Os juros já deveriam ter começado a cair

Edição 135

Demósthenes Madureira de Pinho Neto, do Unibanco

Para o estrategista-chefe da empresa de asset do Unibanco, o ex-diretor do Banco Central, Demósthenes Madureira de Pinho Neto, as taxas de juros já deveriam ter começado a cair na última reunião do Copom, que entretanto optou por mantê-las estáveis e sem qualquer viés de baixa. Para Pinho Neto, entre outras vantagens uma redução imediata das taxas poderia sinalizar ao mercado o início da tendência de baixa e forçar a queda dos juros na ponta final do consumo, embora de forma ainda moderada. Uma outra vantagem da queda imediata das taxas seria isolar os radicais do PT, que ganham mais força para criticar a política econômica em vigor com as taxas altas. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Pinho Neto à Investidor Institucional

Investidor InstitucionalA reunião do Copom manteve a taxa básica de juros. Qual sua opinião sobre essa decisão?
Demósthenes Madureira de Pinho Neto – Acho que não tem a menor justificativa para manter a taxa de juros nominal elevada, porque isso implica num aumento muito significativo da taxa real de juros. Do ponto de vista da política monetária, como a taxa real é a taxa nominal descontada da expectativa de inflação, manter a taxa nominal representa um aumento da taxa real quando todas as expectativas de inflação são cadentes.

IIQuais as implicações dessa decisão?
BMPN – Isso implica numa contração muito forte da política monetária e acho que não tem o menor sentido você contrair dessa forma a política monetária num momento em que todos os indicadores de inflação apontam para a estabilidade. Mesmo com uma queda de apenas meio ponto percentual, se fosse adotada, haveria uma contração da política monetária, pois a inflação está caindo mais que isso.

IINa sua opinião, a política monetária poderia ser um pouco afrouxada?
DMPN – Acho que não, eu acho que você precisa manter a política monetária contracionista, porque esta guerra contra a inflação ainda não foi vencida. Mas eu acho que não precisa contrair ainda mais, e o que o Copom fez, ao manter a taxa básica, foi contrair ainda mais a política monetária. Veja bem, você poderia reduzir a taxa nominal e ainda assim manter a taxa real muito elevada, acima de 15%, por exemplo, o que preservaria a política monetária contracionista. Essa é a questão, e que está sendo esquecida um pouco nesta discussão.

IIQue efeitos macroeconômicos positivos traria, nesse momento, uma redução na taxa nominal?
DMPN – Você sinalizaria que começou a redução. Acho que do ponto de vista de confiança, dos preços de ativos, seria muito benéfico. Uma redução da taxa Selic de 50 pontos-base ou até de 100 pontos-base não traria um aquecimento imediato na economia, mas sinalizaria para a frente e o mercado secundário iria precificar isso. Com isso, a taxa na ponta começaria a ceder mais rapidamente do que a taxa básica e acho que seria importante começar a fazer isso logo.

IIAté quanto, na sua opinião, poderia ter caído a taxa básica na última reunião do Copom?
DMPN – Acho que não teria espaço para derrubar mais de, digamos, 1% a 1,5%. Mais do que isso eu acharia imprudente. Se eles decidissem derrubar em 1% seria ousado, mas menos do que 0,5% não tem sentido. Então, eu realmente compartilho da visão daqueles que acham que não precisa manter a taxa, pois isso representa contrair adicionalmente, de uma forma gritante, a política monetária.

IIO Brasil vive um momento particularmente favorável, com inflação em queda, câmbio controlado, diminuição do risco Brasil, a balança comercial dando sucessivos superávits. Como foi possível chegar a essa situação em tão pouco tempo?
DMPN – Acho que são dois fatores. O primeiro é que, no final do ano passado, os mercados precificaram equivocadamente os ativos no Brasil. E não foram poucos os que disseram que aquilo era uma loucura, que o Brasil não iria a default, não iria dar calote. Todos nós tentávamos mostrar aos investidores estrangeiros que não tinha nem pé nem cabeça ver uma semelhança exacerbada entre o Brasil e a Argentina. Então, o que está acontecendo agora, é a reprecificação disso. Ou seja, o default não aconteceu e portanto você tem que reprecificar os ativos, para que reflitam o real risco país. Em segundo lugar, adicione-se a isso o fato de que o Lula não só não fez nenhuma loucura como abarcou para si a agenda econômica do Fernando Henrique Cardoso. Então, o negócio foi muito melhor do que mesmo os mais otimistas previam.

IIA mudança no cenário internacional também ajudou?
DMPN – Claro que sim! Hoje você tem uma recuperação de liquidez no mercado internacional, que afeta não só o Brasil mas o mundo todo. Se você olhar o risco de diversos outros países, também eles melhoraram significativamente recentemente. Então, se você pegar o EMBI (Emerging Markets Bond Index), você vai ver que tem países africanos inclusive que melhoraram recentemente seus riscos, porque a liquidez melhorou. A aversão ao risco, a nível internacional, diminuiu muito, principalmente depois da guerra do Iraque.

IIDentro dessa visão, você acha que a volta dos investimentos externos ao Brasil é consistente?
DMPN – Eu salientei que esse fenômeno não é unicamente brasileiro, pois vários outros países estão tendo uma recuperação de risco muito parecida com o Brasil. Esse fenômeno mostra que a liquidez está aumentando devido à redução de aversão ao risco, mas como o risco brasileiro ainda está muito elevado essa volta do capital externo está acontecendo gradualmente, tanto para a bolsa de valores quanto para a dívida. Mas já se percebe claramente uma recuperação.

IIA situação norte-americana e do Japão, que não conseguem retomar o crescimento econômico, não preocupam?
DMPN – Preocupam, mas ninguém está esperando no atual cenário que os EUA tenham uma recuperação muito ousada neste ano, talvez no último trimestre do ano possa haver algum começo de recuperação, mas por enquanto a falta de crescimento não é algo surpreendente. Agora, se nós chegarmos mais adiante e constatarmos que a recuperação americana em 2004 está comprometida também, aí eu acho que poderá ser um fator complicador e de reprecificação. O desaquecimento atual, eu acho, está nos preços, agora se o mercado começar a antecipar que nem em 2004 haverá alguma recuperação nos EUA, aí a coisa complica.

IIVocê acha que a economia dos EUA vai se recuperar em 2004?
DMPN – Acho razoável imaginar que haja alguma recuperação, pois você tem um tremendo impulso fiscal e agora tem também um dólar muito mais competitivo, então as exportações devem responder a essa situação. Por isso eu digo que 2003 já está no preço, mas se alguma recuperação não acontecer em 2004 aí a coisa complica.

IIVoltando à questão interna, você disse que a volta da confiança no Brasil ocorreu por conta de um default que o mercado precificou e que não ocorreu e por conta das medidas sensatas do governo Lula. O que poderia mudar o humor do mercado e afetar negativamente o bom momento que vive o Brasil?
DMPN – Eu acho que, nesse momento, tem dois componentes que são perigosos: um interno e outro externo. O externo nós nunca conseguimos prever de uma forma, digamos, razoável, pois a aproximação de alguma nuvem externa pesada às vezes acontece de forma inesperada. Mas olhando no horizonte, aparentemente, não tem nada que possa nos surpreender, apesar das questões delicadas do tipo terrorismo, reconstrução do Iraque, o problema da Coréia etc. Agora, sempre pode surgir alguma coisa imprevisível e isso é algo que pode atrapalhar muito a redução de taxa de juros e a entrega dessa melhora que está acontecendo no país. Já do lado interno, acho que a única coisa que pode atrapalhar hoje é alguma divisão dentro do núcleo principal de poder, se você tiver uma espécie de cisão entre o núcleo que coordena as principais ações políticas do governo.

IIQuer dizer, divergências quanto à condução da política econômica?
DMPN – Exatamente! Hoje você tem um conflito, dentro do PT, acerca da linha de continuidade que foi adotada na política econômica. E qualquer tipo de hesitação nesse campo vai trazer de volta, necessariamente, toda a turbulência do ano passado, pois aquela turbulência vinha, justamente, do medo da ruptura da política econômica. Como isso não aconteceu, isso explica uma parte expressiva da atual recuperação dos preços dos ativos. Mas qualquer hesitação do PT com relação à continuidade da política econômica pode complicar o cenário.

IIVocê está se referindo às divergências que algumas lideranças do PT estão manifestando sobre a política cambial?
DMPN – Em relação à política de não intervenção no câmbio, em relação à política monetária apertada, em relação às reformas, em relação ao risco Brasil. Por exemplo, algumas pessoas não estão necessariamente favoráveis ao que está sendo proposto, em termos de reforma previdenciária e tributária, pelo governo. Mas desapareceu uma coisa que me assustava há dois meses, três meses atrás, que era a possibilidade de uma crise externa ou de um pós-guerra muito complicado no Iraque adiar demais o momento de reduzir as taxas de juros e dividir muito esse núcleo de racionalidade econômica. Isso me assustava porque, quanto mais tempo o governo demorar em entregar essa melhora, mais voz começam a ter os radicais.

IIQuer dizer, quanto mais demora para reduzir os juros, mais os radicais tem voz e dividem o governo?
DMPN – Exatamente! Agora, do ponto de vista internacional esse cenário está hoje mitigado, como eu falei há pouco. Além disso, você não consegue ver nenhuma nuvem planejada ou visível, como existia há um tempo atrás, via Argentina, via Rússia. Mas não podemos esquecer que a crise da Ásia, por exemplo, veio de surpresa, surpreendeu até o Fundo Monetário Internacional que na época achava que todo mundo devia copiar os asiáticos. Então, tem nuvens que nós conseguimos prever e outras que a gente não consegue.

IIVocê falou sobre as reformas tributária e previdenciária. Como você está vendo o encaminhamento delas?
DMPN – A previdenciária é um avanço, sem dúvida, ainda que eu ache que nas duas o avanço vai se dar em ondas. Você já teve uma pequena reforma no governo Fernando Henrique Cardoso, vai ter um avanço agora se estas propostas forem aprovada, mas não é tudo o que precisa ser feito. Eu acho que não há como reformar o sistema previdenciário do Brasil de outra forma, a não ser dessa forma.

IIQuer dizer, você acha que a reforma previdenciária, como está sendo proposta, é insuficiente?
DMPN – Eu acho que se você conseguir aprovar essa reforma você desarma uma bomba-relógio, mas não equaciona inteiramente o problema fiscal ligado a previdência, que é algo mais profundo. No Chile, por exemplo, isso se equacionou em 10 anos e não vai ser o Brasil que vai conseguir equacionar esse problema rapidamente. Agora, quanto à reforma tributária, ela só poderá ser efetiva quando os principais fatores de gastos do governo estiverem controlados, ou seja, depois de uma reforma previdenciária desarmando a bomba, depois dos juros começarem a cair e reduzir a conta de juros. Aí sim você poderá pensar numa reforma tributária efetiva, porque antes o governo não pode abrir mão de receita e não há reforma tributária para valer sem abrir mão de receita.

II Isso quer dizer, o governo está fazendo o que é possível?
DMPN – Sim, num primeiro momento não há nada diferente a ser feito na área tributária. O que eles estão fazendo é uma legislação paliativa para unificar o ICMS e reduzir um pouco a guerra fiscal entre os estados. Uma coisa mais ousada no campo tributário, entretanto, só poderá ser feita mais à frente, quando você tiver alguns fatores importantes de pressão nos gastos sob controle, como a conta da previdência e a conta dos juros, que monta quase R$ 100 bilhões ao ano.

IIAinda com relação ao câmbio, que nível você acha bom para manter as exportações em alta, para manter a balança comercial superavitária?
DMPN – Eu acho que se ele ficar gravitando em torno do que está agora, entre R$ 3 e R$ 3,10 por dólar, você terá encontrado um patamar bastante bom. Nesse nível você mantém a competitividade e reduz a volatilidade, o que pode garantir uma balança comercial de R$ 12 bilhões de superávit, tranquilamente. Claro que o superávit é muito mais determinado, obviamente, pelo nível do câmbio, mas também reflete a volatilidade. Um câmbio que vai a R$ 3,90 e volta para R$ 2,80 não ajuda em nada a balança comercial. É muito melhor você ter um câmbio de R$ 3,10 constante, por isso a literatura diz que câmbio flutuante é bom quando não flutua!

IIQual a tua aposta em termos de crescimento da economia brasileira para esse ano?
DMPN – Dependerá um pouco da velocidade com que o governo reduza os juros no segundo semestre. Se nós começarmos esse processo de redução de uma forma razoavelmente ousada, a partir de julho, poderemos ter alguma coisa entre 2% a 3% de crescimento no ano; o mercado está apostando em taxas em torno de 2%, alguns pessimistas falam até em menos, mas eu acho que será alguma coisa entre 2% a 3%.