Inflação cairá em duas fases | Para o CIO da XP Private, a segund...

Edição 350

Para o chief investment officer da XP Private, Artur Wichmann, o mundo vive uma perspectiva de juros elevados ainda por um período relativamente longo, e querer abreviá-lo pode significar uma acomodação no combate à inflação e uma volta da alta dos preços numa fase seguinte. Na Europa, a situação é mais grave do que nos Estados Unidos, principalmente por causa da guerra na Ucrânia e da alta dos preços da energia, em consequência do corte parcial no fornecimento de gás pela Rússia. E no Brasil, a antecipação da alta dos juros pelo Banco Central é elogiada por Wichmann. “A atuação do BC brasileiro foi muito melhor do que a atuação de alguns outros bancos centrais”, diz o executivo. Veja abaixo os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:

Investidor Institucional – Os bancos centrais de muitos países demoraram muito a subir os juros e agora estão acelerando. Porque isso aconteceu?
Artur Wichmann – O Banco Central norte-americano olhou prá inflação que vinha acelerando e disse: isso é choque de oferta e política monetária não deve reagir a choques de oferta. Isso é cartilha de banco central! Essa inflação é transitória, usando o termo que o Fed usava então. E o que aconteceu? A inflação acelerou. É transitória e continuou acelerando e chegou em setembro do ano passado sem que o que era transitório transitasse. Aí o Powell disse, chegou a hora da gente parar de chamar essa inflação de transitória e tomar o remédio amargo, chegou a hora de começar a usar a política monetária. E aí ele foi de 0,25%, depois aumentou prá meio e já deu duas de 0,75%. E o próximo vai ser, muito provavelmente, de 0,75% de novo, de tal forma que eu acho que esse processo nos EUA termina com uma taxa entre 4,5% e 5%.

Por quanto tempo?
O Banco Central norte-americano não quer repetir os erros da década de 70, quando o Arthur Burns, conhecido como o banqueiro central que foi bom com a inflação, cortou os juros rápido demais e manteve o juro real negativo durante muito tempo e no segundo choque do petróleo a inflação saiu de controle. Daí precisou vir o Paul Volcker e jogar o juro real lá na lua. Então, o Banco Central norte-americano tem isso na cabeça, não quer cometer os erros da década de 70, que é cortar os juros rápido demais. E aí você pensa, a inflação via inflexionar prá baixo? Vai!

E mesmo assim os juros não caem?
A cabeça dos banqueiros centrais, e o Roberto Campos Neto também faz alusão a isto por aqui, é que a inflação vai cair em duas fases: a primeira fase é muito fácil, que é religar a economia global e reverter os choques de oferta. Você vê os preços de commodities agrícolas tendo caído bastante, petróleo ainda continua alto mas não está nos níveis que teve no pior momento da crise, frete internacional já está caindo, com isso o CPI norte-americano está vindo de 9% para 4%, são os 5 pontos percentuais de desinflação que eu acho a parte relativamente fácil da queda da inflação. É fácil porque é choque de oferta, é reversão de choque de oferta e você tem setores de ajuste mais rápido. Mas e a segunda fase da desinflação norte-americana, que é trazer a inflação de 4% para 2%? Essa é a parte mais difícil.

Como assim?
Para fazer o ajuste de 4% prá 2% que você tem que ajustar o mercado de trabalho. Significa efetivamente que você vai ter que fazer a inflação de salários nos EUA parar de crescer 5% a 7% ao ano e voltar a crescer mais em linha com a média histórica de 2% e 4%, ou seja, precisa gerar um aumento da taxa de desemprego.

Só que isso é muito impopular. Acha que o Fed faria isso?
Todos os membros do banco central, em todas as suas declarações, estão dizendo que não vão declarar vitória antes de ver a inflação de salários inflexionando. Mas na hora que o desemprego começar a subir, ou seja, quando a economia norte-americana estiver em uma recessão, ou a beira de uma recessão, o Fed que não está muito acostumado com este tipo de problema, porque a inflação é um problema que eles não vêem há cinquenta anos, ele vai perseverar no ajuste? Éssa é a questão.

Quer dizer, então não tem nenhum pouso suave, prá inflação cair de fato nos Estados Unidos os juros devem ficar altos por bastante tempo e gerar recessão?
Outro jeito seria aumentar a taxa de participação da força de trabalho norte-americana. É o cara que está procurando emprego. Essa taxa era em torno de 63,5% antes do Covid, caiu, voltou e se estabilizou entre 62% e 62,5%, o que significa que tem mais ou menos 1,5 milhão a 2 milhões de pessoas que sumiu da força de trabalho. Alguns economistas da área de trabalho acham que a oferta de mão de obra vai voltar e então a pressão por aumentos de salários vai cair. Porque esse 1,5 milhão de pessoas saiu da força de trabalho? Porque o cara ainda está vivendo de coronavoucher, o cara tem medo de pegar Covid, não se sabe direito, mas se esse 1,5 milhão de pessoas voltar prá força de trabalho a inflação dos salários cai por si só. Essa é a possibilidade do pouso suave, mas não é o cenário mais provável.

No Brasil, o aumento dos juros lá no começo da inflação foi correto?
O Roberto Campos Neto foi um dos primeiros banqueiros centrais a levantar a possibilidade da inflação ser mais permanente do que se imaginava. Ele viu que ela tinha componentes de demanda, não era só de oferta. Ou seja, um cara do Fed só leu sobre inflação, aqui o pessoal do BC viveu a inflação! Então, ele olhou e falou isso aí é mais permanente do que vocês imaginam. Sem dúvida nenhuma, foi um dos melhores diagnósticos. A atuação do BC brasileiro foi muito melhor do que a atuação de alguns outros bancos centrais. De tal forma que agora o BC pode se dar ao luxo de parar agora e ver o que acontece, porque a inflação brasileira também tem um componente global. Veja aí os preços do petróleo, preço de alimentos etc.

E ainda tem o problema da China, reduzindo a oferta de produtos com os lockdowns, e a alta dos preços da energia por causa da guerra na Ucrânia? Caminhamos para uma recessão tão grave ou até maior do que 2008/2009?
O grande problema atual aqui é que países e regiões diferentes estão em situações muito diferentes. Você olha os EUA e ele está relativamente bem. Por que? O consumidor americano tem cerca de 1 trilhão de dólares de poupança, vindo do coronavoucher, que não foram consumidos. São dados do Fed. Então, mesmo que esse cara perca o emprego ele ainda tem renda para consumir. As empresas dos EUA estão relativamente bem e o setor bancário não tem nem de perto a alavancagem que tinha em 2008. Então, nos Estados Unidos acho que pode ter uma recessão, mas uma recessão relativamente leve. Onde o bicho vai pegar de verdade é na Europa. Por que? Porque Europa tem todos esses problemas que a economia norte-americana tem e mais uma guerra. E também um terceiro problema, de natureza estrutural, de ter que mudar sua matriz energética de forma permanente. A Europa fez uma grande aposta geopolítica errada, de colocar o gás importado da Rússia no centro da sua matriz energética e isso, obviamente se provou incorreto.

Porque vc acha que a Europa está numa situação pior que os EUA?
A inflação na Europa está acelerando, enquanto nos Estados Unidos começou a cair. E o que acontece quando você aumenta a taxa de juros prá combater a inflação em países endividados? Isso vai acontecer no mundo todo, não é só na Europa. Na crise da Covid todo mundo se endividou prá dar coronavoucher prá sua população. Política anticíclica justificável! Agora, a dívida de todo mundo subiu e agora começa a subir a taxa de juros. Essa é uma combinação que aqui que no Brasil a gente já viu, e não é uma combinação favorável. A gente vai ter que lidar com uma série de problemas de países semi insolventes, alguns emergentes. O Reino Unido, e não estou dizendo que ele está semi insolvente, mas quando ele disse que ia fazer um déficit de 7% do PIB viu o que aconteceu com o mercado de bonds e viu o que aconteceu com a Libra! O negócio explode!
A política do Fed, de aumento das taxas de juros, tem levado a uma apreciação do dólar. Como você está olhando essa questão da valorização do dólar?
Isso é um grande problema e a gente tem uma chance prá resolver esse problema na reunião do FMI do dia 10 de outubro. O que está havendo é que uma descoordenação de políticas, a Inglaterra faz política fiscal de um lado, o Japão faz uma política maluca monetária prá poder manter o juro baixo, os EUA sobe juros. Uma descoordenação total que está provocando uma combinação de juros altos e dólar forte. Países endividados em dólar podem quebrar nesse meio do caminho.

Essa descoordenação anula o trabalho de combate à inflação que alguns fizeram…
Perfeito. Então, o que vai ter que acontecer a essa altura do campeonato? Então, você vai ter que, nessa reunião do FMI, ter uma política coordenada dos bancos centrais. Vamos parar com esse negócio de depreciação competitiva da moeda porque esse negócio vai dar errado!

Em relação à guerra na Ucrânia, ela está mexendo com as cadeias produtivas globais. Isso pode abrir oportunidades para países como o Brasil se reinserirem em alguns nichos? Agronegócios e energia, por exemplo?
Essa é a fruta madura na beira da estrada. É a parte fácil, porque nesses dois a gente já tem vantagem competitiva. Mas o que vai acontecer vai além da guerra da Ucrânia. A China ainda vai continuar a ser a fábrica do mundo, 75% dos smartphones do mundo são feitos na China, mas as novas fábricas do mundo não vão ser na China. A nova fábrica da Apple vai ser no Vietnã, vai ser no Alabama, vai ser no México. E poderia ser no Brasil! O Brasil tem todos os elementos estruturais, ou seja, a gente tem democracia, tem um Estado de Direito, tem um mercado consumidor grande. Ok, nossa infraestrutura é ruim em transportes, mas o País teria as pré-condições de receber investimentos prá ser uma das fábricas do mundo também!

O que atrapalha?
Temos um dos piores ambientes de negócios do mundo, complexidade tributária, excesso de burocracia, excesso de intervenção governamental, incerteza jurídica. Então esse tipo de coisa faz a Apple por exemplo, olhar pro Brasil e dizer que adoraria botar uma fábrica aqui mas não dá. O que vai haver daqui prá frente, nessa reversão da globalização, que não é nada drástico, mas uma pequena reversão da globalização, é os países centrais colocando fábricas em países perto ou alinhados prá não ter problema de logística. Eu acho que essa vai ser a lógica da nova onda de globalização e eu acho que as novas fábricas do mundo não vão mais na margem da China, elas vão prá Vietnã, Bangladesh, México. Seria uma oportunidade de ouro para o Brasil.

A questão tributária e regulatória seriam os principais entraves?
São todas essas coisas de insegurança jurídica. Tudo bem, a gente não tem uma força de trabalho super educada, mas o Vietnã também não tem, Bangladesh também não tem. De verdade, a gente teria um espaço e eu gosto muito de uma frase que era atribuída ao ex-ministro Roberto Campos, de que o Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades.

A gente tem a possibilidade, na tua opinião, de caminhar na direção de resolver esses problemas estruturais?
Não tem nada que diga que o Brasil está destinado a crescer pouco. Não tem nada que diga que o Brasil é um país que não consegue crescer. A gente só perdeu nosso rumo, infelizmente, nos últimos quarenta e poucos anos. A gente precisa de reformas estruturais, o peso do Estado no setor privado brasileiro é excessivo. Toda vez que você diminui o peso do Estado e não estou falando de cortar imposto não, mas só simplifica!

A China, que foi o motor do crescimento mundial nas últimas décadas, retoma esse papel?
Depende do que você chama de puxar o mundo. O desenvolvimento chinês no futuro não vai ser igual ao do passado e isso o Partido Comunista Chinês já entendeu. Ele já entendeu que não dá para crescer com base em exportação líquida. O Partido Comunista entendeu que agora vão ter que crescer com base em consumo doméstico, ciclo de investimento, aquela coisa toda. Então, não vai mais ter China crescendo 9%, 10%, aquilo acabou, esquece. Mas se ela não vai mais crescer vendendo iPhone pro mundo, agora vai ser consumindo iPhone.

Alguns analistas apontam bolhas na economia chinesa, como no caso imobiliário. O que vc acha?
O governo chinês chegou à conclusão de que não dá mais para crescer criando esses desequilíbrios gigantes. Crescer à custa de excesso de dívida, crescer à custa de só exportar para o mundo. Você falou das bolhas imobiliárias, o cara soltava investimento imobiliário e boom, bolha. Aí havia um problema de excesso de dívida e aí tinha que controlar, o setor imobiliário colapsava. A economia chinesa tinha esses choques mas acho que daqui para a frente vai ser um pouco mais equilibrado. Mas o preço desse crescimento um pouco mais equilibrado é que ele vai ser mais modesto do que ele foi no passado. Crescer entre 4% e 6% ao ano.