Edição 233
Marzo Bernardi, da Western Asset
A escassez de capital sempre foi apontada como um grande obstáculo para que o Brasil passasse a crescer de forma sustentada. Mas, para que a figura do voo de galinha seja deixada para trás e o País entre em um ciclo de crescimento a taxas mais elevadas sem gerar inflação, é preciso estar atento a outro gargalo que está dando seus sinais: a escassez da mão de obra.
Esse foi o ponto central de um encontro promovido pela Western Asset no início de dezembro de 2011 em São Paulo (SP). Vieram para os debates executivos da gestora em outros cantos do mundo – Jim Hirschmann, CEO da Western Asset; Gordon Brown, portfolio manager da Western Asset Londres; e Keith Gardner, head de mercados emergentes da Western Asset Pasadena –, assim como membros da equipe brasileira da asset – Guilherme Abbud, head de investimentos renda fixa; Adauto Lima, economista-chefe; Paulo Clini, head de investimentos, e Marzo Bernardi, diretor executivo da Western Asset São Paulo. Além deles, foram convidados a participar das dicussões Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa; Eduardo Loyo, economista-chefe do Banco BTG Pactual; Fábio Giambiagi, economista; Eduardo Giannetti, PhD em Economia pela Universidade de Cambridge e Cientista Social pela USP; Gustavo Ioschpe, economista especializado em Economia da Educação; e Marcos Lisboa, vice-presidente de Seguros e Risco Operacional do Itaú Unibanco.
Em entrevista exclusiva a Investidor Institucional (concedida poucos dias depois do evento), Marzo Bernardi fez um apanhado dos pontos principais abordados no encontro, que está em sua terceira edição. “Eu diria que um resumo do que foi debatido é que, sim, existe uma limitação para o País crescer de forma sustentada sem gerar inflação”, disse o executivo, que citou a baixa taxa de poupança como um dos fatores que limitam o crescimento sustentado. “Mas o grande ponto em comum aos debates é que o Brasil veio crescendo nos últimos anos contando com um estoque de mão de obra. Só que hoje nós chegamos em um nível de desemprego de 5% a 6%, o que nos leva a estimar que em algum momento o País chegará a uma situação de pleno emprego. Isso impõe uma limitação ao crescimento por parte do vetor relacionado ao aumento de participantes no mercado de trabalho. E é aí que surge a questão da produtividade. É preciso aumentar a produtividade da mão de obra para continuar crescendo”, completou ele.
Bernardi comentou ainda que a educação é um tema central quando se debate produtividade e que não basta aumentar o volume de recursos destinados a essa área no Brasil se o dinheiro não for aplicado de maneira apropriada. “O Estado deveria olhar para a educação como uma necessidade para o Brasil continuar crescendo, e não enxergar o ensino como basicamente um benefício dado à população. A educação tem que ser vista como um investimento que está sendo feito no País”, afirmou o executivo.
Na conversa, ele tratou de outros pontos debatidos no encontro, como a necessidade de se ter regras claras e estáveis para que o País se desenvolva. A crise na Europa, como não poderia deixar de ser, também teve seu espaço nas discussões. “A solução para a Europa hoje é meramente política, o que deixa ainda mais difícil imaginar o que é que pode acontecer. Mas acredita-se que a Alemanha esteja caminhando lentamente na direção de suportar uma Europa unida, e a lentidão não acontece por nenhum outro motivo senão forçar seus pares a serem fiscalmente mais responsáveis. De qualquer forma, essa é uma visão otimista, porque não acredita que o euro vá acabar, mas sim que a Europa vai conseguir lidar com essa situação, com um esforço de responsabilidade fiscal coletiva, ou um maior controle fiscal dos países membros”, disse Bernardi. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Investidor institucional – Como vocês chegaram ao tema do Western Asset Debates de 2011?
Marzo Bernardi – Esta foi a terceira edição do evento, e a escolha do tema vem muito das nossas discussões internas. De forma geral, costumamos abordar temas macro, não micro. O micro é o nosso dia a dia, todo mundo está sempre discutindo esses assuntos – mesmo porque todo mundo acorda todo dia tendo que tomar alguma decisão
–, por isso nós tentamos evitar. Não vamos fazer um debate em torno da subida ou do corte nos juros, em quanto vai ficar a taxa, porque sobre isso o mercado inteiro fala e nós seríamos apenas mais um a tocar nesse ponto. Então nós procuramos promover discussões mais abrangentes sobre onde estão os grandes desafios que vão ter que ser superados para que o Brasil continue caminhando na direção correta. Resumidamente, o tema vem das nossas principais preocupações surgidas durante o ano.
II – Quais eram as preocupações nos anos anteriores?
MB – Fizemos o primeiro evento em 2008, um pouco antes de o Brasil receber o investment grade. Ok, todo mundo sabia que era uma questão de tempo para o País chegar ao grau de investimento, mas a nossa proposta foi discutir o que viria depois. O que poderíamos esperar do Brasil com investment grade? Em 2009 nós não fizemos o evento, até que no ano passado [2010] decidimos que ele seria anual. Em 2010, nós falamos de desafios ao crescimento sob o ponto de vista de geração de financiamento para o gargalo de infraestrutura que nós enfrentamos no País. Isso passou por uma discussão a respeito de como as empresas poderiam se financiar para continuar crescendo e atendendo a uma demanda crescente. O foco foi do lado da restrição de capital, porque naquele momento nós ainda não tínhamos tanta clareza de que o País viria a sofrer com restrição de mão de obra. Esse tema da mão de obra é um debate mais recente. Em 2010, a preocupação ainda era com o capital. [Entre os temas debatidos no evento em 2010 estavam “Tendências globais: próximos desafios”, “O Brasil é capaz de manter o ritmo de crescimento atual?” e “Limitações de captação: como financiar o crescimento futuro”]
II – Mas em 2011 essa passou a ser uma grande preocupação…
MB – Olhamos para a questão do crescimento sustentado, ou qual seria a maneira de o Brasil poder crescer a taxas mais elevadas sem gerar inflação. Evidentemente, não tem como escapar de falar um pouco de mercado, de crise na Europa e de como isso poderia se refletir no Brasil. Mas a questão principal foi de fato crescimento sustentado e produtividade. Sempre olhamos para questões relevantes, que não vão impactar a economia na próxima semana ou no próximo mês. São temas mais abrangentes. Nesse ano, procuramos discutir onde estão as dificuldades e limitações ao crescimento sustentado.
II – E o que foi apontado nos debates de maneira geral?
MB – Eu diria que um resumo do que foi debatido é que, sim, existe uma limitação para o País crescer de forma sustentada sem gerar inflação. Os mais otimistas estão com números na casa de 4% ou 4,5%, e os não tão otimistas, dado o cenário mundial, veem algo em torno de 3%.
II – Para quando eles estimam esse crescimento?
MB – Não estipulamos um período determinado, como de hoje a daqui dez ou 15 anos. A ideia era falar sobre de hoje até quando se consegue mais ou menos prever como será o crescimento. Na realidade, a discussão era a seguinte: para o Brasil não crescer a essas taxas, mas sim conseguir crescer a taxas mais elevadas sem que isso se converta em inflação, alguma coisa tem que mudar.
II – Quais seriam as principais limitações ao crescimento sustentável?
MB – As limitações vêm de vários fatores, e um deles é a baixa taxa de poupança, principalmente se comparado o nível de poupança do Brasil ao de outros países no mundo. Mas o grande ponto em comum aos debates é que o Brasil veio crescendo nos últimos anos contando com um estoque de mão de obra. Só que hoje nós chegamos em um nível de desemprego de 5% a 6%, o que nos leva a estimar que em algum momento o País chegará a uma situação de pleno emprego. Isso impõe uma limitação ao crescimento por parte do vetor relacionado ao aumento de participantes no mercado de trabalho. E é aí que surge a questão da produtividade. É preciso aumentar a produtividade da mão de obra para continuar crescendo. E eu diria que os dados são alarmantes quando comparamos a produtividade brasileira com outras ao redor do mundo.
II – Que dados são esses?
MB – Por exemplo: usando os Estados Unidos como referência, se a produtividade lá é 100, no Brasil é 20, o que significa que em última instância enquanto lá eles produzem cinco, aqui se produz um. Nos debates, o ponto seguinte foi como aprimorar a produtividade brasileira, e a questão da educação é um tema extremamente relevante. No Brasil, nós comemoramos quando todas as crianças estão no ensino básico ou fundamental, enquanto a Coreia está quase colocando 100% de seus jovens na universidade. Existe uma diferença de nível aí.
II – Como poderíamos avançar em relação à educação no Brasil?
MB – O problema é grande e, por mais que a sociedade possa fazer alguma coisa, seja por meio de iniciativas individuais ou coletivas, não é o suficiente para fechar esse gap. O Estado deveria olhar para a educação como uma necessidade para o Brasil continuar crescendo, e não enxergar o ensino como basicamente um benefício dado à população. A educação tem que ser vista como um investimento que está sendo feito no País.
II – Seria preciso destinar mais recursos para a educação no País?
MB – Na realidade, um ponto abordado nos debates foi a necessidade de, no fundo, usar o dinheiro de forma mais apropriada. Falta um gerenciamento mais profissional de ensino, e isso começa, por exemplo, na falta de cursos preparatórios para diretores. Tem escolas com dois mil alunos que são tocadas por um professor que virou diretor sem ter um preparo para exercer essa função. Por isso, não adianta colocar mais dinheiro em educação se esses recursos forem desperdiçados. Aumentar o que é aplicado hoje em educação não resolve o problema se isso não for voltado para a produtividade. Temos que criar cidadãos produtivos.
II – O que mais além da questão da educação foi levantado nos debates?
MB – Um ponto abordado se refere às regras e instruções. Por exemplo: vários palestrantes falaram sobre sua experiência em fechar e abrir empresas no Brasil. Esse é um processo difícil, que demora muito. Não estamos falando de meses, mas de três ou quatro anos para conseguir fechar uma empresa. Um dos palestrantes disse que, se fosse possível abrir e fechar empresas mais rápido, o empreendedorismo estaria sendo estimulado, com a criação de pequenas e médias empresas e geração de emprego. Agora, se o fechamento de empresas é muito dificultado, as pessoas não são estimuladas a abrir pequenos e médios negócios. Enfim, as regras e instruções, da maneira que são colocadas, estimulam e facilitam (ou não) determinados comportamentos. O mais importante é que as regras sejam bem feitas, que sejam claramente aplicáveis e perdurem para que não seja necessário trocar a regra o tempo inteiro. A constante melhora das instituições criadas para monitorar e aplicar essas regras também contribui para o desenvolvimento do País. E a questão da estabilidade de regras é um ponto muito observado por investidores. A ausência ou constante modificação de regras deixa os investidores preocupados.
II – Apesar de a agenda de debates ter o Brasil como foco, vocês também abordaram assuntos internacionais.
MB – Somos um gestor global, por isso sempre gostamos de abrir o evento com uma visão global nossa. Nesse ano [2011] o tema foi Europa porque é para lá que as atenções estão voltadas atualmente. Há uma grande interrogação sobre como os problemas serão solucionados diante da falta de uma unificação fiscal na Europa. E a solução hoje é meramente política, o que deixa ainda mais difícil imaginar o que é que pode acontecer. Espera-se que em algum momento a Alemanha, como grande beneficiada pelo euro nos últimos anos, ceda um pouco em suas posições. Acredita-se que a Alemanha esteja caminhando lentamente na direção de suportar uma Europa unida, e a lentidão não acontece por nenhum outro motivo senão forçar seus pares a serem fiscalmente mais responsáveis. A Alemanha vai ajudá-los, mas eles serão obrigados a tomar medidas para lidar com seus problemas, o que caminha em direção ao que a Alemanha quer. De qualquer forma, essa é uma visão otimista, porque não acredita que o euro vá acabar, mas sim que a Europa vai conseguir lidar com essa situação, com um esforço de responsabilidade fiscal coletiva, um maior controle fiscal dos países membros.
II – E para os Estados Unidos, o que se pode esperar?
MB – Resumidamente, eu diria que o cenário comporta um crescimento baixo nos EUA, mas ainda assim um crescimento, não uma recessão.
II – E na China?
MB – Para a China se vê uma desaceleração suave, não abrupta. E se para o Brasil esse cenário não é dos melhores, também não é catastrófico. É um cenário desafiador.
II – Por falar em desafios, já é possível saber qual será o tema do evento em 2012?
MB – O tema do ano novo vai ser descoberto ou escolhido ao longo de 2012. Vai ter um assunto que vai começar a permear parte das nossas preocupações ao longo do ano, um tema de caráter mais estrutural, e a partir dele nós poderemos montar uma agenda. Se a preocupação for a mesma desse ano, fica um pouco sem nexo fazer um evento como esse, mas sempre tem uma preocupação nova surgindo no mundo. O mundo é dinâmico o suficiente para que nós não fiquemos entediados com as mesmas preocupações sempre.