Edição 117
Daniel Araújo, da Standard & Poor’s no Brasil
O diretor de rating de bancos e serviços financeiros da Standard & Poor’s no Brasil, Daniel Araújo, tem atualmente duas preocupações relacionadas ao risco. A primeira aponta para a vulnerabilidade externa do Brasil e a segunda para uma preocupante concentração dos empréstimos dos bancos ao governo, na forma de posse de títulos públicos. Além desses papéis do governo, que podem sofrer com uma mudança no cenário econômico ou político, Araújo também alerta para a qualidade do crédito em instituições bancárias. Para ele, a qualidade do capital dos bancos piorou, já que têm utilizado mais o recurso da dívida subordinada para financiar suas aquisições. Com a emissão desses papéis, as instituições garantem fôlego para bancar sempre mais aquisições, mas comprometem parte do capital.
Investidor Institucional – O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro melhora a percepção do risco Brasil?
Daniel Araújo – O SPB é um componente importante, que traz melhoras para o sistema de pagamentos e de liquidações do país, mas isso por si só não traz mudanças nem para o rating nem para a perspectiva do risco país. Um dos pontos mais importantes na percepção do risco, que é difícil de ser mudado no curto prazo, é a questão do endividamento. Existe até um índice, que é sempre citado, mostrando a relação entre dívida pública e PIB, e no caso do Brasil esse índice é elevado. Além disso, também os déficits orçamentários são elevados.
II – São dois fatores decisivos?
DA – Creio que sim. Claro que existe um conjunto de fatores macroeconômicos, mas acho que os dois fatores decisivos são a relação dívida/PIB do país e a questão do défit fiscal nominal, que levam à vulnerabilidade do setor externo e à vulnerabilidade fiscal.
II – Qual o peso das dívidas previdenciárias dos estados e da União no rating do Brasil?
DA – Veja, entre os fatores negativos apontados no início de 2001, quando aconteceu a última melhora em termos de nota de rating Brasil (de BB para BB+ em moeda nacional e de B+ para BB- em moeda estrangeira), as dívidas previdenciárias foram muito lembradas. Naquela época, foi citado que a perspectiva do país poderia melhorar ainda mais caso acontecesse um reconhecimento rápido dos chamados esqueletos, que são as dívidas não reconhecidas no orçamento. Para isso, teria que haver uma reforma tributária, uma reforma previdenciária no setor público e também uma melhora nos aspectos de governança corporativa das empresas. Na verdade, de lá para cá pouco se avançou nesses pontos.
II – Com exceção de governança corporativa…
DA – Sim, mas nos outros pontos praticamente não houve avanços. Além disso, em seguida veio o racionamento de energia, que atrapalhou o crescimento do PIB, e as notícias sobre a Argentina começaram a tornar-se cada vez piores. Tudo isso acabou causando uma mudança de perspectiva na classificação do risco Brasil, de estável para negativa em agosto.
II – Os bancos brasileiros sofreram algum contágio da crise na Argentina?
DA – No aspecto de captação de linhas externas não teve grandes alterações. Os bancos brasileiros continuam captando, logicamente que dentro de uma nova situação, mas continuam captando seja com operações estruturadas ou mesmo com operações simples sem garantia. Inclusive eles, principalmente os grandes bancos de varejo, não têm uma dependência grande desse tipo de captação, porque são voltados principalmente para a captação local.
II – Quais os riscos dos bancos brasileiros hoje?
DA – O principal risco que vemos é na parte da qualidade dos ativos, principalmente na qualidade dos empréstimos. Quando a gente fala da qualidade dos ativos tem tanto o lado dos títulos do governo, e a posição dos bancos é muito alta nesses títulos, quanto os empréstimos do setor privado. Então, isso poderia se alterar caso o país como um todo piorasse, em função da situação interna ou em função da Argentina, e a capacidade das empresas brasileiras de pagar as dívidas ficasse afetada. Nesse caso, as carteiras dos bancos seriam afetadas. Os índices de atrasos nas provisões dos balanços publicados até o primeiro trimestre do ano não indicam nada de relevante, mas a gente percebe uma certa piora no índice de devedores duvidosos, de 1% a 2%, o que ainda não chega a ser preocupante.
II – Vocês trabalham com um cenário de agravamento na situação?
DA – Na verdade, isso depende muito do crescimento do país. Não sei se a S&P tem uma estimativa oficial de crescimento do PIB do país, mas a gente ouve de economistas do mercado que é possível que cresça por volta de 1,5%. E, se ficar assim, existe uma chance de uma certa estabilização. Mas, para melhorar, talvez tivesse que ter um crescimento maior, um dinamismo maior da economia, o que depende de vários fatores, entre os quais estão a baixa da taxa de juros e da inflação.
II – A ausência desses fatores torna o mercado financeiro local mais vulnerável?
DA – Sim, somando-se isso com a intermediação financeira, que é muito baixa, e com os empréstimos ao setor privado, que também são muito baixos em relação ao PIB. E esses empréstimos são baixos ao setor privado porque o governo ocupa o maior espaço do mercado com a colocação da sua dívida, para fechar o déficit das contas líquidas.
II – Quanto do total é emprestado ao setor privado?
DA – Não chega a 30%, geralmente fica em 28% e dependendo do momento chega a 29%. Isso também é causado pela alocação obrigatória de recursos nos setores agrícola, imobiliário. Hoje você tem que aplicar 65% do que é captado via poupança no setor imobiliário e 25% de depósitos à vista no setor agrícola, ou aplicar ou repassar para os bancos oficiais.
II – Isso é um problema?
DA – Nós vemos isso como um aspecto negativo, porque atrapalha a otimização na distribuição de recursos do sistema. Sem esse direcionamento, a distribuição dos recursos poderia ser diferente e beneficiar os setores mais produtivos em termos de financiamento das atividades.
II – Ainda em relação aos bancos, continua um movimento forte de fusões e aquisições. Como a S&P analisa essas movimentações em relação aos créditos tributários que são gerados?
DA – Eu fiz um artigo há um ou dois anos analisando a qualidade do capital dos bancos e comparando os créditos tributários com relação ao capital, considerando esses créditos como um aspecto negativo quando a gente olha a qualidade do capital. As aquisições em si e os fatores que levam a uma consolidação do sistema, quer dizer, os bancos ficando cada vez maiores e mais fortes, isso é um ponto positivo porque gera o fortalecimento dos bancos sobreviventes. O que pode ser negativo, dependendo da extensão de como o capital dos bancos é afetado, são esses créditos. É uma questão para se olhar caso a caso, porque cada banco vai ter os seus índices específicos. Tem que ver se ele faz amortização do ágio de imediato ou se carrega no balanço para amortizações futuras.
II – A qualidade do capital dos bancos brasileiros piorou muito nos últimos anos?
DA – Sim, piorou em relação a um ou dois anos atrás! Conforme os bancos foram aumentando o nível de empréstimos e fizeram aquisições, alguns deles passaram a usar a emissão de dívida subordinada para poder melhorar essa relação. A dívida subordinada fica entre a dívida comum, digamos, e o capital do banco, numa eventual liquidação do banco ela só seria paga depois que todas as outras dívidas fossem pagas, mas antes do capital. Então, por esse aspecto, e geralmente num prazo longo, ela é vista como quase um capital.
II – Esse cenário é para todo o setor ou só para alguns bancos?
DA – Os principais bancos, Bradesco, Itaú e Unibanco, fizeram a emissão dessas dívidas. Ainda é uma proporção relativamente pequena em relação ao capital total deles, mas dependendo do apetite que eles tiverem para este tipo de emissão isto pode gerar uma qualidade de capital pior. Repito que hoje ainda é um índice pequeno. Quando a gente olha o lado analítico dos bancos no aspecto de capitalização, olhamos a capacidade que o banco tem de cobrir perdas inesperadas ou não previsíveis. Para aquelas perdas esperadas ou previsíveis você cria provisões, reservas que já ficam cobertas e já foram deduzidas do patrimônio. Já no caso de perdas não esperadas, sem provisão, elas são absorvidas pelo capital próprio do banco. Então, quando a gente olha a qualidade desse capital próprio, no final das contas o que se quer saber é a capacidade do banco de “suportar” essas operações de perdas não previstas. Se ele depender, por exemplo, de muita dívida subordinada em relação ao capital, será pior para ele porque a dívida subordinada não é capital exatamente.
II – Mas esse tipo de emissão permite ao banco crescer, o que é positivo…
DA – Não quero dizer que ela seja totalmente negativa, até existe um ponto positivo. O ponto positivo é que se os bancos conseguem captar esse tipo de dívida é porque os investidores estão comprando esse papel, estão confiando no banco no prazo longo. Então, a capacidade deles de captar a dívida é um ponto importante e positivo nesse aspecto. O que precisa ser levado em consideração é, ao longo do tempo, quanto dessa dívida subordinada faz parte do capital total.
II – E em relação à área de asset management, qual sua percepção? Houve até um encolhimento com as fusões, mas também por conta de uma diminuição da taxa de administração e de uma concorrência maior no mercado.
DA – Aí tem dois fatores importantes: um é que, da mesma forma que estão acontecendo as fusões e aquisições no setor bancário, estão acontecendo compras também na área de assets, às vezes como parte da compra de um banco e as vezes de forma independente, como foi o caso da Lloyds Asset Management (comprado pelo Itaú). Na parte de clientes institucionais, a taxa de administração está abaixo daquilo que seria o chamado de “ponto de equilíbrio”, muitas assets estão aceitando remuneração a taxas inacreditáveis, muito baixas mesmo, que são insustentáveis ao longo do tempo. Já na área de varejo as taxas são bem maiores, então as assets que conseguem combinar as duas atividades, clientes qualificados e varejo, ficam numa situação melhor. Aquelas que só dependem dos institucionais, provavelmente comprarão outras para ganhar escala ou buscarão um comprador para si.
II – Isso muda algo para essas assets, em termos de rating?
DA – Quando a gente vai analisar uma asset independente, por exemplo, que não tenha um banco por trás e que seja focada apenas no mercado institucional, percebemos que ela vai ser prejudicada no rating de crédito. Isso porque pode estar dando prejuízo ou pode demorar muito para atingir o ponto de equilíbrio, o que afeta o rating de crédito. Mas isso é caso a caso, se ela tiver, por exemplo, uma matriz estrangeira forte que esteja disposta a passar por esse período de contabilidade baixa, acreditando que depois o mercado vai melhorar, então é diferente.
II – Há perspectivas de mudança no rating de alguma instituição bancária brasileira?
DA – Há alguns bancos que estão no mesmo patamar do risco país e que tem a perspectiva negativa (influenciada pelo próprio rating do Brasil) e, portanto, não podem, na nossa concepção, ficar melhor do que o país. É o caso do Banco do Brasil, que também será rebaixado se o rating do país for rebaixado. No caso dos ratings de moeda estrangeira, mesmo o Citibank e outros bancos estrangeiros ou os grandes brasileiros, a perspectiva também é negativa. No caso dos bancos que estão abaixo do rating do país e com a perspectiva estável, isso não deve ser alterado no curto prazo.
II – Voltando um pouco ao SPB, a segurança do sistema financeiro foi aumentada com a inauguração do SPB. Isso não seria um motivo para melhorar o rating das instituições?
DA – O rating das instituições não deve ser alterado por causa do SPB. O que pode provocar mudanças de rating de um banco é a sua situação específica, a qualidade da sua carteira, a sua capitalização, a sua liquidez, a sua rentabilidade e a sua administração.