Edição 75
Saul Sabba, da Animec
Os investidores minoritários têm tido motivos de sobra, nos últimos anos, para reclamar. Tratados com pouco caso pelo governo, que editou a Lei Kankir – aquela que diz tratar das SA mas que, na prática, acaba tratando exatamente dos interesses dos acionistas majoritários, entre os quais o próprio governo, em muitas estatais – os minoritários resolveram reagir e criaram, no final do ano passado, a Animec, uma entidade que represente os seus interesses.
Presidida pelo presidente da corretora Stock Máxima, Saul Sabba, a Animec quer mudar esse histórico de pouco caso com os minoritários. Entre outras coisas, está articulando um apoio à aprovação do projeto de lei do deputado Emerson Kapaz, de revisão da Lei das SA.
Além de falar à Investidor Institucional sobre a Animec, cuja presidência ele pretende deixar nos próximos meses para ser substituído por alguém que, em suas palavras, não tenha conflito de interesses por não ser do mercado, ele também falou sobre o Soma, o mercado de acesso do Rio de Janeiro, do qual é vice-presidente.
Entre outras coisas, ele adiantou que o Soma pretende criar novas regras que permitirão a negociação de vários tipos de ativos, como ações, títulos, precatórios etc, como se fosse um grande leilão de ativos. Não serão ativos que serão listados, mas ativos que serão apregoados pelas corretoras. Com isso, o Soma espera conseguir a adesão de novas empresas, inclusive as novas companhias de Internet, que poderiam fazer do Soma exatamente um mercado de acesso. Mesmo que, depois de crescidas, deixassem esse mercado rumo a outros mais organizados. “Talvez seja exatamente essa a nossa vocação, ser um mercado de acesso, não apenas um mercado de acesso mas exatamente um grande mercado de acesso”, diz Sabba. Veja, abaixo, os principais pontos da sua entrevista à Investidor Institucional.
Investidor Institucional – O que é a Animec?
Saul Sabba – A Animec é uma entidade que busca defender os interesses dos investidores minoritários do mercado de capitais, e que ao defender os interesses desses investidores também estimula o desenvolvimento do mercado. Uma coisa está relacionada com a outra, se você fortalecer o minoritário automaticamente você está dinamizando o mercado de capitais. Então, nossa associação congrega as pessoas físicas que participam do mercado de capitais, o que inclui os investidores comuns e também aqueles que representam os administradores de recursos, os investidores qualificados. Basta ter uma ação para poder participar da nossa entidade.
II – A Animec tem muitos filiados?
SS – Temos hoje em torno de 400 adesões de pessoas físicas, mas muitas são pessoas que representam outras entidades também. Nós temos só 3 a 4 meses de vida, nascemos em novembro de 99, mas queremos ampliar muito o número de associados.
II – Como surgiu a idéia dessa entidade?
SS – No começo do processo de privatização, com a mudança da legislação que cuida das SA, o acionista minoritário que não era ou não fazia parte do bloco controlador ficou muito enfraquecido nas relações de poder com as companhias, em relação aos conselhos, em relação aos direitos de participar nas vendas de controle etc. Então, com a nova lei começou a haver distorções muito grandes no mercado, que prejudicaram o minoritário.
II – Que tipo de distorções?
SS – Por exemplo, você começou a ter operações em que as empresas transferem controles por um preço “x” e o minoritário não podia vender sua ação pelo mesmo preço, já tivemos casos de venda de controle por um preço 5 vezes acima daquele que o acionista minoritário consegue para a sua participação. Nós tivemos muitos casos deste tipo. Já tivemos privatizações a preço de R$ 200 e a ação normal do minoritário estava cotada a R$ 50 e ele não pôde participar do evento.
II – Mas isso não foi por acaso. O governo criou uma legislação para que o minoritário não pudesse atrapalhar a privatização, não é?
SS – É verdade, para que a privatização gerasse o maior caixa possível. Na realidade, o governo tinha participação nas empresas que, muitas vezes, não representava a maioria em relação ao capital total. Veja o caso especifico da Telebrás. O governo controlava a empresa com praticamente 20% do capital. Se ele estendesse o direito de venda das ações a todos os investidores, iria pulverizar esse prêmio do controle. Então, na realidade a nova lei das SA, conhecida como Lei Kandir, ao permitir o controle com esses 20% garante ao investidor que ele não precisará comprar de terceiros, acabando com a extensão de oferta que tinha anteriormente.
II – Isso prejudicou os minoritários?
SS – Claro, prejudicou todo o mercado. O mercado perdeu muito com essa lei, porque lá fora os mercados foram muito alavancados em função das fusões, aquisições, e aqui as aquisições alavancaram praticamente apenas o governo.
II – Há projetos de mudança dessa lei?
SS – Há um projeto de revisão da Lei das S/A, do deputado Emerson Kapaz (ver íntegra em www.investidor-online.com.br), estamos conversando com ele, apresentando nossa opinião, nossa contribuição. O projeto dele já atende uma serie de requisitos dos minoritários, como a volta da extensão da oferta, a participação nos conselhos fiscais, etc.
II – A Animec é a favor do projeto dele?
SS – Claro, defendemos esse projeto e hoje já está claro para o próprio governo que a lei das SA é ruim para o mercado. O governo já percebeu que vai ser muito difícil o BNDES sozinho ser o alavancador de recursos do país, o único fomentador de recursos. E, se não melhorar a qualidade do ativo que é a ação, você vai continuar tendo um mercado muito mais especulativo do que de investidores.
II – Os investidores reais estão fora?
SS – O problema é a forma como ele é tratado. Se você é um investidor e a toda hora leva sustos, com empresas fechando capital e um monte de coisas, então você se torna arredio. Você tende a vir para as bolsas só para pegar momentos, então você entra e sai e não se transforma em um investidor de longo prazo, só de curto prazo. Isso é conseqüência de não poder ter segurança com o seu ativo, que é a ação. Então, o que acontece é que a empresa faz investimentos, passa um tempo ruim, o valor da ação cai e aí vem o controlador e diz: vou fechar o capital! Sem mais nem menos, e exerce um controle agressivo em cima do minoritário.
II – Quantas empresas fecharam o capital nos últimos anos?
SS – Bastante, não tenho números de cabeça mas é bastante.
II – Mais empresas têm fechado o capital do que aberto, não é?
SS – Abrir capital é raríssimo. As ações estão sub-avaliadas em relação ao seu valor, porque a legislação é ruim para ela e com isso ela não pega preço, não se valoriza, torna-se especulativa. Então, com qualquer movimento lá de fora o mercado derrete, ou então sobe muito mas fica muito volátil. Com isso, a parte estrutural do mercado, que melhoraria o valor intrínseco da ação, está fragilizada, e a parte conjuntural, que é a conjuntura do câmbio, dos juros, que é o momento, está fortalecida. Quem abre capital nessas condições?
II – Uma melhoria na legislação pode valorizar o mercado de capitais, trazer de volta o investidor ao mercado?
SS – Sim, acho que sim. Essa parte que a gente chama de estrutural, que se baseia na estrutura do ativo, ela consolida o valor da ação em si. Há no nosso site (www.animec.com.br) uma pesquisa que mostra que nos mercados onde a legislação é boa, onde existe uma proteção real aos minoritários, os mercados valem muito mais. Acho que se tivéssemos aqui uma legislação igual à norte-americana, o nosso valor de mercado poderia ser três vezes mais do que é hoje.
II – O que atrapalha no nosso mercado?
SS – O nosso risco não é o do negócio em si, se a empresa vai mal ou bem, mas o risco de ser manipulado de uma forma não muito ética, do tipo “vou te tirar do negócio agora que você entrou, vou fazer uma oferta de fechamento branco de capital, vou fazer uma reestruturação em que você fique diluído”. E uma série dessas operações foram feitas pelas companhias, porque o governo abriu muito o flanco com a lei das SA, e abriu propositalmente para privatizar as empresas que queria. Mas agora ele sente que isso aí é desfavorável para ele, porque hoje ele não tem um mercado para capitalizar as empresas.
II – As empresas maiores estão contornando esse problema através do lançamento de ADR lá fora. Isso é bom ou ruim para o mercado?
SS – O ADR é conseqüência da liquidez do mercado lá fora, mas um pouco também é resultado das nossas regras, que não são claras, e da nossa legislação, que não é boa. Então, a empresa procura capitalização lá fora, em função do mercado lá ser muito mais vezes valorizado do que o daqui.
II – E o lançamento dos BDRs, como você avalia?
SS – Na realidade, o BDR pode acabar tendo um efeito positivo, porque as empresas de tecnologia de internet que estão procurando o mercado lá de fora para fazerem lançamentos vão acabar sendo listadas aqui também, porque o mercado começa a ter interesse nelas.
II – Você acha que elas vão ser listadas aqui?
SS – Exatamente. Empresas brasileiras que listaram lá fora e que, com a melhoria da nossa legislação, com a valorização do mercado, acabam vindo um pouco para cá.
II – Tem algum caso de empresas que já tenham manifestado esse interesse?
SS – Ainda não, mas estamos olhando bastante isso, tentando estimular esse processo no caso com empresas nacionais ligadas à Internet, que pretendem abrir lá fora. E agora eu estou falando como vice-presidente do Soma, e não como presidente da Animec, estamos tentando garantir que elas abram aqui também.
II – Já tem empresas que abriram lá fora?
SS – Ainda não, mas há vários projetos, como a IG que vai lançar lá fora, o Globo.com anunciou que vai lançar nas duas bolsas, Bovespa e Nasdaq, a UOL que ia lançar lá fora mas deve lançar aqui na Bovespa. Então, acho que está havendo um processo que, ao lançar, já lança nas duas bolsas, lá fora e aqui. Isso indica que as empresas estão sentindo que o mercado aqui está melhorando.
II – A mudança da Lei das SA pode trazer o investidor externo ao mercado?
SS – Exatamente. Acho que ele acabará vindo porque muitas empresas não têm condições de ter o ADR, até por questão de tamanho. Então, vão ficar aqui e o mercado de capitais no Brasil vai voltar com mais força. Ele começa a consolidar neste ano e, em dois anos, teremos um mercado bem mais forte. Acredito que isso vá acontecer em dois anos, as variáveis são boas, o Brasil não tem amarras.
II – A Animec está buscando apoio de outros segmentos para defesa dos minoritários?
SS – Estamos formando algumas estratégias defensivas, porque não adianta ficar só falando e não acontecer nada. Vamos criar comissões operacionais que vão tratar de casos específicos que surgem, por exemplo, em relação a setor de telecomunicações. Vamos ver quem poderá cuidar desse tema, analisar, porque são casos sofisticados que às vezes você nem entende direito o que está se passando.
II – E, quando chega a entender, já perdeu o bonde.
SS – Isso mesmo. Então, é necessário ter uma área técnica, uma área jurídica, pois a engenharia financeira se propagou no mundo todo, e de uma forma muito sofisticada. Eles demoram seis meses montando uma engenharia, com escritórios fortíssimos, escritórios de advogados, escritório fiscal e em 15 dias, às vezes em uma semana, você tem que entender tudo aquilo e dar uma resposta. As comissões operacionais serão para cuidar desses casos.