Edição 284
Um dos maiores especialistas em projetos de infraestrutura no país, ex-economista do Banco Mundial, Cláudio Frischtak defende um novo modelo regulatório e de financiamento para a infraestrutura. Ele critica o modelo utilizado nos governos anteriores, principalmente sob o comando da presidente Dilma Rousseff, baseado no controle estatal (PAC 1), em um primeiro momento, e do poder de decisão das construtoras e empreiteiras em um momento posterior (PAC 2).
Diretor do International Growth Center no Brasil, um braço da London School of Economics, Frischtak defende um modelo com maior planejamento e estabilidade regulatória para atrair os investimentos. Ele acredita ainda que os investidores institucionais, tanto locais, quanto estrangeiros, podem ser atraídos a investir em infraestrutura do país.
Em todo caso, Frischtak aponta os erros recentes em projetos de privatização, como por exemplo, do Aeroporto de Guarulhos. Neste projeto, a participação da Infraero e o poder das construtoras tornaram o investimento em um mau negócio para os investidores, entre eles, fundos de pensão, que participam através da Invepar. Confira entrevista exclusiva concedida para Investidor Institucional:
II – O Brasil tem investido uma média de 2% do PIB nos últimos anos. Qual seria um montante mais adequado?
Cláudio Frischtak – Quando estávamos no Banco Mundial em Washington, tentamos responder à pergunta, qual era o mínimo necessário para acompanhar o crescimento da população e evitar a depreciação da infraestrutura existente. Chegamos a uma conta que era necessário no mínimo 3% do PIB. Isso apenas para compensar a depreciação do capital fixo per capita. Para manter o capital de infraestrutura, seja público ou privado.
II – Se 3% é o mínimo necessário para manter a atual infraestrutura, quanto seria necessário para modernizá-la?
CF – Se considerarmos a infraestrutura como o setor elétrico, sem contar óleo e gás, saneamento, água e esgoto, telecom, transporte em todos os seus modais, chegamos a um número de 5,5% do PIB ao longo das próximas duas décadas. Ou seja, seria praticamente três vezes mais do que estamos investindo hoje em dia. E não adianta investir isso por um ou dois anos, tem que ser por duas décadas.
II – Entre 2007 e 2014 houve um aumento dos investimentos em infraestrutura. Qual foi o resultado desse aumento?
CF – Sim, houve um esforço de ampliar os investimentos em infraestrutura. Foi quando o governo lançou o PAC 1 e o PAC 2. E também uma série de planos. Infelizmente esses planos acabaram obedecendo a uma lógica eleitoral. Os projetos foram feitos às pressas, os resultados não foram bons. Foi feito um esforço, mas em muitos segmentos houve um efeito muito marginal. Em alguns segmentos teve um efeito maior. Houve um efeito marginal, por exemplo, em saneamento. Por outro lado, houve um efeito maior na expansão da geração hidrelétrica. Agora de um modo geral, como a capacidade de execução do governo é muito baixa, muitos projetos se atrasaram.
II – Como funcionou o modelo de projetos de infraestrutura com base na atuação das construtoras financiadas pelo BNDES?
CF – O PAC 1 foi liderado pela Dilma, quando ainda não era presidente. E ela liderou também o PAC 2, quando já era presidente. A ideologia das pessoas que conceberam esses programas, eram de cabeças muito estatizantes. O pressuposto do PAC 1 era que o estado brasileiro iria tomar a frente desse processo para investir. E daí as empresas privadas iriam entrar como fornecedoras de serviços. E o PAC 1 foi um desastre porque foi feito às pressas, às vésperas das eleições de 2010. Os projetos foram iniciados, mas era muito mal feitos.
II – Houve mudança no PAC 2?
CF – Justamente porque se observou o desastre do PAC 1, a baixíssima execução do PAC 1, então no PAC 2 foi diferente. Definiu-se que o setor privado iria na frente dessa vez, mas claro, sob o escrutínio do estado. O governo fez isso porque não tinha outra alternativa. Então, o governo deixou que o setor privado assumisse a frente, mas definiu que a taxa de retorno fosse tabelada, fortemente regulada. Então a lógica foi proporcionar um maior retorno do equity, e o governo entrou com o crédito do BNDES, que gerou uma conta que teremos que pagar por muitos anos.
II – Você pode dar um exemplo do populismo tarifário?
CF – Vamos pegar como exemplo a ponte Rio-Niterói. A ponte foi relicitada no ano passado. O critério de licitação foi o menor pedágio. Mas para um ativo que é congestionado, que tem excesso de demanda, você reduz o preço. Isso é populismo tarifário, que gera um desastre completo. Você poderia aproveitar a oportunidade para fazer um projeto que já existe, inclusive, de aproveitar a estrutura da ponte, que já existe, ou para fazer uma ligação metro-ferroviária, ou algum meio de transporte mais leve, por exemplo, o BRT.
II – Os investidores institucionais devem ter um papel importante no financiamento dos projetos de infraestrutura? O que é necessário para que isso aconteça?
CF – Os investidores institucionais teriam um papel idealmente de maior relevância no financiamento da infraestrutura. Estamos falando de fundos de pensão e de seguradoras, que também são institucionais. São investidores de maneira geral que miram o médio e longo prazos. São investidores que procuram um casamento dos investimentos com a perspectiva do longo prazo. Os cotistas possuem uma perspectiva de médio e longo prazo. Então, os melhores recursos são dos fundos de pensão que, por isso, precisam ser tratados corretamente, tanto domésticos quanto internacionais.
II – Os institucionais estrangeiros também teriam espaço?
CF – Sim, mas o problema hoje não é a disponibilidade de recursos. O problema hoje é você ter um ambiente de negócios favorável em primeiro lugar. Em segundo lugar, uma estabilidade jurídica e regulatória. É necessária uma previsibilidade regulatória para que o prêmio de risco diminua e um conjunto de projetos que estejam estruturados de uma forma que possam atrair recursos de fora, sejam de fundos de pensão, fundos soberanos e outros.
II – E você acredita que o novo governo e a nova equipe econômica tem demonstrado interesse em criar este ambiente mais adequado para atrair os investimentos necessários?
CF – Se eu fosse um investidor, perguntaria se o governo Temer é mesmo um governo reformista ou não. Ele está dando sinais que será um governo reformista. Claro que ninguém consegue transformar um país do dia pra noite, mas você tem que apontar para um conjunto de reformas para redimensionar o estado. Hoje temos um estado muito grande, que faz muita coisa, e não faz bem. Temos que fazer menos coisas e fazer bem. E terá que ver o apoio do Congresso para levar adiante as reformas.
II – E o que você acredita que o governo poderia priorizar em termos de concessões e privatizações?
CF – Em 2016 não haverá tempo para fazer muita coisa. Se conseguir avançar na privatização dos aeroportos, dentro de um marco regulatório que faça sentido, com um novo papel da Infraero, já é muita coisa. Na minha perspectiva é melhor fazer um pouco mais devagar, mas fazer bem feito. O que foi feito nos governos anteriores é que no afã de fazer, foi feita muita coisa de qualquer jeito. E agora estamos tendo problemas. Concessões que são questionadas pelos investidores porque o modelo de populismo tarifário não se sustenta.
II – Como você avalia a participação dos fundos de pensão em projetos como do Aeroporto de Guarulhos, através da Invepar?
CF – Desde o início eu fiquei como um crítico do modelo de privatização aeroportuário. E as pessoas me questionavam, me perguntavam o que eu via de errado naquilo, se o projeto estaria modernizando os aeroportos. Basicamente por duas razões. Primeiro não fazia nenhum sentido colocar a Infraero com 49% de participação no projeto. Hoje boa parte das pessoas chegou a essa conclusão também. Foi criado um passivo enorme para o Tesouro que vamos pagar nos próximos anos e sem benefício fiscal nenhum. E foi feito assim por motivos puramente político e ideológicos. Partiu-se de uma ideia que não era uma privatização, que teria a Infraero cuidando de nosso patrimônio. E a Infraero não tem nenhuma condição de cuidar dos projetos.
II – Qual deveria ser o papel da Infraero?
CF – Tem um acórdão do TCU que mostra que a Infraero nunca exerceu seu papel de questionar o preço das empreiteiras que realizaram a modernização dos aeroportos. E a Infraero entrou com 49% de recursos, havia um conflito de interesses, porque era parte interessada, e a outra parte com 51%, com a presença de uma empreiteira, com preços que não sabemos se era de mercado ou não. Minha percepção é que não foi um preço de mercado. Ou seja, acho que houve um sobrepreço enorme em todas essas obras.
II – Inclusive no caso do Aeroporto de Guarulhos?
CF – Sim, inclusive neste caso e em outros também. Lógico que não sou investigador, mas acredito que o TCU esteja olhando para isso. Pelo que entendi do acórdão do TCU é que a Infraero em nenhum momento, e o acordo de acionistas possibilitava o questionamento, mas não foi feito. Era possível contratar outras empreiteiras do mercado, mas isso não aconteceu. Obviamente esse não foi um negócio bom para os fundos de pensão e demais investidores, e muito menos para a Infraero.
II – E como é que o modelo avançou?
CF – O modelo ficou de pé porque contou com recursos do BNDES e com recursos dos fundos de pensão, com influência do governo. Como também vimos na Sete Brasil, que foi um desastre. E que todos nós vamos pagar nos próximos anos. Porque entrou o Banco do Brasil, o FGTS, o BNDES e os fundos de pensão. Daqui a pouco as estatais terão que entrar para cobrir os déficits dos fundos de pensão. Esse governo que passou, particularmente no triênio de 2012 a 2014, que foi o auge dos problemas, com erros seqüenciais. Começou ainda no governo anterior, mas com a Dilma é que os erros aumentaram.
II – E o que fazer para reduzir os riscos dos projetos?
CF – Temos que construir uma verdadeira estrutura de project finance. Um modelo para a redução dos riscos. Temos que implantar um conjunto de reformas para realmente atrair os recursos. Acredito que o atual governo esteja ciente disso. Tinha começado com o Joaquim Levy, mas que ficou enfraquecido com a economia e o processo de impeachment, mas que agora está retomando uma discussão mais técnica. E o estado deve entrar de maneira muito seletiva no financiamento de projetos. Tem que participar muito mais na coordenação e estruturação de projetos.
II – Tem algum tipo de investidor estrangeiro que poderia demonstrar maior interesse de imediato?
CF – Se eu fosse realizar um road show, em primeiro lugar, faria contato com fundos de pensão canadenses, depois os europeus e, em seguida, os australianos. Em seguida, faria contato com fundos soberanos, que precisar rentabilizar os recursos. São fundos muito bem geridos, como por exemplo, os fundos de Singapura. Em terceiro lugar, faria contato com assets que têm orientação em investimentos de longo prazo. Teria que explicar o país, estamos com a imagem um pouco arranhada nos últimos anos, mas acredito que o país está bem, não estamos no meio de uma tragédia. Temos um problema grande, que é o desequilíbrio fiscal e que terá que ser resolvido com as reformas.
II – E onde entra a importância do planejamento?
CF – Em primeiro lugar, temos que elaborar um projeto de médio e longo prazos. Um horizonte de 20 a 30 anos. Por isso, não depende de um governo ou outro, depende de uma política de estado. Para modernizar a nossa infraestrutura, é preciso uma política de estado. Temos que olhar para o estado brasileiro, e não de um partido ou outro. Em segundo lugar, temos que contar com recursos de planejamento. O país conta com recursos de planejamento, mas que são muito mal utilizados.
II – Pode dar um exemplo?
CF – Vou dar um exemplo, a EPL, Empresa de Planejamento Logístico, existe uma estatal para isso. Hoje a empresa está sucateada. Quando foi lançada, foi um projeto de R$ 200 milhões. Hoje não é utilizada. Mesmo em economias liberais, como por exemplo, da Inglaterra, são utilizados recursos de planejamento para a infraestrutura. Como os projetos são complexos e são interligados, exige um certo grau de coordenação. É necessário um olhar sistêmico, tem muitos aspectos envolvidos, muitas conexões envolvidas nos investimentos, em diversas áreas.
II – E a questão da regulação dos projetos?
CF – A questão da regulação é muito importante. O antigo governo já dizia isso e a nova equipe econômica também está repetindo que é a autonomia das agências reguladoras. O prêmio de risco regulatório do país ainda está elevado. E isso ocorre porque alguns partidos políticos assumiram nos últimos anos a direção das agências. Isso não pode acontecer, as agências também precisam seguir uma política de estado. E nós temos boas agências, apesar de todo o esforço de dominância da Anel pelo Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, a Anel continua uma agência de excelência.