Revendo os critérios da 2.720 | Presidente da CVM diz que novos c...

Edição 85

José Luiz Osório, da CVM

Quando assumiu a presidência da Comissão de Valores Mobiliários, no final do ano passado, o engenheiro civil José Luiz Osório resolveu enfrentar três desafios principais: proteger o acionista minoritário, incentivar a cultura da governança corporativa e participar ativamente da elaboração da nova Lei das S/As. Antes de completar um ano à frente do órgão, o ex-diretor de privatização do BNDES e ex-executivo de bancos como o Icatu, Garantia, Chase e BankBoston começa a concretizar seus planos.
Exemplo disso, foi a criação recente da Instrução n° 345, que visa a inibição do fechamento branco do capital das empresas. Outra frente de atuação do presidente da CVM tem sido a participação no grupo encarregado de reformular a Resolução n° 2.720, que regula os investimentos dos fundos de pensão. José Luiz Osório tem defendido a necessidade de modificação dos critérios que determinam os limites para as fundações investirem em ações de empresas de capital aberto.
Em entrevista exclusiva concedida à Investidor Institucional, o presidente da CVM comenta essas questões e também o projeto de padronização das normas contábeis para as empresas de acordo aos critérios aceitos internacionalmente. Para isso, será necessário reativar um projeto de lei que está parado no Executivo que trata das demonstrações contábeis das empresas. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Investidor InstitucionalA CVM tem enfatizado muito a questão da regulamentação e da transparência dos mercados. Por quê?
José Luiz Osório – A literatura hoje está cheia de estudos que comprovam que os mercados mais eficientes são os mercados que apresentam um grau de proteção melhor, e isso chega a ser até intuitivo. Quando o investidor se sente protegido ele paga mais pela ação. Então, o desafio da CVM é desenvolver uma regulação que proporcione essa proteção, que ajude a criar uma cultura de governança corporativa, que dê maior transparência e que permita aplicar a lei de uma forma mais eficiente.

IIO mercado brasileiro está caminhando nessa direção?
JLO – Sim, há várias iniciativas nessa direção. De um lado por causa das exigências dos investidores institucionais, que hoje dominam o mercado, de outra por conta das exigências dos investidores estrangeiros, que buscam mais transparência nos mercados onde investem.

IIEsse aprimoramento é fundamental para captar investimentos, hoje?
JLO – Sem regras claras os países não são competitivos na atração de poupança. No caso da poupança externa, além de todos os objetivos de que já falamos é preciso lembrar de uma coisa: a idéia desenvolvida no início dos anos 90, de que os países emergentes teriam crescimento maior do que os países desenvolvidos, portanto os lucros das suas empresas cresceriam à taxas mais altas, não se confirmou. O índice mais usado para os países emergentes, o do Morgan Stanley, cresceu 217% de 1990 a 1999, o Nasdaq cresceu 1.562% e o Dow Jones cresceu mais ou menos 300%. Além disso, investidores de Nasdaq ou Dow Jones não têm preocupação de desvalorização, proteção ao minoritário, nem outros “n” fatores de risco que ocorrem em países emergentes.

IIOs investimentos estrangeiros, então, devem diminuir?
JLO – Na verdade, o número de fundos dedicados a países emergentes já diminuiu nos últimos 2, 3 anos, com as seguidas crises. Então, apesar de existir uma liquidez enorme no mundo, nós estamos competindo agressivamente com outros países que estão aprimorando as suas regras, para tentar atrair a mesma poupança.

IIPor outro lado, os investimentos internos estão crescendo. A área de fundos é um exemplo.
JLO – É verdade, isso em virtude de dois fenômenos que estão ocorrendo no mercado, que baixam os custos de transação e permitem atingir investidores de varejo: um é o desenvolvimento da indústria de fundos mútuos, para a qual a CVM baixou no início deste ano uma regulamentação no sentido de dar mais transparência ao mercado, mais enfoque na informação ao investidor, através de prospectos e tudo o mais, e o outro é o uso da Internet que através da tecnologia está baixando substancialmente o custo de acesso aos fundos. Isso é que está trazendo esse investidor para o mercado.

II Esse investidor de varejo virá também para as bolsas?
JLO – Esse é outro assunto de preocupação, a poupança que está entrando no mercado de ações é basicamente a poupança institucional, o que não tenho nada contra isso, mas acho que é necessário uma educação para um retorno do investidor de varejo às bolsas. Dentro desse ponto de vista, a recente venda do bloco de ações da Petrobrás, na qual foi priorizado a venda para os investidores brasileiros de varejo, foi uma ótima iniciativa.

IIEnquanto a CVM fala de iniciativas capazes de trazer os investidores às bolsas, outras áreas do governo criam instrumentos que afastam o investidor desse mercado. É o caso da Resolução 2.720, aprovada pelo CMN de uma forma que o mercado não aceitou. O que aconteceu?
JLO – A 2.720 saiu muito rígida em termos de alocações para os fundos de pensão e não era esse o objetivo, obviamente. O que se quer fazer agora, já que ela vai ser modificada, é ter uma indução por parte do governo para que os fundos de pensão possam aumentar suas participações em ações de empresas que tenham boas práticas de governança corporativa. Nós ainda não chegamos à conclusão de como vamos fazer isso, mas provavelmente vão ser regras qualitativas que induzam os fundos a investirem mais em ações dessas empresas.

II Já existe um modelo definido?
JLO – Não, ainda não. Estamos discutindo algumas idéias com várias pessoas naquele grupo de trabalho do qual participam o presidente do Banco Central, os secretários da Susep e da SPC, eu como presidente da CVM e o Francisco Gross como presidente do BNDES. Estamos discutindo e centralizando as idéias com o Sérgio Darcy, do BC, que está fazendo uma grande planilha com as diversas sugestões para, a partir desse mapeamento, tentarmos identificar as idéias que são mais apropriadas à essa política de indução das fundações às ações das empresas com essas boas práticas de governança corporativa.

II E como ficarão os critérios de liquidez que foram aprovados?
JLO – Vão ser revistos. Não era para ter saído com aquela restrição, nós estamos querendo fomentar o mercado e, obviamente, aquilo saiu muito restrito. Então, vai ser revisto.

II O problema maior está nas ações de média e baixa liquidez?
JLO – Basicamente isto. O nosso objetivo é que entrem novos participantes no mercado e que os fundos de pensão, como grandes investidores que são, possam investir em bons negócios mesmo sendo de empresas de baixa e média liquidez.

IISerá criado um novo limite para se aplicar em empresas que adotam práticas de governança corporativa?
JLO – Não sabemos ainda. Mas pensamos que, por exemplo, se tiver um limite de x, y ou z para baixa, média e alta liquidez, esses limites poderiam ser aumentados uma vez que as empresas estivessem enquadradas no que se vá definir como boas práticas de governança corporativa.

IIOutro projeto da CVM diz respeito às normas para contabilizar o passivo do fundo de pensão no balanço das empresas. Como está esse projeto?
JLO – Eu não sei de todos os detalhes, mas a nossa preocupação é que haja uma transição. Hoje as empresas já estão divulgando as regras atuariais, déficits ou superávits atuariais, e em paralelo nós estamos querendo caminhar para uma prática de contabilidade internacional que exige que os déficits atuariais sejam levados em conta na empresa. Mas deve haver uma regra de transição, um prazo, para que as empresas não tenham que se ajustar no dia seguinte.

IIA contabilização imediata desses passivos provocaria desequilíbrios?
JLO – Eu não sei o que ocorreria caso a caso, mas poderia ocorrer em alguns casos. Não teria um efeito de pagamentos imediatos, mas poderia haver um desequilíbrio patrimonial. Então, como isso aí já existe e se reflete num negócio durante um tempo, a nossa preocupação é que tenha um prazo para as empresas se enquadrarem.

II Seria mais ou menos como aconteceu com a Petrobrás, quando ela teve que contabilizar o passivo da Petros para poder lançar ADRs em Nova York?
JLO – Tem várias empresas com ADRs nível 2 ou 3, registro em Bolsa de Nova York, que já publicam o balanço de acordo com as normas contábeis dos Estados Unidos. Então, o investidor já sabe do efeito que uma adequação de passivo previdenciário irá causar nessas empresas. Então, o que pretendemos é algo parecido, mas eu não estou tão familiarizado com isso.

IINa posição de minoritários, os fundos de pensão têm feito uma série de reivindicações. Como a Instrução 345 afeta as fundações?
JLO – A Instrução 345 procura dar mais equilíbrio entre os investidores controladores e não controladores, além de procurar coibir o chamado fechamento branco. Então, ela afetou duas instruções da CVM, a 299 que é de ofertas públicas e a 229 que tem um mecanismo de cancelamento de registro, de recompra de todas as ações. Acho que a Instrução 345 alcançou estes dois objetivos, tornando as regras mais equilibradas.

IIComo isso ocorre na prática?
JLO – Veja o caso da liquidez das ações, por exemplo, que é a maior proteção que o minoritário tem. Se numa oferta pública do controlador, feita de acordo com a 299, mais do que 33% dos acionistas aceitarem a oferta, a partir daí a operação passa a ter que se enquadrar no mecanismo da 229, de recompra de ações, que já dá mais proteção. Além disso, nós fizemos uma modificação na 229 para torná-la mais equilibrada, exigindo que a operação tenha pelo menos 67% de adesão para ir adiante, mas se ficar entre 33% e 67% a empresa pode pro-ratear 33%. Então, achamos que isso equilibrou mais as regras do jogo.

IISeria uma medida de emergência antes da Lei das SA?
JLO – Não é emergência. A CVM tem como objetivo aprimorar o mercado, independente da lei. Nós estamos dizendo que não é só a lei que irá melhorar o mercado, é também a CVM atuando melhor, e ela aprimorando as regras. Nós já havíamos dito que estávamos pensando em reanalisar essas duas instruções, assim como também falamos e estamos olhando, por exemplo, para a Instrução 31, que trata de informações de fatos relevantes.

IITem alguma mudança prevista com relação à Instrução 31?
JLO – Não, ainda não, mas toda essa parte de informação é uma matéria-prima que nos interessa muito. O debate na imprensa ajuda muito a conscientizar investidores de que por um lado existem riscos mas por outro lado existem oportunidades. Então, esse debate na imprensa é muito importante, mas o tratamento da informação que é o objeto da Instrução 31 nós estamos revendo para ver se tem como aprimorá-la. Nosso intuito não é ficar mudando instrução só por mudar, mas para melhorar.

II As fundações têm falado muito da importância do Tag Along. A CVM pensa em estabelecer regras nesse sentido?
JLO – Isso precisa de mudança de lei. Porém, um parênteses: o ideal é que o mercado comece também a aprimorar. Se o setor privado estabelece novas regras, ótimo. Têm algumas empresas que voluntariamente já tem concedido o Tag Along, como o grupo Ultra que é de 100%, o grupo Saraiva que deve dar uns 80%. Então, esse é um caminho interessante, o caminho voluntário que já está ocorrendo.

IIQuer dizer, as mudanças podem ir acontecendo independente da lei, por força do mercado?
JLO – Em alguns casos, sim. Claro que o retorno do Tag Along para as ações ordinárias minoritárias precisa de mudança da lei. E nós também estamos colocando na lei que está tramitando no Congresso uma exigência de divulgação da política de Tag Along por parte das empresas. Mesmo que a empresa não conceda para as ações preferenciais, é importante e interessante saber qual é a sua política de Tag Along, essa informação é matéria-prima para se tomar decisão. Não é obrigar a Tag Along para as preferenciais, mas exigir que as empresas dêem transparência ao mercado sobre sua política de Tag Along.