O mercado de capitais, assim como praticamente todo o setor privado do País, acompanha atentamente as negociações para a aprovação da Reforma da Previdência, que devem dar o tom para a retomada de uma série de projetos privados de investimento na sequência da sua aprovação pelo Congresso. Para o vice-presidente da Anbima, José Eduardo Laloni, o mercado não trabalha com a hipótese de que a reforma não seja aprovada. “Eu só trabalho com o cenário da reforma passando”, disse ele em entrevista à revista Investidor Institucional, na qual explica alguns movimentos do mercado de capitais, inclusive se antecipando à aprovação, e que provocam alta em vários ativos de mais risco.
Investidor Institucional – Com a queda dos juros, os investidores devem tomar mais risco para garantir a rentabilidade dos seus investimentos. Como isso muda a cara do mercado de capitais?
José Eduardo Laloni – Essa mudança das taxas de juros, que estão baixas há bastante tempo, estão produzindo uma transformação grande do mercado de capitais nos últimos dois, três anos. Entre outras coisas, está possibilitando o crescimento de assets independentes, de novos players no mercado de gestão, são mudanças que estão tirando todo mundo da zona de conforto e obrigando o mercado a tomar riscos adequados para melhorar os retornos.
II – Tem também as plataformas eletrônicas de distribuição de fundos, que trazem novos investidores para o mercado e com isso ajudam a viabilizar muitas assets independentes. Qual o impacto do crescimento dessas plataformas?
JEL – As plataformas independentes estão modificando o mercado, são mais pessoas físicas entrando na bolsa, mais pessoas físicas comprando fundos de investimentos e fazendo com que mudem suas estratégias de alocação. Tudo isso derivado da taxa de juros mais baixas. Mas eu acho que os players tradicionais também estão se movimentando, abrindo suas plataformas digitais, buscando competir com as plataformas digitais independentes. Então, está todo mundo sentindo a competição, as plataformas digitais e o mercado tradicional dos grandes bancos, das grandes assets. Isso faz com que o mercado avance.
II – Quem ganha, no fundo, é o investidor?
JEL – Claro, no fundo esses novos players ajudam o investidor final a ter melhores formas de investimento, melhor acesso aos ativos e acho que é disso que precisamos. Somos ainda muito pequenos, outro dia comemoramos 1 milhão de pessoas com negócios na Bolsa de Valores. Veja, 1 milhão de pessoas num país de 200 milhões é muito pouco. Então, por mais que a gente esteja avançando, acreditamos que o mercado de capitais brasileiro tem ainda muito espaço para evoluir.
II – Muitas assets já estão reposicionando seus fundos, comprando ações para colher os frutos de uma alta que viria com a Reforma da Previdência. Não é precipitado, visto que a reforma está indefinida?
JEL – Acho que não, a reforma é uma questão de tempo para o mercado. Já tem vários casos de fundos de ações que estão se movimentando mais para o mercado de capitais de renda variável para se antecipar à reforma. Olhando historicamente, vemos que o mercado de renda variável tem muito potencial de crescimento, e com a perspectiva da Reforma da Previdência várias operações estão por vir a mercado. A gente escuta falar que negócios estão sendo entabulados, bancos de investimentos se movimentando, então vamos ter muitos negócios mais pra frente.
II – E se a Reforma não andar?
JEL – Eu só trabalho com o cenário da reforma passando. Hoje existe um bom entendimento do público em geral de que elas são necessárias e, naturalmente, mesmo com todas as dificuldades e complexidades, acho que teremos boas notícias no segundo semestre. Penso que isso vai puxar o mercado de capitais como um todo, principalmente o poupador externo, que está aguardando esse momento para precificar melhor as ofertas brasileiras.
II – Qual a participação do investidor externo no mercado hoje?
JEL – Antigamente, a preponderância era muito maior dos estrangeiros na compra de ações e agora já se vê uma presença mais ativa dos gestores brasileiros de recursos de renda variável nas ofertas. No último balanço da Anbima, no acumulado de cinco meses até maio, a participação dos investidores institucionais brasileiros nas subscrições de ofertas públicas de ações foi de 47,3% contra 51,9% dos investidores estrangeiros. No ano passado, no mesmo período, a participação dos institucionais era de 28,1% contra 63,6% dos estrangeiros. Então melhorou bem, é a nossa melhor marca desde 2014.
II – A participação do investidor estrangeiro tende a diminuir?
JEL – Penso que o investidor internacional vai continuar sendo parte importante do mercado de renda variável, porque a liquidez do mercado internacional para esse tipo de ativo é enorme. São players que não deixarão de participar do mercado de renda variável no Brasil. Penso que eles voltarão a ter um peso grande nas ofertas públicas no Brasil, mas ao mesmo tempo o mercado de gestão local também vai crescer. Acho que teremos dois “bolsos” querendo comprar ações do Brasil: não só o mercado externo, vindo com mais força depois a Reforma da Previdência, quanto o mercado local que está crescendo muito.
II – O boletim da Anbima mostra queda na participação dos estrangeiros também no mercado de renda fixa.
JEL – Sim, no acumulado do ano até maio os estrangeiros subscreveram só 21,9% das debêntures enquanto os institucionais brasileiros subscreveram 73,1%. No ano passado, no mesmo período, os estrangeiros foram responsáveis por 33,8% das subscrições contra 63,1% dos institucionais. Mas também não tivemos muitas emissões na renda fixa.
II – Porque diminuíram essas emissões, é falta de crescimento econômico?
JEL – Os números não vieram muito fortes neste ano, comparados com o ano passado, quando a gente teve um crescimento muito forte na renda fixa. Como o País não cresce, o mercado de crédito não cresce e isso reflete no mercado de capitais. Por outro lado, a gente tem avançado em segmentos onde tradicionalmente eram as carteiras dos bancos que forneciam recursos para as empresas. São recursos para empresas novas, grandes transações de M&A sendo financiadas por mercado de capitais de renda fixa e não por carteiras de bancos, então nesse sentido há uma certa pujança no mercado de capitais.
II – Na sua opinião, num novo ciclo de crescimento os grandes projetos vão se financiar mais com ações ou com debêntures?
JEL – Acredito que será um misto dos dois. Nos últimos anos, especialmente em 2018, tivemos um movimento gigantesco de debêntures de infraestrutura financiando projetos e agora temos perspectivas de novas empresas de infraestrutura entrando no Brasil. Então, acho que teremos um misto de capital estrangeiro, capital local, ações e renda fixa. E isso é que é saudável, essa é a fórmula boa. Você alavanca um pouco a empresa, traz um pouco de capital de fora, levanta recurso no mercado local de renda variável. É um mix saudável.
II – Qual sua projeção para o segundo semestre?
JEL – Acho que teremos um segundo semestre bem melhor até do que as expectativas que tínhamos inicialmente. O crescimento econômico decepcionou neste primeiro semestre, mas podemos ter boas notícias para o próximo. Outra coisa que deve movimentar o mercado de capitais, tanto de renda fixa quanto de renda variável, é o início dos processos de privatização, de concessões. Não é algo para 2019, porque demora um pouco até se conseguir colocar tudo da forma correta, mas penso que para o final deste ano e a partir de 2020, mais fortemente, teremos muita movimentação nesta área.
II – Acha que será via mercado de capitais?
JEL – Acho que sim, vai ser via mercado de capitais: empresas captando para adquirir concessões, empresas novas estrangeiras e brasileiras comprando empresas e utilizando o mercado de capitais para financiar a expansão. Acho que há uma outra vertente de crescimento do mercado de capitais que vai se dar através das privatizações e concessões.
II – Por onde começam as privatizações?
JEL – Os primeiros leilões, já programados, são as concessões no setor elétrico. E a partir de 2020, grande parte das estradas começam a vender suas concessões, tem um movimento novo de investimentos nessas estradas que estão em término de fase de concessão. Outro segmento que vejo com muita esperança é o de saneamento básico, já que tivemos um marco regulatório importante na semana passada que pode abrir uma frente de investimentos enormes nesse setor. Temos grandes deficiência nessa área, alguns calculam a necessidade de investimentos de R$ 400 bilhões para “consertar” a questão de água e de esgoto. Então, é um mercado enorme que pode se abrir para o investidor tanto de equity quanto de títulos.
II – Muitos acham que até que seja aprovada a Reforma da Previdência todo esse mercado continuará em compasso de espera. O que você acha?
JEL – Logicamente existe uma expectativa em cima da Reforma da Previdência, então você tem algum represamento de operações, principalmente na renda variável. Mas por conta disso você vai ter preços melhores quando a reforma for aprovada.
II – Muitos fundos de pensão estão nessa situação, de compasso de espera. Você acha que eles podem estar perdendo uma janela de oportunidade?
JEL – Os fundos de pensão são os poupadores de longo prazo mais típicos, são perfeitos para projetos onde haja necessidade de grandes investimentos de longo prazo pois não tem pressão para sacar o dinheiro no curto prazo. Acho que, naturalmente, seriam os grandes tomadores desses riscos mais de longo prazo. O que aconteceu no Brasil, nos últimos anos, é que tivemos uma taxa de juros muito alta, que acabou deixando os retornos desses fundos num patamar confortável. Mas eu já vejo, nos últimos seis meses, um ano, um movimento maior dos fundos de pensão no sentido de se estruturarem para voltar a comprar crédito privado e correr risco de longo prazo.
II – Como investidores de longo prazo, eles deveriam estar tomando mais risco?
JEL – Eu acho que os fundos de pensão são um grande player do mercado de renda fixa e variável de longo prazo, então devem realmente participar e se aparelhar o mais rápido possível para entrar neste mercado. Nós passamos por uma série de restrições, do ponto de vista legal, que inclusive a Anbima está ajudando a mudar, como na questão de poder comprar papel de empresa fechada, de restrições que a gente tinha e ainda tem nos fundos de pensão na compra de equity, na compra de ações. Os fundos de pensão têm que se estruturar cada vez melhor para poder absorver essa expectativa que nós temos de uma melhora no mercado de renda variável.
II – Falando sobre fundos imobiliários, qual sua opinião sobre esse segmento?
JEL – Os fundos de investimento imobiliário têm tido um desempenho muito bom nesses últimos tempos. São um híbrido entre ações e renda fixa, porque paga um aluguel, gerando uma renda, e ao mesmo tempo a cota oscila dependendo da vacância, da estratégia de ocupação dos imóveis. Além disso a questão regulatória é importante. Recentemente, houve um aspecto importante que foi a questão do destrato, uma regulamentação importante porque estava atrapalhando muito as incorporadoras o fato de você vender e depois não ter certeza se vendeu mesmo.
II – Os segmento imobiliários devem voltar a buscar o mercado de capitais?
JEL – Do ponto de vista de lançamentos, já vemos um pouco mais de dinamismo nesse setor. Mas é um setor que vem machucado dessa crise, sentiu muito os anos de 2014, 2015, 2016. Somente a partir de 2017, com a queda das taxas de juros, é que a gente começou a ver uma retomada. Mas a regulamentação do destrato foi importante, isso deve começar a ajudar muito o mercado imobiliário a ter mais dinamismo.