Para o professor e diretor da área de comunicação e marketing da Fundação Getúlio Vargas, Marcos Facó, o poder das redes sociais como principal cabo eleitoral nas próximas eleições presidenciais é um mito. Segundo ele, a baixa escolaridade de boa parte da população brasileira, que a impede de entender em sua plenitude as mensagens dos candidatos nas redes sociais, é um limitador muito objetivo. “O poder de penetração da televisão é muito maior do que o das redes sociais, e ele é muito mais facilmente digerido por essa população, vamos dizer assim, C, D e E”, explica o docente em entrevista à Investidor Institucional. “A pessoa com um nível cultural mais baixo, uma formação cultural menor, consegue digerir melhor o que o candidato fala num debate ou em uma propaganda de TV do que lendo uma mensagem, um post, no Facebook ou no Twitter”. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Investidor Institucional – Como você vê o peso das mídias sociais nessas próximas eleições?
Marcos Facó – No Brasil, as mídias sociais ainda não têm a penetração que a televisão tem. O número de smartphone é maior que a população, são mais de 220 milhões de smartphones, e o acesso à internet é maior que o acesso a saneamento básico, já próximo ao acesso à água potável. A população tem smartphone, tem internet, entre 50% e 70% das pessoas possuem uma conta no Facebook, mas o nível educacional não é tão elevado. Apenas 20% da população brasileira tem o nível superior. Então, o que acontece nas redes sociais é que quando existe uma comunicação por voz, uma pessoa conversando com outra, por exemplo, funciona bem. Mas quando existe algo que requer uma elaboração maior, no sentido de ler um conteúdo, um texto, isso elimina uma grande parte da população do correto entendimento da mensagem.
II – Mas nos Estados Unidos, por exemplo, o Trump ganhou as eleições baseado nas redes sociais. Alguém poderia usar isso da mesma forma no Brasil?
MF – Esse ponto que você tocou é importante. Pelo seguinte, nos EUA existe uma grande e fundamental diferença em relação ao Brasil: lá o voto não é obrigatório. Então, a população que votou nos Estados Unidos provavelmente é uma população mais esclarecida, que participa dos debates nas redes sociais. Já no Brasil a população é obrigada a votar mesmo sem ter o correto entendimento das propostas dos candidatos, 80% da população brasileira possui até o ensino médio e desses 20% são de analfabetos funcionais. Então, o impacto das redes sociais nos Estados Unidos e no Brasil não pode ser comparado igualitariamente.
II – Quem seria o beneficiário do voto desse eleitor não crítico, de baixa escolaridade e até analfabeto funcional como o senhor definiu?
MF – É o presidenciável que consegue fazer coligações com candidatos a cargos menores que estejam próximos ao dia a dia desse eleitor, dessa população. Ou seja, o candidato a presidente que tem coligações com candidatos locais que prometem resolver os problemas locais, que trazem benefícios imediatos para esse eleitor, que prometem satisfazer sua necessidades na cidade, nos bairros. A pessoa acaba votando para presidente devido à coligação com quem promete resolver o problema local. Essa é uma leitura.
II – Existem outras leituras?
MF – Existem várias leituras, porque a política não é uma ciência exata. Existem pesquisas feitas no exterior, pesquisas acadêmicas, que apontam que os candidatos que possuem mais tempo de TV e mais verba de marketing normalmente se elegem. Isto mostra que o poder da televisão ainda é muito grande em termos de Brasil.
II – O senhor acha que a TV ainda predomina em relação às mídias sociais?
MF – Com certeza. O poder de penetração da televisão é muito maior do que o das redes sociais, e ele é muito mais facilmente digerido por essa população, vamos dizer assim, C, D e E. A pessoa com um nível cultural mais baixo, uma formação cultural menor, consegue digerir melhor o que o candidato fala num debate ou em uma propaganda de TV do que lendo uma mensagem, um post, no Facebook ou no Twitter. Aliás, a população não tem Twitter, apenas uma pequena parcela tem Twitter, são profissionais do jornalismo, publicitários, políticos e celebridades.
II – Você acha que a influência do Facebook pode estar sendo superestimada?
MF – Acho que sim, pois embora seja a maior rede social do Brasil, ele exige uma leitura. E o nosso erro é achar que nós, que moramos nas grandes capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, representamos o Brasil. Isso não é a verdade, o interior do Brasil tem muita gente que vota e não tem acesso ao Facebook. Na verdade, nem sabe o que é Facebook. E quando tem Facebook, não consegue entender exatamente o que o candidato está dizendo, o que está postando, mesmo que seja um meme, uma brincadeira, alguma coisa assim.
II – Há críticas de que os grupos na internet falam apenas entre sí, que é como pregar para convertidos. Concorda com isso?
MF – Essa é uma outra interpretação, que é importante levar em consideração. São os eleitores torcedores. O que é um eleitor torcedor? Se uma pessoa torce para o Corinthians, por mais que você faça propaganda, ela nunca vai mudar de time. Ela é corinthiana até o final da vida. Então, algumas pessoas são torcedoras de partidos políticos, são MDB, PSDB ou PT e não vão mudar, independente de candidato. Então, o que acontece nas redes sociais é que a maioria da produção de posts nas redes sociais é para esse perfil de pessoa, que não vai mudar de opinião.
II – Agora, temos o caso do Bolsonaro que começou com muito pouco e graças às redes sociais, difundindo uma mensagem que encontrou eco num determinado público, conseguiu um número de seguidores muito grande. Como explicar isso?
MF – Enfim, isso é um ponto muito delicado porque a análise do resultado das ações nas redes sociais não é tão óbvio quanto parece. O fato da pessoa ser seguidor de um candidato não quer dizer, primeiro, que vai votar nele. E nem que esse seguidor foi conquistado de maneira orgânica. O que quero dizer com isso? Você pode criar campanhas pagas e trazer seguidores, mas o seguidor não necessariamente será um eleitor. Tem também a pessoa que clicou ali pra seguir e entender o que o candidato está falando, mas não necessariamente será um eleitor. Além disso existem, hoje, muitos perfis fakes nas redes sociais. Além da fake news, existe o perfil fake.
II – Tem alguma estimativa de quantos são perfis fake nas redes?
MF – É muito difícil dimensionar, porque apesar que não acreditar que seja do interesse do Google, Facebook, Twitter, etc que esses perfis fakes existam, eles realmente existem. Não tenho o percentual exato, mas no Twitter, por exemplo, foram eliminados 2%, 3%, 4% ou 5% de perfis nos Estados Unidos porque eram fakes.
II – Isso aconteceu recentemente?
MF – No mês passado. Não lembro exatamente o percentual, mas causou impacto no valor das ações do Twitter. Como havia muitos anunciantes reclamando junto ao Twitter de que a quantidade de perfis fakes era muito grande, e como o Twitter vive de anunciantes, eles resolveram eliminar os perfis que julgaram fakes. No Facebook, não tenho conhecimento de nenhuma ação nesse sentido, mas que existem perfis fakes, duplicidade de perfis, isso existe.
II – Dá para identificar se um perfil é falso?
MF – Não existe uma forma fácil de fazer essa identificação, algo externo que permita uma varredura para julgar se um perfil é fake ou não. A FGV, através da Diretoria de Análise de Políticas Públicas – DAPP, identifica um robô no Twitter, que não deixa de ser um perfil fake, quando ele dispara num intervalo menor do que 11 segundos. Ou seja, se aquele perfil dispara um tweet em 9 segundos, depois outros a cada 9 segundos ele identifica que aquilo é um robô, um perfil fake.
II – Um humano não teria esse procedimento?
MF – Exatamente, como um humano não teria esse comportamento isso identifica que é um robô. Então, o aumento de seguidores de um candidato ou outro não significa, necessariamente, um favoritismo eleitoral. A pessoa pode até a passar a seguir para falar mal, para denegrir o candidato. O que aconteceu no Facebook. Ele tem o algoritmo, chamado “edgerank”, e é esse algoritmo que determina o que vai ser mostrado na sua timeline. Ele determina, através de uma fórmula que mistura o tempo, a data daquele post com a interação que você normalmente tem com aquela pessoa, com o conteúdo daquele post e a interação que você tem com aquele conteúdo, se aquele post vai ou não ser mostrado na sua timeline. Então, pra você poder participar de um debate você precisa seguir aquela pessoa.
II – Quer dizer, se eu quiser falar mal de você eu preciso ser seu amigo no Facebook?
MF – Sim, é muito interessante. Você é candidato a algum cargo e eu sou um candidato opositor, então se eu quiser te denegrir, a primeira questão é que tenho que ser seu amigo no Facebook. A partir do momento que sou seu amigo, a chance de seus amigos reais verem o meu post aumenta. Então, uma estratégia na rede social seria ser amigo de determinado candidato pra falar mal dele pro público dele. Se eu não for amigo dele não vou conseguir isso, ficamos falando mal dele para nós mesmo.
II – Mas um número maior de seguidores não pode influenciar uma parte da população que tende, tradicionalmente, a votar em candidatos com mais chance de ganhar? Aquele que diz que não quer perder o voto?
MF – Sim, isso é uma leitura possível, mas esse crescimento do número de seguidores precisaria ser divulgada pela mídia tradicional, jornal, revista e TV. Ninguém vai ficar entrando nas redes sociais para comparar a quantidade de seguidores que cada candidato tem. Só que a mídia tradicional vai explorar pouco isso, a mídia tradicional vai explorar mais as pesquisas tipo Datafolha, de intenção de voto, e não o número de seguidores.
II – Porque o debate nas redes sociais é tão extremado, tão radical?
MF – Apenas 2% das pessoas que estão nas redes sociais que produzem conteúdo, e há uns 20% que interagem. Mas vamos dizer que são esses 20% que realmente criam o que a gente chama de “buzz” nas redes sociais. Esse “buzz”, esse conteúdo, tanto no caso das empresas como nas eleições, é criado nos extremos. Ou seja, eu amo ou odeio. Então, vou postar somente se for pra falar muito bem ou muito mal de um candidato. É por isso que a gente vê uma polarização muito grande do debate nas redes sociais. Porque os posts são ou extremamente do lado positivo ou extremamente do lado negativo. O meio da discussão, o conteúdo da proposta, o conhecimento do candidato sobre economia, o debate sobre quem serão os ministros, isso passa ao largo do debate porque não cria “buzz”. O que cria “buzz” são os extremos.
II – Em termos regionais, que regiões que são mais suscetíveis à ação das mídias sociais?
MF – As grandes capitais do Brasil são mais suscetíveis ao debate nas redes sociais, porque possuem mais escolaridade, além de ter mais acesso à internet e às redes sociais. Então, o debate se concentra exatamente nas grandes capitais, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, por aí vai. O interior do Brasil pouco ou nada participa dessas discussões.
II – E por gênero, tem alguma diferença na participação de homem e mulher?
MF – Hoje em dia eu diria que a participação dos homens e das mulheres nas redes sociais se dá de maneira igual. A gente não identifica uma maior participação de homens ou mulheres nessa questão desse debate nas redes sociais.
II – E por classe social, quem participa mais?
MF – A discussão existe nas classes A, B e no máximo na classe C, mas eu diria que ela se concentra muito na classe B, que é quem acaba sentindo mais na pele os efeitos positivos ou negativos das mudanças sociais e econômicas do país. E que consegue se expressar de melhor forma nas redes sociais, pelo nível de escolaridade e por ter mais acesso a essas informações.
II – A FGV tem algum trabalho ou pesquisa sobre a influência das redes sociais nas eleições?
MF – Existem estudos em andamento. Ainda nada concluído, inclusive estudos feitos em cima dessas eleições por alguns professores da escola, mas que só teremos resultados após as eleições.