Edição 153
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista
Mesmo recém-operado do abdômen, em uma cirurgia da qual já passa bem, Luiz Carlos Mendonça de Barros não perde o vigor. Responde firme à todas as questões desta entrevista e fica indignado com a fraca atuação do Banco Central (BC) no mercado cambial, que, segundo ele, sofre de “especulação financeira”. Vindo de uma escola basicamente keynesiana, Barros é favorável à intervenção no câmbio – em determinadas situações e desde que se conheça a natureza do fenômeno econômico.
Ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ministro das comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, o engenheiro e economista também não poupa voz para criticar o igualmente ex-presidente do banco de fomento, Carlos Lessa, a quem julga ter tido uma gestão desastrosa à frente da instituição. “Ele provocou caça às bruxas e uma cisão brutal na burocracia do banco”, diz.
Sobra farpa até para o governo Lula. Embora Luiz Carlos Mendonça defenda a gestão da política econômica do PT – até porque ela é igual a de seu ex-chefe –, ele diz que o governo, hoje, não tem capacidade política de operar qualquer mudança importante e tem se mostrado absolutamente incompetente em outras ações administrativas. Diz, ainda, que o partido vive uma ilegitimidade entre seus próprios membros. Confira os principais trechos da entrevista concedida à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – O que tem sustentado a forte valorização do real?
Luiz Carlos Mendonça de Barros – Pura especulação com a moeda. Infelizmente, a valorização do real não está se dando por um movimento efetivo de excesso de exportação sobre importação. Não é dinheiro de exportador brasi-leiro. Pelo contrário, o que estamos ven-do é o aumento das importações maior do que o aumento das exportações e, portanto, uma queda importante do saldo comercial no ano que vem.
II – O sr. é favorável à intervenção do Banco Central no câmbio?
LCMB – É fundamental que o governo, em determinadas circunstâncias, interfira na formação da taxa de câmbio para evitar que um movimento especulativo de natureza financeira acabe prejudicando a atividade de comércio exterior.
II – As tímidas compras de moeda por parte do BC nos últimos dias teriam, então, funcionado como um recado para os especuladores desmontarem posições vendidas no mercado futuro?
LCMB – Sim, embora ele tenha feito isso com má vontade. Porque o Banco Central, por ele, não faria isso. Está fazendo porque foi mandado. Só aconteceu porque a imprensa começou a mostrar que a taxa de câmbio, hoje, está tão valorizada quanto à época do Gustavo Franco. E todo mundo se lembra do que aconteceu naquele período.
II – O real valorizado também não seria importante para o Brasil importar tecnologia, fazer investimentos e …
LCMB – Evidente que é um choque positivo, mas a história nos mostra que, mantido esse processo, nós vamos ter no ano que vem um crescimento das importações de bens de consumo acima do das exportações. Quando você valoriza a moeda, o salário do trabalhador brasi-leiro em dólar aumenta e, com ele, cresce a propensão de importar bugiganga. Nós estamos criando o que já se chamou no passado de demagogia cambial, pela qual o brasileiro tem o direito de importar coi-sas mais baratas. Só que ele vai importar porcaria, não tecnologia. Isso é ruim.
II – Existe um patamar de equilíbrio para o dólar? Algo entre R$ 2,90 e R$ 3,10 como defende o presidente da República?
LCMB – Chegar a esse número é uma coisa praticamente impossível. Mais importante do que isso é fazer o que aparentemente foi feito: fechar a porta para a especulação com o real. Se as exportações continuarem crescendo muito acima das importações e aí sim começar a sobrar um dólar bom, que é o proveniente da corrente de comércio, não vejo problema da moeda se valorizar, mas não é o que está acontecendo.
II – O BC não deveria aproveitar o momento para recompor, de forma mais acentuada, as reservas internacionais, que estão em níveis baixos – sobretudo se excluído o empréstimo com o FMI?
LCMB – Óbvio. Essa é uma das diferenças entre nós e os países da Ásia. Taiwan e Coréia do Sul, por exemplo, têm US$ 200 bilhões de reserva. Só que lá a valorização da moeda é uma decorrência natural de elevadas exportações e baixo consumo. No Brasil, não.
II – E por que o BC não faz isso ou quando o faz é de forma tímida e sob a alegação de que não visa interferir na livre flutuação da moeda?
LCMB – Não sei. É problema de ideologia. É um absurdo o que está acontecendo.
II – O governo Lula tem tido mais sorte na política econômica, devido aos bons ventos internacionais, do que competência?
LCMB – A gestão da política econômica do governo Lula é competente, mas evidente que há uma situação internacional completamente diferente daquela que prevaleceu nos anos do Fernando Henrique Cardoso. O crescimento da América Latina esse ano será superior a 5% e o Brasil está crescendo exatamente o mesmo que os outros países. Só que essa não era a política econômica do PT. Ele foi eleito prometendo outra política econômica.
II – A carta aos brasileiros do PT, entretanto, já indicava que ele seguiria essa política econômica.
LCMB – Mas não estava claro, porque dentro do partido, inclusive, foi dito que era um negócio transitório. Esse é o pro-blema. Tem uma ilegitimidade na política econômica do Lula. Dentro do partido. Não fora. Para a sociedade, é ótimo que eles tenham feito isso.
II – O sr. teria votado no PT se ele não assumisse a mesma política econômica do Fernando Henrique?
LCMB – Eu não votaria no PT em nenhuma situação, mas garanto que muita gente que votou no PT hoje está brava porque votou em uma coisa e ele acabou fazendo outra.
II – O que diferencia as gestões econômicas de Lula e de FHC?
LCMB – São, basicamente, as mesmas. Mas o Fernando Henrique deixou o País, apesar da crise de confiança de 2002, com uma taxa de câmbio favorável para a exportação. O que o governo Lula está fazendo é estragando esse cenário ao permitir a valorização do real.
II – O sr. tem sustentado que o BC “enxuga gelo” ao manter os juros altos para estabilizar a ocupação da indústria. Qual seria, então, a saída para manter a inflação sob controle?
LCMB – O que está errado é uma meta de inflação absolutamente inviável para o ano que vem. Agora, está correto que o Banco Central eleve o juro para modular um pouco a recuperação interna. Só que não no nível que ele está chegando, porque a meta é que o leva a um nível absurdo de juros.
II – O País não poderia conviver com uma inflação um pouco maior, que seja compatível com o seu estágio de desenvolvimento?
LCMB – O problema não é esse. Nós temos no Brasil uma indexação de preços de quase 35%. Isso faz com que, quando se tem um choque e a inflação fuja da meta, precise-se de mais tempo do que simplesmente de um ano para o outro para que a inflação volte para a meta. Se temos 7,5% de inflação esse ano, não dá para ir a 5% o ano que vem porque em 2005 há 35% de preços que serão corrigidos pelos 7,5%. Até mais, porque o IGP-M é quase 12%. O sistema de metas precisaria de um tempo maior de ajuste.
II – O governo deveria, então, rever os contratos de serviços públicos indexados ao IGP-M?
LCMB – Sim, mas para isso é fundamental estabilizar o saldo da balança comercial porque isso faz com que o déficit em conta corrente diminua, reduzindo também a volatilidade no câmbio. Contudo, isso é o oposto ao que o Banco Central está fazendo, permitindo a valorização financeira do real porque ela é de curto prazo. Dentro de três, quatro meses, esse pessoal vai embora impondo volatilidade ao mercado cambial.
II – Quais medidas o governo deveria adotar com rapidez para criar condições para um crescimento sustentado do País?
LCMB – Acho que o Ministério da Fazenda tem, um pouco, a noção do que deve ser feito. O problema é que o governo, hoje, não tem capacidade política de operar mudanças muito importantes. Mas é o que eu sempre digo: o fato de o PT ter assumido a política econômica que assumiu vale por quatro anos de reforma. Pelo menos tira do ar o risco de grandes mudanças.
II – O que o sr. espera da segunda metade do governo Lula?
LCMB – Os próximos dois anos serão mornos do ponto de vista de grandes reformas. O grande debate vai ficar realmente para 2006, porque neste ano de eleições presidenciais – como a política econômica será exatamente a mesma nos dois partidos mais importantes – o eleitor vai poder discutir o que se propõe de novidade. Porque o PT não fez nada.
II – Integrantes do próprio governo Lula admitem que a carga tributária em relação ao PIB pode subir em 2004. O que o sr. acha disso e qual a saída?
LCMB – Essa é uma questão que nós vamos ter que enfrentar. Tem-se que fazer uma reforma tributária importante. Só que redução de carga pressupõe redução de despesa, então terá que ser feito um grande esforço principalmente nos juros. Não dá para o Brasil chegar na situação que ele tem hoje com um juro real de empréstimo de 30%, 40%. Não existe país no mundo que sobreviva a essa situação.
II – Mas o sr. disse há pouco que, levando-se em consideração a meta de inflação, o juro tem mesmo é que subir.
LCMB – Aí é que está. A forma como o Banco Central opera o juro real no overnight é que está errada. Tem que ser feito como é feito nos outros países. A taxa de juros real tem que ser lá na ponta da curva dos juros. Agora, se você tem um juro real de 12%, 13%, no overnight, quem é que vai estender suas aplicações financeiras? Só um maluco.
II – Banco Central independente ou autônomo?
LCMB – Autônomo, como é hoje, é mais do que suficiente.
II – E quanto ao status de ministro ao presidente da instituição, é correto?
LCMB – Correto. Eu já fui presidente do BNDES e sei o que é isso. Qualquer promotor entra na Justiça e paralisa sua ação sem o menor sentido. Essas coisas têm que ser discutidas em um nível mais elevado da Justiça, com capacidade de julgamento mais avançada do que um juiz de primeira instância que qualquer coisinha manda prender e bloqueia bens.
II – Como ex-presidente do BNDES, como o sr. avalia a substituição de Carlos Lessa por Guido Mantega no comando do banco de fomento?
LCMB – Acho que vai ser favorável. O Lessa é uma pessoa com uma história bonita, mas como presidente de banco foi um desastre. Ele provocou caça às bruxas dentro do BNDES, uma cisão brutal na burocracia do banco e afastou gerações de funcionários simplesmente por questão ideológica. Eu trabalhei três anos lá e o BNDES nunca foi isso; é uma família. A gestão do Lessa foi morosa, mas felizmente terminou.
II – O Lessa era um desenvolvimentista à frente do BNDES.
LCMB – Não era isso não. O Lessa não é desenvolvimentista. O Lessa tem a visão nacionalista do Getúlio Vargas. Não tem nada a ver com o desenvolvimentismo moderno. Eu não tinha nada em comum com ele.
II – O crédito direcionado, que foi um dos motivos de discussão entre o BNDES de Lessa e o BC de Meirelles este ano, seria o grande vilão pelos elevados spreads cobrados pelos bancos?
LCMB – Nessa questão, o Lessa tinha razão. O que eu não concordo com ele é o que ele pensa que deva ser a economia brasileira nesse século 21 e principalmente o caça às bruxas que ele andou fazendo no BNDES e que foi um desastre para a instituição.
II – Outro ponto de discussão, agora entre Lessa e Mantega, trata-se de o BNDES ser ou não hospital de empresas. Qual a opinião do sr. a respeito?
LCMB – Quando a empresa tem condições de recuperação, acho que o BNDES tem que ajudar. O BNDES tem uma cultura muito clara: ele ajuda, mas o controlador tem que mudar. Por exemplo, na época do câmbio valorizado do Gustavo Franco, em que eu era presidente do BNDES, nós ajudamos muitas empresas, inclusive Sadia e outros exportadores que tinham realmente um problema. A taxa de câmbio estava errada e eram empresas sólidas, eficientes. Essa é uma questão que tem que olhar caso a caso. À priori, eu não estou nem de um lado, nem de outro.
II – A poupança do setor financeiro da economia foi a que mais cresceu em 2003, em detrimento da poupança das famílias e das empresas, ao passo que os bancos seguem batendo recordes de lucratividade. Como esse cenário será invertido?
LCMB – Isso é juro alto. Isso está errado. O único país no mundo que tem essa situação de apropriação de renda pelo setor financeiro somos nós. Os problemas devem ser tratados com o instrumental devido. O problema do Brasil é que nós temos uma dívida pública interna muito grande, financiada de maneira errada, que leva os bancos a cobrarem a taxa de juros que eles cobram. O que tem que ser desmontado é essa causa. Para isso, temos que continuar tendo superávit primário para poder reduzir a dívida. Agora, isso é um desafio para 2006 porque o governo do Lula não tem condições nem de entender isso.
II – Como o sr. vê a atuação do governo Lula na política social? Difere da de FHC?
LCMB – É pior, porque ela é ainda menos eficiente que a de FHC. Lula estragou o que tinha. Temos crise na saúde, crise na educação, crise nos programas sociais, cujos responsáveis já mudaram três ou quatro vezes. De novidade mesmo não tem nada. Tirando a política econômica, o governo Lula é absolutamente incompetente nas outras ações administrativas do governo.
II – Bom, se a classe média tem perdido espaço e os programas sociais do governo Lula não chegam à classe baixa, para quem o governo Lula está governando?
LCMB – Eu também gostaria de saber. Certamente para os banqueiros e para nós que participamos do sistema financeiro.
II – O sr. acha que, da mesma forma que existem metas de superávit primário e inflação, o País poderia trabalhar também com metas de emprego, de crescimento, de investimento…?
LCMB – Não, não, não. Isso não funciona. Acho que a meta que nós devíamos estabelecer para os próximos anos é uma meta de exportação sobre o PIB, que foi mais ou menos o que o Fernando Henrique fez quando ele estabeleceu os US$ 100 bilhões como meta de exportação. Nós tínhamos que estabelecer nos próximos cinco anos algo como chegar próximo de 30% do PIB em exportações, o que seriam US$ 200 bilhões. Esse tipo de compromisso é mais inteligente do que emprego, renda, sobre os quais o governo não tem controle.
II – Quais são os planos da Quest para 2005?
LCMB – Estamos otimistas com a economia, tanto que lançamos um fundo multimercado com carência de 30 dias e que visa dar algo entre 150% e 180% do CDI. Achamos que o alongamento das aplicações é uma coisa que vai se dar de uma forma natural nos próximos anos. Assim, dá para se trabalhar com ativos menos líquidos que podem levar a uma rentabilidade do fundo em 30 dias maior do que a do fundo overnight, como devia ser em qualquer lugar do mundo. (AC)