Municípios precisam de fundos blindados

Edição 83

Luis Carlos Trabuco Cappi, Anapp

Para o presidente da Associação Nacional das Entidades Abertas de Previdência Privada (Anapp), Luis Carlos Trabuco Cappi, o Brasil encontrou a trilha da poupança previdenciária. Em primeiro lugar porque as pessoas se conscientizaram que devem, elas próprias, preparar suas aposentadorias através de planos privados; em segundo porque o fator atuarial está conseguindo atrasar o momento da aposentadoria pública e rebaixar os desembolsos; e em terceiro porque os novos tipos de planos que estão sendo criados são mais atrativos aos participantes, sejam de fundos fechados ou abertos.
Para Cappi, que está deixando a Anapp após duas gestões consecutivas (as eleições da entidade ocorrem no dia 25 de agosto), os recursos somados da previdência privada aberta e fechada deverão representar 20% do PIB no final da década. O crescimento desses recursos está sendo de forma exponencial. Basta ver o PGBL, um fundo com menos de 2 anos de existência e que já acumula um patrimônio de R$ 1,080 bilhão. “O PGBL é um sucesso”, resume.
Ele deixa a entidade com um patrimônio total de R$ 14 bilhões no fechamento do 1º semestre, e uma projeção de chegar a R$ 16 bilhões ao final do ano. Ao final do ano passado, eram R$ 12 bilhões, incluindo fundos abertos tradicionais, Fapi e PGBL. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Cappi à Investidor Institucional.

Investidor Institucional Como você avalia o crescimento da previdência privada aberta?
Luiz Carlos Trabuco Cappi – Em 1992, quando entramos na Anapp, a área de previdência aberta praticamente só tinha fundos de pensão e entidades abertas sem fins lucrativos, que são os antigos montepios. As entidades de previdência privada aberta com fins lucrativos, que são os bancos e as seguradoras, estavam começando, mas o crescimento delas era questão de menos dia, mais dia. Por mais forte que um instituidor de fundo de previdência seja, num determinado momento ele não vai ter massa crítica e a entidade aberta, que congrega um número muito maior de participantes e tem uma base atuarial mais equilibrada, pode surgir como a solução.

IIIsso já era claro naquela época?
LCTC – Não muito, mas já se notava uma tendência dos planos de passar do benefício definido (BD) para contribuição definida (CD) e, nessa passagem, fazerem uma reengenharia de todo o plano. Por exemplo, o plano não poderia mais ser um plano inflexível, tipo você compra um benefício e se parar de pagar você perde tudo, como acontece num fundo de mutualismo. O mutualismo é extremamente adequado em investimentos quando todos os que começaram no mesmo momento terminam no mesmo momento, só que a realidade de vida das pessoas não é a mesma. Por isso os fundos fechados em si mesmos, os fundos de BD, estão praticamente desaparecendo.

IIA previdência tem muitas raízes nessa idéia de mutualismo. Isso está liquidado?
LCTC – O mutualismo só é pertinente nos benefícios de risco, tipo morte, invalidez, morte do pai, benefício-pensão à viúva, morte do chefe da família, pensão a filhos menores, quando ajuda a baratear o custo. Mas no regime de capitalização não dá! O debate sobre essa questão teve muitos aspectos ideológicos, que retardaram a expansão do setor.

IIHavia resistências às entidades com fins lucrativos?
LCTC – Sim, muita. A entidade com fins lucrativos passava a percepção de que iria obter lucro em cima das reservas dos participantes. Mas hoje está absolutamente claro o seguinte: o operador cobra uma taxa de administração, mas o corpo de burocracia da administração própria também representa um custo, e se a taxa do operador for inferior, qual é o problema?

IIComo foi sendo quebrada essa resistência?
LCTC – Ao se perceber que os planos precisavam de transparência, flexibilidade e parceria, e que os planos de BD não podiam dar isso. Por quê? Porque no BD eu não posso começar a pagar e parar quando eu quiser, ele é inflexível pois precisa de um grupo de pessoas pagando sempre um pouquinho para aposentar o primeiro que sair e assim por diante. É um problema quando alguém pára, alguém morre, alguém sai por antecipação, alguém muda de emprego, alguém sai do próprio fundo, seja aberto ou fechado. Então, eu acho que essa discussão de BD e CD, que estava resolvida nos EUA nos anos 80, no Brasil só começou nos anos 90.

IINo fundo, é a discussão sobre a individualização das reservas previdenciárias.
LCTC – Exatamente. No CD cada participante tem a sua conta pessoal, as suas reservas, eles podem ter uma parte maior ou menor dentro de um fundo maior, dependendo da sua contribuição. E quando ele sai, ou se aposenta precocemente, leva o que acumulou sem causar problemas aos demais. A contribuição definida deu possibilidades de você fazer planos mais flexíveis e transparentes.

IINo BD não há essa transparência?
LCTC – No BD você paga, paga, paga e, lá na frente, se todos continuarem pagando, você vai se aposentar. Mas você não tem o extrato, só sabe que se tudo correr bem o seu benefício será de tanto, lá na frente. No CD não, você paga, paga, paga, sabe o que pagou hoje, amanhã e depois, qual foi a sua taxa de capitalização, qual foi a sua taxa de rentabilidade, então você pode ter um extrato. O extrato, no nosso segmento, é quase um diploma de que os planos são transparentes.

IIEssa é a grande diferença em relação aos BD?
LCTC – Tem outras. Antes da lei 6.435, por exemplo, além de absolutamente inflexíveis e sem transparência, os BD eram planos sem nenhuma parceria econômica. Você recebia uma correção monetária e só isso, se o plano ganhasse mais você não tinha nada e se o plano ganhasse menos tinha o risco da entidade quebrar. Esse era o contrato social. Com a 6.435 isso mudou um pouco, mas as grandes mudanças vieram mesmo com os planos abertos, que além da garantia mínima da caderneta de poupança passaram a repassar parte do excedente financeiro. Começaram repassando 25% do excedente e hoje estão em 75%.

II O Brasil demorou muito para adotar essas regras mais flexíveis, de mais transparência e mais parceria?
LCTC – Quando eu olho para trás eu vejo as oportunidades perdidas, como por exemplo em 1977, com a lei 6.435. Se ao fazer aquela lei a legislação brasileira tivesse aberto a janela e olhado para o mercado americano teríamos economizado muito tempo. O IRA – Individual Retails Account existe desde 1971 nos EUA e em 1977 nós não olhamos para lá, só inventamos o IRA brasileiro, que pode ser o Fapi ou o PGBL, em 1995! Como tem coisas na vida que não voltam mais, e oportunidade perdida é uma delas, nós perdemos 25 anos de oportunidade.

IIQuer dizer, a 6.435 poderia ter sido usada para deslanchar tanto a previdência fechada quanto a aberta?
LCTC – Exatamente. A perna fundamental do modelo é a previdência social mas, por mais forte que ela seja, não consegue atender a 100% das necessidades do indivíduo. Então, aí entram os 3 pilares, a previdência social, a complementar e a individual. Então, o que está em jogo não é eleger qual instrumento é mais eficiente para acumular poupança, o importante é ter esses intrumentos.

IIO dilema entre previdência complementar fechada e aberta era falso?
LCTC – Hoje nós temos maturidade para enxergar isso. As divisões, que até podem ter existido lá pelos anos 92, 93, praticamente acabaram. Fomos dando as mãos, as relações entre a Abrapp e Anapp hoje são excelentes.

IINa época da reforma da 6.435, as entidades trabalharam juntas?
LCTC – De forma muito íntima. A reforma da 6.435 nasceu menos da vontade do governo e mais da necessidade da sociedade em reformar esse instrumento. Essa lei caiu de madura, ela atravessou de 1977 a 2000 e ainda nem foi promulgada! Você teve uma nova constituição em 1988 que não tratou da previdência complementar. Então, ficamos com uma lei ordinária antecedente à Constituição, a 6.435, o que cria uma fragilidade da hierarquia das leis, pois a lei ordinária tem menos força que uma lei complementar. Por isso a reforma da 6.435 era essencial e o artigo 202 foi um grande avanço ao especificar que a previdência complementar iria funcionar no regime privado, ao prever a força dos fundos municipais e da previdência complementar pública. A Anapp participou ativamente desses debates, junto com a Abrapp e a Fenaseg.

IIComo você avalia a reforma da 6.435?
LCTC – A regulamentação do artigo constitucional inclui questões modernas, como portabilidade, transferência de risco, blindagem das reservas, e isso é extremamente importante. Mas acho que ainda tem uma caminhada longa, como no caso da portabilidade. Hoje, a portabilidade só é possível numa direção, e terá que ser bidirecional. Por quê? Porque o mundo do trabalho está mudando, o trabalhador precisa ter uma portabilidade ampla, geral e irrestrita, para poder caminhar de um emprego formalizado para um emprego não formalizado e levar a reserva com ele. Outro ponto que a lei precisa evoluir é em relação à criação de instrumentos de solvência, tipo resseguro, que permitam fazer a transferência de riscos de fundos de pensão para uma seguradora. Se um fundo de pensão médio não pode transferir um risco para terceiros a empresa simplesmente não cria o fundo, e não adianta eu querer ser contra a transferência de riscos por aspectos ideológicos.

IIDe volta à questão ideológica?
LCTC – É. Esse aspecto ideológico, me parece, é a grande trava que terá de ser removida. O repasse de risco ou resseguro é o único instrumento que o mundo encontrou, desde o século XVI, para se proteger das incertezas. A Companhia das Índias Ocidentais segurava aqueles navios e os navios afundavam! E porque elas não quebravam? Porque tinham repartição de risco, tinham cobertura.

IIQual sua posição sobre a legislação que proíbe as entidades de previdência de servidores públicos de comprarem fundos de empresas de previdência aberta?
LCTC – Quando uma prefeitura faz um plano de previdência municipal ela o faz para proteger e criar reservas para o trabalhador, ela não está preocupada com a gestão. Portanto, a tese que nós levantamos é de criar um plano, como o 452B dos EUA, que é simplesmente blindado. Um plano do tipo PGBL, só que blindado.

IIComo assim, blindado?
LCTC – Um fundo financeiro que tem que aplicar basicamente em instrumentos financeiros. Ele não pode aplicar em ativos que não possam ser precificados, por exemplo, imóveis. Imóvel depende de avaliação subjetiva, depende de gosto, preferência, imaginação de rentabilidade, não tem ainda instrumentos de precificação, então estaria fora. A previdência municipal teria que aplicar os recursos em fundos blindados, composto por ativos possíveis de serem precificados. Se o prefeito resolver que o melhor é investir em saúde no município, não pode, se ele resolver que o melhor é investir em proteção à viúva do servidor público, não pode. Senão, o fundo vai quebrar.

II E como ficaria a parte atuarial desses planos?
LCTC – Esses são planos de acumulação. A parte atuarial só é pertinente nos benefícios de risco do plano, para cobrir morte e invalidez,. Aí eles são de repartição, mas na parte de renda por sobrevivência eles são planos de capitalização. Na verdade é um PGBL para o município, o servidor coloca o dinheiro, a prefeitura coloca o dinheiro, essa colocação dupla do dinheiro só tem um objetivo: acumular reservas para pagar aposentadorias.

IIQuer dizer, evita-se que o dinheiro seja gasto em outras coisas?
LCTC – Sim, o dinheiro desses fundos vai para o indivíduo que acumulou. Eles teriam que representar um corte com o passado atuarial do município. Se você não fizer esse corte isto não será um pacto de gerações, será um conflito de gerações. Porque o dinheiro de hoje para a frente estaria pagando benefício de hoje para trás, e na hora de pagar de hoje para a frente não haveria recursos. Alguns economistas, como Gustavo Loyola, dizem que sem esse corte isso poderá ser um fundo cheio de vento, ou um ovo de serpente.

IIO modelo básico é do PGBL?
LCTC – Sim, o mesmo modelo. O segredo do PGBL e do seu crescimento é ser um produto tipificado, com regras iguais para todo mundo. Para o cliente só tem duas diferenças: taxa de administração e rentabilidade, ambos apresentados diariamente pelos jornais.

IIPor falar em PGBL, o produto tem crescido muito. Como explica isso?
LCTC – O PGBL surgiu para suprir várias falhas do antigo Fapi, que nem decolou porque começou com defeitos de fabricação. O Fapi empresarial, por exemplo, é um produto com uma excelente boa intenção, só que começou com falhas de tributação e outros defeitos, como limitar seus benefícios tributários apenas às empresas com adesão de 50% ou mais dos funcionários. Esse número é arbitrário, porque em uma empresa de 3 funcionários bastam 2 adesões, mas se minha empresa tiver 2.000 funcionários eu preciso da adesão de 1.000. Então, o legislador quis disciplinar mas acabou matando o produto. E o PGBL não, ele corrigiu esse tipo de coisa, tanto na sua versão individual quanto empresarial.

II Que tipo de empresa está fazendo o PGBL?
LCTC – A empresa que queria dar um plano de previdência aos empregados, queria complementar a renda, queria fazer um tipo de FGTS privado às suas custas, mas que não queria ter responsabilidades com tábuas biométricas, por exemplo. Então, ao fazer um PGBL, ela praticamente terceiriza desde a questão da tábua biométrica até a administração da carteira, só se preocupando em fiscalizar a qualidade do próprio produto.

IIVocês estão projetando um grande crescimento do PGBL?
LCTC – Sim. Para fazer um paralelo de crescimento do Fapi em relação ao PGBL, do primeiro para o segundo ano o PGBL teve um crescimento de 2.500%, o Fapi cresceu 64% em 2 anos; no primeiro semestre deste ano o Fapi cresceu 19% contra 86% do PGBL.

IIO Brasil encontrou a trilha da poupança previdenciária?
LCTC – Nós fizemos uma reforma silenciosa da previdência que é extremamente bem vista e reconhecida fora do Brasil. O fator atuarial foi uma reforma extremamente verticalizante, porque você colocou um ingrediente atuarial na previdência social, que antes não existia. Você se aposentava por tempo de serviço, nem por tempo de contribuição, e recebia pela média dos últimos três anos. Agora, mantém-se a estrutura, só que na data da aposentadoria o INSS vai olhar para trás e ver o que acumulou e vai olhar para frente e ver o seu fator atuarial. Isso significa postergar a data das aposentadorias e redução dos benefícios. Qualquer reforma da previdência social, em qualquer país do mundo, sempre se fará assim, por redução de benefício ou pela postergação da idade de aposentadoria.

IIDiscutiu-se muito, algum tempo atrás, sobre a questão do teto da previdência. Como você vê o atual teto?
LCTC – Acho que o teto de 10 salários mínimos foi um patamar elevado, exagerado, ele poderia ter sido menor, tipo 5 salários mínimos. A partir daí abriria espaço para a complementação através dos fundos de pensão abertos ou fechados, o que daria um grande impulso à formação da poupança previdenciária do país. E tem muita relação entre amealhar poupança previdenciária, armazenar poupança a longo prazo e dar estabilidade na taxa de juros, no sistema financeiro e tudo o mais.

IISe o governo equilibrar seu orçamento e reduzir a oferta de títulos públicos, onde os fundos previdenciários aplicariam os recursos no caso de um crescimento vigoroso da poupança previdenciária, como está se projetando?
LCTC – Essa questão é fundamental. Acho que ligado à evolução da reforma previdenciária, você tem necessidade de uma reformulação da lei das S.A, de desenvolver o mercado de capitais, de incentivar o lançamento de ações, o lançamento de debêntures, etc para conseguir absorver essa massa de recursos. É evidente que no Brasil nós temos um déficit de infra-estrutura que demanda investimentos, e uma boa parte desses investimentos poderia vir da poupança previdenciária desde que ofereça uma boa rentabilidade. Na área de projects finance, por exemplo, temos um campo grande para investimentos.

IIMas poucos gestores tem experiência em operar esses títulos no Brasil.
LCTC – Exatamente, isso é um aprendizado. A operação de project finance no Campo de Marlim foi o primeiro exemplo concreto, aconteceu no ano passado. A Petros participou e encarteirou títulos.

IIComo você está vendo essa questão da agência reguladora de previdência?
LCTC – Acho que uma SPC, uma Susep, elas têm que ser cada vez mais fortalecidas, o governo deve fazer uma reengenharia nesses órgãos de fiscalização, trazendo quadros de profissionais e alterando critérios de cargos e salários para que as pessoas possam se motivar. Acho difícil você ter uma agência, um órgão regulador, que regule o plano e um outro que regule a entidade. Esse é o pior dos mundos, porque a entidade tem de ser regulada pelo mesmo órgão que regulou o plano.