Edição 276
Mesmo com a instabilidade político-econômica vigente no Brasil, ainda vale a pena investir no país com foco no longo prazo. Essa é a visão de Rodolfo Spielmann, diretor-geral do Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB), gestora de investimentos do fundo de pensão do Canadá. Com mais de US$ 270 bilhões sob gestão, o CPPIB possui cerca de US$ 2 bilhões investidos no Brasil e não demonstra pretensão de reduzir os investimentos no país.
Com escritório local, estabelecido em São Paulo desde o primeiro semestre de 2014, o CPPIB tem atuado em investimentos por meio de parcerias com empresas como Ancar Ivanhoe, Aliansce Shopping Centers, Cyrela Commercial Properties, Global Logistic Properties e BTG Pactual.
“Nossa estratégia de investimento visa buscar parceiros no longo prazo. Estamos satisfeitos, aumentamos nossa participação em alguns investimentos e seguiremos por talvez 10, 15 ou 20 anos sem nenhuma intenção de vender”, diz Spielmann, que está à frente do escritório no Brasil desde outubro do ano passado, completando assim um ano no comando das operações locais. O executivo é argentino e atuou por mais de 20 anos no Bain & Company – sete na Alemanha e 13 no Brasil – antes de ir para o CPPIB.
Para mitigar os possíveis riscos da atual recessão brasileira, o CPPIB aposta em aplicações em ativos ilíquidos, de longo prazo, como infraestrutura e setor imobiliário. Ainda assim, Spielmann alerta que as reformas fiscal, monetária e cambial são essenciais para que o Brasil se recupere em um horizonte de dois ou três anos, e ressalta a necessidade de um ambiente regulatório estável. Confira a seguir entrevista exclusiva concedida para a Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Quais oportunidades o Brasil oferece atualmente para investidores, considerando o cenário político-econômico atual?
Rodolfo Spielmann – Pensamos no longo prazo, então não tomamos decisões de forma oportunista, para aproveitar uma onda, e sim realmente pensando no longo prazo. Agora que a onda está mais baixa, não vamos mudar nossa estratégia de longo prazo. Continuamos acreditando que é positivo.
II – Em quais setores vocês ainda estão apostando?
RS – Temos feito bastante investimento em infraestrutura na América Latina em geral, e no Brasil mais no mercado imobiliário. Estamos interessados nas oportunidades de infraestrutura não só no Brasil, mas em toda a região. Por enquanto não temos nada definido, mas continuamos no setor imobiliário, pois achamos que há oportunidades boas.
II – Quais as vantagens para o CPPIB manter uma unidade própria no mercado brasileiro?
RS – Queremos estar muito mais inseridos no ambiente de negócios local. Para nossa estratégia de investimento, de buscar parceiros no longo prazo, é importante ter um alinhamento mútuo de interesses. Estamos satisfeitos com os investimentos, aumentamos nossa participação neles e seguiremos por talvez 10, 15 ou 20 anos sem nenhuma intenção de vender. Mas essa escolha de parceiros para os investimentos leva tempo, o desenvolvimento dessas parcerias demora anos. Por isso temos que ter uma equipe local.
II – Como tem sido a atuação do CPPIB no Brasil? O que mudou após a abertura do escritório local?
RS – O cenário macroeconômico piorou, mas agora vemos que estão sendo endereçadas as causas-raiz. Isso exige uma virada necessária. Houve uma deterioração do cenário econômico, mas pelos motivos certos, que levarão a um ajuste responsável da política econômica, fiscal e monetária.
II – Como vocês decidem a estratégia de investimento a cada ano?
RS – Somos os gestores de ativos do plano de pensões do Canadá, que é superavitário, ou seja, ainda capta mais dinheiro do que paga. Mas estamos separados do fundo. Recebemos, a cada ano, esse excedente para poder investir. Ano passado recebemos US$ 3,7 bilhões para investir e só daqui a 10 anos que o fundo começará a pedir o dinheiro de volta. Isso nos leva a buscar ativos que possam ter um prazo maior. Também podemos investir em ações, dívidas de países, moedas, etc., mas temos essa flexibilidade do longo prazo por não ter o risco de o cotista exigir o dinheiro de volta imediatamente.
II – Após o rebaixamento do rating do país, vocês identificaram maior dificuldade para aplicação de investimentos?
RS – Não há no estatuto do nosso fundo uma limitação de investimentos em países com ou sem grau de investimentos. Nossa estratégia não muda com o rebaixamento. O que muda é o prêmio de risco e a taxa de desconto. Mas não vamos tirar recursos ou deixar de investir por isso. Temos uma estratégia de pensar que o Brasil é um país de instituições fortes, que vai continuar um caminho totalmente democrático, respeitando a constituição. Há uma recessão, que merece uma correção importante. Mas as perspectivas no longo prazo, institucionalmente, são muito sólidas.
II – Essa questão do risco e taxas de desconto faz com que vocês olhem para outros tipos de investimentos? Como vocês lidam com esse possível risco?
RS – O risco país abrange qualquer investimento, não importa o setor. Mas há outro tipo de risco, que é o risco econômico. Com isso, o varejo vai sofrer, bens e consumo vão sofrer, indústrias ligadas ao mercado doméstico vão sofrer. É um risco específico e devemos fazer uma avaliação constantemente.
II – Quais as consequências, para os mercados emergentes, da alta das taxas de juros nos Estados Unidos, que deve ocorrer em breve?
RS – O que se espera é mais volatilidade e uma migração. Já se fala nisso há mais de um ano. Esse aumento dos juros está sendo muito antecipado e vai trazer uma migração de capitais para o dólar, fazendo com que nossos investimentos na América Latina sejam mais atrativos enquanto houver um ambiente regulatório estável e confiável, com retornos interessantes, marcos regulatórios estáveis e políticas macroeconômicas confiáveis. Mas tudo tem que ter um desenvolvimento positivo ou melhorar para que a na América Latina continue sendo atrativa para investimentos.
II – Isso traz certa pressão para que o governo brasileiro aplique os ajustes e tenha os efeitos deles com mais urgência?
RS – Acredito que isso já está sendo feito. Se me perguntassem há dois anos se eu estava otimista, no médio e longo prazo, com o Brasil, eu diria que não. No curto prazo, parecia tudo bem, mesmo em 2013, mas estamos acelerando e indo contra a parede. Agora que identificamos a parede, estamos tentando desmontá-la para passar. Todo ajuste fiscal, a política monetária mais restritiva, o câmbio flutuante, a elevação dos preços da gasolina e da energia, traz o que parece ser um impacto negativo, mas é uma correção necessária dos erros do passado. Temos que endereçar os erros das políticas passadas, que talvez tenham sido políticas boas, mas foram perpetuadas.
II – O que o Brasil precisa fazer para recuperar a confiança dos investidores?
RS – Há dois tipos de mudanças necessárias. A primeira são os ajustes mínimos. Não se trata de evitar o downgrade. A recuperação da nota soberana será consequência de uma política fiscal responsável, com superávit primário, de uma política monetária anti-inflacionária, mas que não custe o crescimento do país, e de uma política cambial com câmbio flutuante, evitando grandes disparadas de curto prazo, além de um ambiente regulatório estável. Para um investidor de longo prazo, o pior é a mudança do ambiente regulatório influenciada pela política. Isso aumenta muito o prêmio de risco dos ativos de longo prazo. Mas só essas reformas não são o suficiente. O que falta mesmo são as reformas estruturais, que são os grandes desafios. São as grandes reformas previdenciária, tributária, trabalhista e política, eventualmente.
II – Você acredita que essas reformas serão feitas e que os efeitos dela aparecerão nos próximos anos?
RS – A primeira parte acho será feita, por necessidade. Há um consenso geral que esse ajuste mínimo é necessário. Pode demorar, mas vai acontecer. Mas o país chegar ao pleno potencial com um crescimento de 4%, 5%, 6% ao ano, de forma sustentável por muitos anos, é preciso fazer essas outras reformas. Ainda assim, não acreditamos que só nesse cenário de potencial pleno que podemos investir.
II – E outros investidores estrangeiros, como têm se comportado perante esses riscos que o Brasil apresenta?
RS – Há diferentes tipos de investidores. Os financeiros continuam interessados em aplicar no país. Mas haverá uma migração dos investidores financeiros que têm restrições de investir em países subprime, como endowments e alguns fundos de pensão com restrições maiores. Esperamos uma migração de dívida soberana, ações, etc. Mas o interesse, pela visão de médio e longo prazo, permanece. Esse comportamento é diferente do investidor estratégico, que vai sair e quem sabe no futuro, de forma oportunista, entre de novo.
II – Como tem sido a parceria com empresas brasileiras como a Ancar Ivanhoe, Aliansce Shopping Centers, Cyrela Commercial Properties, Global Logistic Properties e BTG Pactual?
RS – Parte da nossa estratégia de investimento é buscar, ao longo dos anos, os parceiros certos, alinhados com nossa visão de longo prazo. Nesse sentido, alguns dos parceiros que identificamos foram esses e queremos expandir os investimentos com eles. Não comentamos retornos de ativos especificamente, mas estamos satisfeitos com essas parcerias. Vamos continuar no barco por um tempo maior. Temos novos investimentos com esses parceiros.
II – Como vocês começaram a atuar na América Latina?
RS – Nossa presença na América Latina começou com um investimento no Chile em 2006, em infraestrutura. Investimos em uma rede de transmissão elétrica. Desde então, o fundo acompanhou a evolução da região. Entre 2011 e 2012, começamos uma estratégia de entrada mais sistemática, com uma equipe em Toronto que visitava países analisando os ativos atrativos. Em 2014, abrimos o escritório em São Paulo. Foi uma estratégia de América Latina, com foco na região, como resultado de uma evolução do nosso trabalho. Ao longo do processo foram feitos vários investimentos no Chile, Peru e Brasil, e outros menores no México.
II – Qual é a situação atual dos investimentos no Chile?
RS – O Chile talvez é o país no qual temos maior exposição depois do Brasil. Ao todo são US$ 2,1 bilhões aplicados, comparados com os US$ 2,26 bilhões que temos no Brasil. O Chile foi nosso primeiro investimento regional e temos experiências muito positivas no país.
II – Quais os países da América Latina estão mais interessantes para investir atualmente?
RS – Estamos vendo investimentos grandes em rodovias da Colômbia. O país, apesar de estar sofrendo com a crise do petróleo, está bem gerenciado com políticas fiscais e monetárias arrumadas e responsáveis. No México estamos olhando para a reforma enérgica. O mercado está se abrindo para capitais privados. Há uma disponibilidade política grande para privatizar e buscar capital até para fazer exploração. Já no Peru temos nosso investimento, um gasoduto, com o qual estamos satisfeitos. É um país que está funcionando bem, e estamos abertos a novos investimentos, mas já temos uma aplicação grande. O Peru não é um país que chega a ter tanta escala.
II – Vocês pretendem aumentar abrir outro escritório na América Latina?
RS – Não, pelo menos em um horizonte de dois ou três anos.
II – Quanto que os mercados emergentes representam nos investimentos de vocês?
RS – Por mercados emergentes consideramos basicamente América Latina, China e Índia. Todos esses representam juntos 8% do nosso portfólio.