Edição 145
Pedro Parente, da RBS
Longe do setor público, do qual fez parte durante 31 anos, Pedro Parente parece mais feliz e menos tenso. Pudera. Como ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Fernando Henrique Cardoso, ele teve a espinhosa função de coordenar o racionamento de energia, em 2001. “Para mim foi uma ‘senhora’ experiência de vida”, diz. Hoje, como vice-presidente executivo do grupo de comunicação RBS, Parente afirma que entre os setores público e privado há muito mais diferenças do que semelhanças. O público é engessado e burocrático, enquanto o segmento privado estimula o senso de iniciativa.
Parente elogia a austeridade do governo atual na parte macroeconômica, como as políticas fiscal e monetária. “Sou daqueles que não acreditam que existe qualquer tipo de contradição entre controle da inflação e crescimento. Nosso problema é investimento”, diz. Apesar da condução correta, Parente concorda que a queda da taxa de juros poderia ser mais rápida, refletindo diretamente no nível de crescimento do País, que ainda se mostra tímido.
De qualquer forma, ele alerta que as principais falhas deste governo são no segmento microeconômico, com destaque para a regulamentação dos setores como energia, saneamento e das próprias concessões, além das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Ele avalia que as PPPs são a única saída para a volta dos investimentos na área de infra-estrutura. A seguir, os principais trechos da entrevista que deu à Investidor Institucional.
Investidor Institucional – Depois de mais de 30 anos no setor público, como é trabalhar na iniciativa privada?
Pedro Parente – Encerrei um ciclo de 31 anos e um mês. Comecei em uma posição muito modesta no Banco do Brasil e cheguei a ministro do estado. Tenho muito orgulho da carreira que fiz no setor público, mas agora estou em outra fase da minha vida.
II – Quais as semelhanças entre os setores público e privado?
PP – Tem, antes de tudo, diferenças. Muitas diferenças! No setor público não se estimula a iniciativa, o empreendedorismo. Ao contrário, estimula-se o imobilismo. Há uma regra no setor público que diz: você pode fazer tudo o que está previamente autorizado em lei. O setor público é extremamente formalista, a preocupação é com a forma como as coisas são feitas – e não com os resultados. Vejo isso de uma forma bastante negativa. Gasta-se muita energia e dinheiro com esse tipo de gestão e controle, enquanto que no setor privado o resultado da ação é o que importa.
II – Tem-se falado muito das Parcerias Público-Privadas (PPP), como canal para a volta dos investimentos privados ao setor de infra-estrutura. O sr. acha que este é um bom caminho?
PP – É a única saída. Infelizmente, temos uma equação financeira extremamente perversa no serviço público. De um lado, a carga tributária elevadíssima está sufocando o setor privado. De outro lado, as demandas por gastos do governo continuam e, muitas vezes, nem são para a área fim mas para aumento de salários, de aposentadorias. Então, o governo está num círculo vicioso muito complicado, não vejo possibilidade de solução no curto prazo, e acho que as PPPs oferecem um bom mecanismo de trazer de volta os investimentos para o setor de infra-estrutura.
II – A iniciativa privada tem interesse nas PPPs?
PP – A taxa de investimento do País está muito baixa, mas há um estoque de poupança que poderia, eventualmente, ser redirecionado para investimentos no setor privado. No entanto, é preciso considerar que esta poupança está aplicada em títulos do governo, financiando o déficit do governo. Para levar esse dinheiro para outro lugar, seria preciso que o próprio governo deixasse de buscá-lo, o que não é uma coisa simples. Além disso, os investidores, e não apenas os institucionais mas todos os estratégicos, têm muita dúvida sobre a previsibilidade contratual, a manutenção das regras do jogo.
II – Quer dizer, o sucesso das PPPs depende de regras claras?
PP – Sim, e isso vale não apenas para as PPPs. As regras precisam estar claras para todos os setores, como por exemplo para o setor elétrico. Os investidores não vão fazer parte do jogo se não acreditarem nas regras logo na saída. É preciso consolidar esse quadro regulatório para que as coisas comecem a se encaixar, para que esses investimentos comecem a acontecer. A PPP é uma regra geral para a substituição do investimento público pelo privado em setores de infra-estrutura, mas ainda há dúvidas importantes nas áreas de saneamento e de energia elétrica. Há uma série de problemas no tema das concessões, com investidores sendo repelidos e, em algumas situações, claramente sendo maltratados.
II – Um dos temas mais atacados da política econômica é velocidade da queda da taxa de juros. Qual a sua opinião sobre isso?
PP – Talvez a velocidade de redução da taxa de juros pudesse ser um pouco mais rápida, sem dúvida. O que temos que lembrar é que o BC tem um modelo de avaliação e uma meta a cumprir. E é justamente em função desta meta é que ele age. Como eu não conheço esse modelo, não posso dizer enfaticamente que o BC está errado em sua velocidade, mas eu suspeito que talvez pudesse ser, de fato, um pouco mais rápida.
II – O sr. acha que o país ainda é muito dependente do capital externo? O que poderia ser feito para reverter esta situação?
PP – Tínhamos uma dependência muito grande do capital externo – chegamos a ter um déficit em conta corrente superior a 4% do PIB –, que já foi resolvido. Na realidade, estamos com superávit em conta corrente, mas este é exatamente o excesso. Não podemos ter superávit em conta corrente ao mesmo tempo em que precisamos de poupança para o nosso crescimento. Acredito que a dependência já foi reduzida demais, e agora precisamos inverter um pouco isso. Nossa necessidade, neste momento, é de mais investimento externo, portanto, um pouco mais da poupança externa para alavancar nosso crescimento. Sem a poupança externa nós não vamos crescer – pelo menos não no nível desejado.
II – O sr. acredita que já é hora de olhar menos para a inflação e mais para o crescimento do País?
PP – Esta não é uma discussão coerente. Inflação e crescimento não são incompatíveis. É perfeitamente possível ter um país estabilizado, com inflação em níveis considerados bons em padrões internacionais, e crescer. O nosso problema em relação ao crescimento não está relacionado a uma ênfase na política de combate à inflação. É muito diferente disso. Nosso problema para o crescimento chama-se investimento. E este investimento só vai acontecer num quadro de maior confiança, de menos contradições dentro da política governamental, no contexto das declarações governamentais. Portanto, eu sou daqueles que não acredita que exista qualquer tipo de contradição entre controle da inflação e crescimento, pois o nosso problema, volto a enfatizar, é investimento.
II – Os investidores estrangeiros estão seguros com este governo?
PP – O investidor não tem qualquer questionamento sobre a seriedade macroeconômica e fiscal da política econômica do novo governo. As questões são, mesmo, de natureza microeconômica, como a regulamentação dos setores.
II – O que o sr. achou das novas regras do setor elétrico?
PP – O desenho do novo modelo do setor elétrico me parece bastante adequado. As questões que estão surgindo são ligadas ao tratamento de investimentos já realizados, onde aqueles que já têm investimentos realizados estão se sentindo prejudicados em comparação com aqueles que investirão a partir de agora. E tem uma justificativa, pois você precisa estimular os novos investidores para garantir a existência de novas ofertas de energia. Mas não podemos maltratar quem fez investimentos no passado, pois quem entra agora vai olhar isso. Voltando à questão da estabilidade das regras do jogo, como o setor elétrico teve as regras mudadas várias vezes nos últimos 15 anos, fica difícil convencer os novos investidores de que nada vai mudar. Para isso, é preciso manter as regras por pelo menos cerca de cinco anos, para construir uma trajetória de credibilidade.
II – O sr. fala com a ministra Dilma Rousseff (Minas e Energia) freqüentemente?
PP – Tenho uma excelente relação com a ministra. De vez em quando conversamos e sempre que ela me procura tenho ajudado da melhor maneira, porque meu interesse é que tudo dê certo. Temos nos falado menos recentemente, mas entre o final do ano passado e começo desse falamos umas duas ou três vezes. Eu sempre tive o espírito de ajudar.
II – Voltando um pouco ao tempo em que o sr. era governo, conte-nos como foi administrar o apagão?
PP – Para mim foi uma ‘senhora’ experiência de vida, porque convivi com uma enorme responsabilidade. Eu estava entrando na casa de todas as famílias e nas empresas brasileiras, através de decisões que as afetavam diretamente. Teve um momento inicial de muita apreensão e preocupação, mas foi muito gratificante quando comecei a perceber que a população cooperava, que as empresas cooperavam, que estávamos saindo de uma situação de crise eminente para uma crise administrável.
II – Esta crise foi gerada pela falta de planejamento do governo?
PP – As razões da crise foram avaliadas e publicadas em um relatório feito por uma equipe liderada por Gerson Kelmann (titular da Agência Nacional de Águas – ANA). E aponta que não foi apenas um fator, mas uma série deles, entre os quais uma falta de implementação completa de um modelo do setor elétrico, atrasos nos investimentos, a situação meteorológica, pois a falta de chuva naquele ano contribuiu, mas não foi a única causa. Na verdade, não existe uma única causa, foi uma sucessão de problemas.
II – O racionamento era mesmo a única saída?
PP – Sim, não tenho dúvida. A situação caminhava para o esgotamento total dos reservatórios. E acredito que conseguimos mostrar isso para a população. Quando os cidadãos sentiram que, nas suas casas, podiam ajudar a resolver o problema do País, foi satisfatório.
II – Se pudesse voltar atrás, o sr. faria algo diferente do que fez na época do racionamento?
PP – O governo, através de suas áreas específicas, deveria ter atuado de forma a ter condições de antecipar a divulgação do problema. O que certamente aconteceu – e também foi apontado no relatório do Kelmann – foi uma certa falta de coordenação entre as instituições responsáveis pela gestão do setor. Isso fez com que algumas confusões acontecessem. Sempre se disse, por exemplo, que o risco do racionamento não era maior que 5%. O problema é que, nunca se disse, que havendo o racionamento, a profundidade do episódio seria muito maior que os 5%. Chegou-se a cogitar apagões de 6 horas, de 8 horas. Esse truncamento nas informações é que gerou o sentimento inicial de perplexidade do governo.
II – O setor de comunicação, onde o sr. está empregado agora, passa por dificuldades financeiras e deve receber ajuda do BNDES através de um programa de capitalização das empresas. O sr. acha que o setor de comunicação é prioritário?
PP – Em primeiro lugar, gostaria de dizer que se algumas empresas do setor enfrentam ou enfrentaram alguma dificuldade, este não é o caso da RBS, onde estou trabalhando. Embora a gente tenha sofrido como todo o setor a partir do segundo semestre de 2002, não tivemos a situação de ruptura de pagamento que outras empresas tiveram. Pelo contrário, nós sempre tivemos aqui uma gestão plenamente equacionada. Nosso dever de casa está feito. Dito isso, eu acho que, em relação ao BNDES, o setor de comunicação é tão ou mais estratégico que qualquer setor do País. É aquele que, de um lado, preserva a independência da informação, a liberdade para que o cidadão saiba de fato o que está acontecendo. Por isso, acho que pode, assim como qualquer setor, ter acesso aos recursos do BNDES. A pergunta é: por
que não?
II – Como foi sua chegada na RBS? Já dá para falar em resultados?
PP – Sou vice-presidente executivo e responsável por toda a operação da empresa. Eu vim pra cá num processo de profissionalização da companhia, uma vez que a família Sirotsky está se afastando da diretoria executiva. O Nelson Sirotsky, que é o diretor-presidente, está com a responsabilidade da linha editorial e a representação institucional, portanto não cuida dessa operação. Temos regras escritas e muito claras de quais são as minhas responsabilidades, o que me deixa operar com muita tranqüilidade. Estamos melhorando a metodologia de processos de gestão e, em cima disso, estamos trabalhando com muito afinco. A melhoria da situação da empresa, de um ano para cá, é visível. Tivemos o melhor resultado operacional em 2003, em muitos anos. Por conta desse resultado, conseguimos pagar o melhor plano de participação para nossos colaboradores, desde que foi criado, há mais de dois anos.
II – É bom começar algo novo?
PP – É desafiante, joga adrenalina, estimula a estar atento, procurando compreender este outro mundo, do setor privado. E isso tem sido muito bom para mim, tenho gostado muito dessa experiência.