Edição 90
Carlos Duarte Caldas, da Abrapp
A última reunião do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, ocorrida no dia 20 de dezembro, aprovou uma medida polêmica, que estabelece um limite mínimo de idade para aposentadoria dos participantes dos fundos de pensão. Segundo essa nova regra, a idade mínima de aposentadoria passa a ser de 60 anos para participantes de planos CD e de 65 anos para participantes de planos BD. Para o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), Carlos Duarte Caldas, a medida é totalmente fora de propósito, pois interfere no direito da empresa de definir sua política de Recursos Humanos. “Ela vai tornar-se, de imediato, um elemento causador de desemprego”, dispara o presidente da Abrapp. Veja, nas páginas seguintes sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual a posição da Abrapp em relação às decisões tomadas na última reunião do Conselho de Gestão, que incluem uma idade mínima de aposentadoria para os participantes dos fundos de pensão (60 anos para participantes de planos CD e 65 anos para participantes de planos BD)?
Carlos Duarte Caldas – A posição da Abrapp, em primeiro lugar, é de surpresa e, em segundo lugar, de preocupação com os efeitos que ela terá sobre o sistema como um todo. Hoje as empresas têm liberdade para criar os seus planos de previdência e nenhuma lei obriga o empresário a fazer o seu plano assim ou assado. Ele faz este plano muito alinhado com a sua postura, com a sua atividade econômica e com as projeções de carreira que desenha dentro da sua empresa. É com base nisso que o atuário fixa as contribuições de cada um, dos participantes e da empresa. O que ocorre quando se introduz uma mudança dessa maneira, sem levar em conta o tipo da atividade econômica, o interesse da empresa em trazer, digamos assim, sangue novo para arejar o seu quadro profissional, é que ela torna-se, de imediato, um elemento causador de desemprego.
II – Por quê?
CDC – Por uma razão muito simples. Se um funcionário iria sair com 55 anos e a sua saída é postergada, aquela vaga não é aberta. Então, nós temos aí um contingente de pessoas jovens que adentram anualmente no mercado de trabalho que não encontrarão vagas abertas. Para atender essa demanda por emprego, vinda desse fluxo vegetativo de jovens que chegam todos os anos ao mercado de trabalho, é preciso abrir vagas.
II – Isso valeria também para os planos de BD das estatais?
CDC – Sim, para todos os planos.
II – Mas a situação não é pior no caso dos planos de CD das empresas privadas?
CDC – No caso dos planos de contribuição definida o problema é mais grave, porque um plano de contribuição definida não pode definir idade de aposentadoria, não pode definir o valor de aposentadoria, ele apenas pode definir a contribuição. Sendo feita essa contribuição, a aposentadoria passa a ser uma opção do indivíduo, passa a ser definida pelo tamanho do que ele conseguir poupar. Não tem porque forçar o indivíduo a ficar mais tempo ou menos tempo, obrigando-o a fazer uma poupança compulsória.
II – Será que a lógica do governo, ao adotar essa medida, não seria diminuir os déficits das estatais, através do adiamento das aposentadorias?
CDC – Mas ele pode fazer isso por outros meios! Não há nada que o impeça, como administrador, como patrocinador da empresa estatal, de fazer isso. Como patrocinador, ele pode mudar o plano na hora em que quiser! Por que precisa ser feita uma regra geral? Todas as empresas privadas fizeram ajustes, fizeram mudanças de planos, é só você verificar o que aconteceu nas empresas privatizadas! Em menos de um ano estavam todas elas ajustadas ao que o novo patrocinador decidiu que seria o ideal para a empresa. Então, essa desculpa de que não há essa possibilidade, não é bem assim. Nós não entendemos dessa forma.
II – E a questão da paridade no financiamento dos déficits? Foi uma mudança imprevista?
CDC – Existe uma certa dificuldade em identificar certos passivos, vindos de situações anteriores. Alguns são passivos de obrigações dos patrocinadores e precisam ser claramente identificados de quem é a responsabilidade por saldá-los. Achamos que não tem porque nós socializarmos uma situação, fazer uma obrigação que era só da patrocinadora passar a ser também do participante.
II – O sr. está se referindo às dívidas de serviço passado?
CDC – Sim, entre outras.
II – Qual o tipo de déficit que poderia ser dividido entre participante e patrocinadora?
CDC – Tem uma série de situações atuariais que precisam ser levantadas, não é uma coisa tão simples. Então, a sugestão que existe é que se estabeleça um glossário no qual seja claramente explicitado todas as verbas, todos os passivos, o que eles significam, conformando-se os casos onde a responsabilidade é deste, é daquele, é dos dois.
II – Quem faria esse glossário?
CDC – A própria Secretaria da Previdência Complementar. Acredito que, dessa forma, as coisas ficariam um pouco mais claras e contribuiriam para uma solução dessas situações.
II – O que está por trás dessa mudança ? Está vinculada ao orçamento, ao corte de gastos ou teria algum outro motivo?
CDC – Não, surgiu da idéia de se aumentar a poupança doméstica. Só que não se aumenta a poupança doméstica criando dificuldades para a formação dos fundos, impondo variáveis que não estão dentro da cultura ou da atividade econômica das empresas. Isso só levará as empresas a fugirem da formação de novos fundos. O mais importante para a formação da poupança doméstica é que a receita adotada pelo fundo seja respeitada, permitindo planos estáveis, com regras estáveis, com o diferimento tributário da lei que está para ser aprovada. É isso que vai fazer com que as 2.400 empresas do Brasil que têm fundos de pensão passem a ser 10 mil, 20 mil, 30 mil.
II – Como o sr. interpreta a situação de fundações de estatais que já tinham encontrado uma fórmula para se adequar à paridade e que estão sendo fiscalizadas, tendo que rever a fórmula. Isso é uma situação negativa para o sistema?
CDC – Eu acho que não. Mas uma das coisas que a fiscalização acarretou foi uma alteração muito grande em todos os quadros diretivos das fundações de empresas estatais, e nisso é preciso cuidado. Hoje nós temos, de modo geral, gestores capacitados nessas fundações e muitos dos problemas que podem estar sendo levantados foram herdados por estes novos dirigentes e não causados por eles. A grande maioria deles tem uma preocupação muito grande de trabalhar de forma séria, no sentido de buscar uma solução para essas situações anteriores.
II – Então é necessário rever a situação das fundações de estatais que estão sob fiscalização?
CDC – Mas eu acho que foram muito poucas as que não conseguiram estabelecer o enquadramento, e essas já estão com a sua situação sendo examinada junto às suas diretorias e à SPC em busca de uma forma para se resolver isso o mais rápido possível.
II – São poucas mas, entre elas, está a Previ, que acaba preocupando porque representa nada menos de 25% das reservas do sistema, não é?
CDC – Sim, mas esta questão de paridade não tem nada a ver com reservas, a questão é o aporte mensal. Acredito que a questão se solucionará dentro do prazo previsto no fundo fiscal.
II – O ano 2000 foi um ano difícil para as fundações, termina com ameaça de tributação dos fundos, projetos de lei não foram ainda aprovados, mercado instável, bolsa com baixa rentabilidade. Que avaliação o sr. faz deste ano?
CDC – Numa frase, eu diria que ser brasileiro é muito bom em todos os sentidos, até porque nós temos emoções a cada dia.
II – O fato dos projetos de lei nº 8, 9 e 10 ainda não terem sido aprovados, no final do ano, paralisa o sistema de fundos de pensão? Isso cria uma incerteza muito grande?
CDC – Acredito que não. Os projetos de lei, na realidade, ainda não foram aprovados por situações que nada tem a ver com eles. Os projetos são bons, foram feitos de forma muito madura, foram politicamente muito bem trabalhados, e tecnicamente são muito bem elaborados. Eles trazem no seu bojo uma série de modernidade que vão, certamente, ajudar o sistema a crescer e a proporcionar a atividade social que é tão necessária neste país. Então, acreditamos que eles devam ser aprovados logo no início da reabertura dos trabalhos legislativos, pelo menos esse é um empenho da Abrapp. Infelizmente nós tivemos neste ano uma série de outras prioridades para os legisladores, pois foi um ano eleitoral, o que acabou prejudicando os trabalhos no Congresso.
II – O sr. acredita que o diferimento permanecerá no projeto de lei 63? Como estão as negociações sobre esse tema?
CDC – Nós estamos trabalhando muito nisso. Nós vemos essa questão como extremamente prioritária, sendo que uma mudança nessa regra resultaria num novo desencanto e num desestímulo à formação de novos fundos no Brasil.
II – A proposta da Receita, de taxar os fundos, ainda permanece como uma ameaça?
CDC – Nós tivemos uma série de reuniões com a Receita Federal mas não se chegou a nenhuma conclusão. O que eu posso dizer é que, na Abrapp, nós continuamos empenhados em buscar uma solução para o problema.
II – A queda da 2.720 foi uma vitória dos fundos de pensão neste ano?
CDC – Eu não diria que foi uma vitória porque, quando se fala em vitória tem que se falar em derrotados e não acredito que essa seja a postura correta. O que eu diria é que nós temos condições, temos meios mais baratos, de fazer o controle de nossos ativos sem enviar uma declaração extremamente detalhada à SPC. Isso só iria encarecer enormemente os custos de administração de portfólios sem trazer grandes vantagens.
II – Qual a concepção de controle da Abrapp?
CDC – A nossa idéia, que estamos entendendo como correta, baseia-se nas afirmações que têm sido feitas pelo presidente do Banco Central, de que precisa se dar liberdade com responsabilidade. Através de seus agentes fiscalizadores, tanto a SPC quanto o Banco Central estariam acompanhando a atuação das fundações e aquela que não estivesse trabalhando adequadamente seria chamada para dar as suas justificações.
II – E a Resolução 2.791? Embora tenha trazido um certo alívio para os fundos de pensão, parece que tem um probleminha com os fundos referenciados. Vocês já fizeram alguma sugestão de mudança?
CDC – Essa Resolução 2.791 é transitória. Nós acreditamos que algumas das suas colocações talvez não tenham sido bem adequadas e esperamos que venham a ser ajustadas na versão definitiva. Liberdade com responsabilidade, isso é o que conta.