participação dentro das condições que o mercado oferece. Não adianta sair de um determinado ativo se você não tiver boas opções do outro lado.
II – E quanto às participações cruzadas da Previ em várias empresas do setor siderúrgico, como Vale do Rio Doce e CSN, por exemplo. Isso irá mudar?
SR – O fato da Previ participar do capital de empresas concorrentes no mercado precisa ser analisado à luz do processo de reestruturação dos setores econômicos. Nos últimos três, quatro anos, as privatizações provocaram uma reestruturação muito grande dos setores, um processo que a gente não viu com bons olhos e que talvez tenha provocado distorções em algumas empresas, inclusive em algumas nas quais a Previ participa. Mas isso não quer dizer que vamos simplesmente nos desfazer dessas participações, principalmente quando elas estão sendo rentáveis, não estamos avaliando só o balanço do ano passado, estamos vendo a perspectiva futura de reestruturação de cada setor.
II – No caso específico da Vale do Rio Doce e CSN, você tem alguma posição?
SR – Eu gostaria de ter a oportunidade de estar conversando internamente na diretoria da Previ, com o próprio Tarquínio, para eu me inteirar totalmente sobre o assunto. Tenho visto as informações só pelos jornais, são informações insuficientes para tomar uma posição.
II – Até agora a Previ desempenhou um papel fundamental no processo de privatização. Isso muda daqui para a frente?
SR – Sempre tivemos um posicionamento contrário em relação ao processo de privatização. Achamos que foi um processo mal feito, contribuiu para formação de monopólios, não se estabeleceram as condições de prestação de serviços mais adequadas para dar garantia à população. Nossa visão é usar o posicionamento que a Previ possa ter em cada um desses processos no sentido de tentar desenhar um modelo novo, tentar desenhar uma situação mais adequada não só para a Previ enquanto investidora mas também para o país como um todo. Então, acho que vamos ter que fazer uma análise caso a caso, estudar novas possibilidades e até, em alguns momentos, se for o caso, rechaçar a participação da Previ em privatizações.
II – Essa é uma posição fechada?
SR – Não, nós não temos nenhuma posição fechada, intransigente. Nós temos uma posição de analisar caso a caso. Vamos tomar o caso da Embraer, por exemplo. Dentro da inevitabilidade daquela privatização, achamos que a Previ tomou a decisão certa de participar, foi um bom investimento e também manteve essa empresa sob o capital nacional.
II – O Erik Persson, eleito junto com você, tem falado em fazer parcerias com empresas públicas ao invés da privatização. O que você acha disso?
SR – Nós discutimos isso na nossa chapa. Acreditamos que não deve haver preconceito contra o setor público, que tem empresas importantes e com potencial de rentabilidade. Então, tanto do ponto de vista do interesse social da Previ de estar ajudando alguns segmentos a se desenvolverem como do ponto de vista de investimentos, nós poderemos examinar isso. Obviamente, sempre atendendo a todos os requisitos de segurança que o investimento precisa ter.
II – Seriam parcerias basicamente com empresas da área de infraestrutura. E os outros setores da economia, qual a posição sobre investimentos neles?
SR – Às vezes as pessoas perguntam sobre que setores a Previ deveria privilegiar? Eu acho que a Previ tem um tamanho suficiente para investir em diversos setores, acho que não tem nenhum setor, ou dois ou três setores, que a gente pudesse privilegiar. Existem bons negócios nos mais diversos setores da economia e a Previ tem que ter a capacidade de analisar, de buscar essas oportunidades e de, inclusive, auxiliar com a sua capacidade de investimento no desenvolvimento de segmentos novos.
II – Quer dizer, atuar como fomentadora de empresas, inclusive na área de internet?
SR – O setor de alta tecnologia, que é importante no mundo inteiro, no Brasil ainda é pouco desenvolvido, é basicamente ancorado nos investimentos externos. Talvez a Previ possa fazer bons negócios e auxiliar empresas nacionais a se desenvolverem nesse disputadíssimo mercado que está se abrindo. Eu acho que nós temos que examinar as oportunidades que estão se abrindo no setor de internet. Existem importantes investidores atuando nesse segmento, acho que é um segmento que ainda causa muito temor porque há avaliações de que muitas dessas empresas não devem sobreviver, mas acho que precisamos ter a capacidade de analisar e identificar as oportunidades.
II – Como você encara a possibilidade de terceirizar a administração de recursos na Previ, além da BB DTVM?
SR – Não vejo porque entregar a gestão do patrimônio da Previ para outras organizações. Acho que temos todas as condições de fazer isso diretamente, temos experiência acumulada, temos um corpo técnico capacitado.
II – Alguns fundos de pensão estão profissionalizando sua administração, contratando diretores no mercado, como o caso da Fundação CESP e da Petros. Na Previ, o processo de composição da diretoria é basicamente político. Isso não acaba politizando as decisões?
SR – Acho que o termo politização talvez seja indevido. Acho que é mais correto falar em processo democrático de gestão, pois a eleição de representantes dos associados aumenta o grau de fiscalização, a transparência e a eficiência do fundo. Eu sou um defensor intransigente do processo de democratização do fundo e acho que isso não é negação da sua profissionalização, acho que todas as decisões da Previ têm que estar embasadas no mais profundo estudo técnico.
II – A disputa política que envolve uma eleição na Previ, inclusive com a formação de chapas ligadas a partidos políticos, não acaba influenciando na gestão do fundo?
SR – Acho que todas essas organizações que representam o funcionalismo, em diversas medidas, devem ter o direito de participar. Acho que isso é uma conquista, até algum tempo atrás o banco achava que era o único administrador da Previ, e até usei na campanha o exemplo de um outro fundo, a Funcef, onde a administração é só da empresa e os resultados são muito piores do que os da Previ. No caso da Previ, esse processo de democratização, longe de trazer uma má política traz uma boa política, a política da fiscalização do associado.
II – Que tipo de mecanismos a Previ pretende criar para que os participantes possam influir mais nas decisões de investimento. Fala-se em orçamento participativo, consulta sobre os investimentos. Como seria isso?
SR – Por enquanto é uma idéia, uma filosofia que vamos tentar transformar em algo mais prático. Você vê que hoje há fundos, obviamente com contas individuais, onde o participante pode optar pelo perfil de risco da sua aplicação. Evidente que trazer isso para uma realidade de 120 mil associados é complexo, mas eu acho que a gente pode criar um mecanismo de discussão para encontrar a forma correta de participação do associado.
II – Qual a sua percepção sobre os mercados de capitais e a instabilidade das bolsas no mundo todo?
SR – Há, evidentemente, um processo de crise e de perdas desenhadas nas bolsas. A decisão que a Previ tomou lá atrás, de reduzir sua exposição em renda variável, foi uma decisão correta e uma decisão de prevenção contra essa volatilidade que está desenhada hoje no mundo inteiro.
II – Mas sair da renda variável e ir para a renda fixa é comprar títulos públicos, ganhar com os juros do governo ao invés de ganhar aplicando em empresas produtivas. Isso não entra um pouco em contradição com as suas posições?
SR – Nós temos uma economia que não é a que gostaríamos de ter, mas é nela que vamos operar os recursos da Previ. Não podemos inventar muito onde investir, talvez possamos inventar um pouquinho, criar alguns setores, descobrir novos nichos de investimento, mas nós vamos ter que nos adaptar às condições do mercado. Evidentemente, acho que a preferência nossa é por investimentos produtivos, investimentos que gerem emprego, mas isso é uma preferência que deve ser exercida com muita responsabilidade, com muita segurança. Não adianta a gente arriscar os ativos da Previ e, quando tiver que pagar as aposentadorias aos participantes, justificar a falta de recursos com um discurso ideológico vazio.