Governo deveria cortar excessos da MP 2.222 | Para o professor da...

Edição 105

Roberto Quiroga Mosquera, professor da FGV e da PUC/SP

A Medida Provisória nº 2.222, que estabelece a tributação sobre os fundos de pensão e sobre as empresas de previdência aberta, é bastante significativa na visão de curto prazo do governo, cuja ênfase está na questão arrecadatória e não na formação de poupança de longo prazo para o País, opina o professor da FGV e da PUC/SP, Roberto Quiroga Mosquera, em entrevista à Investidor Institucional. Segundo ele, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, está apenas cumprindo o que prometeu ao assumir a pasta: revisar todos os incentivos fiscais e conseguir fontes que garantam a arrecadação. “Caberia às esferas governamentais superiores corrigir eventuais exageros das pastas”, diz o professor.
De acordo com Mosquera, mais que institucional a MP mostra a falta de compromisso do Governo com o sistema de poupança previdenciária. Na sua opinião, quem optar pelo regime especial de tributação, em vigor a partir do ano que vem, abre mão do direito de brigar pela imunidade e pode estar comprando sérios problemas para o futuro. Veja, a seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Investidor InstitucionalQual a sua releitura da MP 2.222, que taxa em 20% a rentabilidade dos fundos de pensão?
Roberto Quiroga Mosquera – Esta Medida Provisória partiu de uma iniciativa do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, o que deixa evidente que o objetivo único foi de atingir fins arrecadatórios. A primeira leitura é que se trata de uma MP para atender aos interesses do Tesouro Nacional e não uma Medida Provisória que venha a beneficiar a economia como um todo e a poupança complementar em particular. Outro aspecto evidenciado por esta MP é a pouca força que tem a área previdenciária do governo, uma vez que é notório e conhecido por todos que o próprio Presidente da República defendia uma tributação diferida para quando os beneficiários desses recursos resgatassem os seus pecúlios, e que agora fica descartada com a MP. E o terceiro item importante dessa leitura da MP é que, em um de seus artigos, se estipula a possibilidade de que os fundos de pensão desistam dos seus processos judiciais que buscam a imunidade das fundações e passem a pagar o seu imposto num regime especial. Isso não é obrigatório. É uma faculdade e esse ponto demonstra que a Receita Federal está justamente querendo dar um atrativo e incentivar as fundações a desistirem de seus processos, antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal defender uma posição. Então, a meu ver, há três tipos de leituras da Medida Provisória 2.222: primeiro, fins estritamente arrecadatórios, portanto mostrando a força da Receita Federal no exercício de seu papel; segundo, um desprestígio à formação de poupança no País, o que demonstra uma fraqueza dos outros órgãos previdenciários do governo; e, terceiro, uma clara intenção de estimular, de fazer com que as entidades realmente desistam dos seus processos, e o Estado garanta um fluxo permanente e ainda maior de capitais.

II O sr. acredita que, se os fundos desistirem dos processos, a Receita poderá amenizar ainda mais essa cobrança ou até mesmo voltar atrás nessa Medida Provisória?
RQM – Acho que não. A idéia é a seguinte, desiste, mas começa a pagar um pouco. O que foi estipulado no Art. 2º é o regime especial para os fundos, ou seja, eles pagariam talvez menos do que pagavam no passado, porém, desistem de questionar o passado.

IIQue argumentos tem o secretário Everardo Maciel para implementar uma medida criticada até mesmo pelo Presidente, pelos ministros da Fazenda e da previdência? Como ele chegou à alíquota de 12% prevista no regime especial?
RQM – A primeira justificativa, como já falei, é estritamente arrecadatória. Além disso, o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, ao estipular nos artigos segundo e terceiro o chamado regime especial de tributação, fez a seguinte conta: qual é o tamanho da renúncia fiscal que o Estado faz das previdências hoje? E chegou ao seguinte cálculo: todas as contribuições a um fundo de pensão são dedutíveis do IR até o limite de 20%. Então, quando, por exemplo, a Petrobrás coloca o dinheiro no seu fundo de pensão, a Petros, essa despesa é dedutível, logo, o fisco deixa de receber 34% desse valor. Pelo raciocínio de Everardo, esses 34%, que é o IR mais contribuição social, significam uma renúncia do governo, uma espécie de renúncia fiscal. Por outro lado, ele pensou: ‘tudo bem, nesse aspecto eu estou perdendo, porém, quando o beneficiário da Petros, o empregado, for receber seu pecúlio lá na aposentadoria e retirar o dinheiro da Petros, ele vai arcar com uma alíquota de 27,5%’. Então, o que se deduz é que o Everardo pegou a diferença entre o que o Fisco renuncia hoje e aquilo que ele recebe lá na frente, que é o IR quando o beneficiário resgata sua cota, e chegou à alíquota de 12%, justamente esses 12% previstos no regime especial de tributação em vigor a partir do ano que vem. Everardo pensou em arrecadação e pensou em receber já aquilo que ele está perdendo agora, pela renúncia fiscal.

IIPor esse raciocínio, o governo descarta qualquer incentivo ao sistema previdenciário brasileiro.
RQM – Exatamente. A poupança que se vire. Essa MP, além de fins arrecadatórios, mostra que o Fisco não quer perder nada; aquilo que ele dá com uma mão ele tira com a outra.

IIO sr. acha que pode haver um reflexo na queda de contribuições para a previdência complementar, ou seja, em uma área ainda incipiente no País, a tendência pode ser um retrocesso ainda maior?
RQM – Sem dúvida. Nos anos de 2000 e 2001 a previdência complementar, pela primeira vez desde sua implantação, começou a dar uma puxada, graças a planos como os Fapi’s e PGBLs. A grande massa de assalariados começou a conhecer um pouquinho o que era sistema de previdência privada. E, justamente no momento em que se registra um certo crescimento, vem uma medida totalmente desestimuladora para o sistema, que vai contra a poupança nacional e anulará, sem dúvida, qualquer possibilidade de crescimento.

IIO mercado entendeu que se trata de uma medida imediatista, objetivando puramente aumento da arrecadação, como o sr. já explicou. O senhor acha que a MP é um mal necessário?
RQM – Eu não acho que seja um mal necessário. É uma medida imediatista, sem dúvida, que está visando o curto prazo, sem nenhuma preocupação com o futuro. Mas não acho errada a posição da Receita. Ela está, na verdade, cumprindo, e bem, a sua função de órgão arrecadador. Dentro do governo, os órgãos vêem muito particularmente a sua função, e esta é a função da pasta de Everardo Maciel. O grande erro é da Presidência da República. Não existe um “compromisso” deste governo com a poupança; seu compromisso, pelo jeito, é só arrecadatório! O Everardo Maciel pode ter até exagerado, mas o erro não é tanto dele, mas da política imposta pelo governo.

IIO sr. acredita que, além de não assumir o compromisso com a previdência, o governo está deixando de lado, por exemplo, um empenho maior no combate à sonegação?
RQM – Justamente. O governo poderia adotar políticas com fins arrecadatórios por outros meios. Poderia avançar em outras frentes para melhorar sua receita, e uma das alternativas seria combater a sonegação, e não esta que ele está indo agora.

IIE sua política vem tendo sucesso. Afinal, o Brasil vem batendo recordes sucessivos de arrecadação, mas vai chegar o momento em que não terá mais de onde tirar!
RQM – Em agosto, batemos o recorde de arrecadação: R$ 17 bilhões.

IIO sr. acredita que o Everardo Maciel pode estar inaugurando um novo período na Receita Federal ao acenar com um possível fim das isenções a grupos organizados?
RQM – Quando iniciou sua gestão, Everardo Maciel deixou claro que iria revisar todos os incentivos fiscais e, pelo jeito, está cumprindo o que prometeu, doa a quem doer. Na sua pasta, ele cumpre um papel muito importante e fundamental e hoje a Receita tem um sofisticado sistema de informática, acompanhamento de arrecadação etc. O que está faltando, a meu ver, é o freio político e isso não é competência dele, é do governo e passa pela adoção de uma política fiscal séria.

IIMesmo certo, o sr. não acha que houve exagero na taxação aos fundos de pensão?
RQM – Embora Everardo Maciel esteja fazendo o que prometeu, cabe às esferas governamentais superiores frear os excessos, elas precisam discernir as áreas onde cabem benefícios ou não, determinar que setores merecem ficar livres de tributação e receber estímulos para que evoluam. Então, não culpo tanto o secretário da Receita, porque é sua função. Culpo, sim, o governo, que não tem esse compromisso político com a previdência, muito menos com os fundos de pensão. Tanto é verdade que, quando o governo vetou a Lei Complementar 109, justamente nesse item ele disse – e se comprometeu por escrito – que haveria o diferimento da tributação dos fundos e agora esse diferimento não existe.

IIEm sua opinião a MP é passível de questionamento jurídico? Há quem diga que ela fere a Constituição.
RQM – Veja, os fundos de pensão já discutem a imunidade faz tempo. Como a Medida Provisória prevê tributação, já começaria pecando por aí. Mas eu entendo que, como esse sistema especial de tributação é uma opção, ou seja, a fundação adota se quiser, quem adotar esse procedimento terá dificuldades para contestar a MP no âmbito legal. Então, é claro que ela é inconstitucional no geral, se eu pensar que as fundações são imunes, porém quem optar por ela estará sinalizando que não vai contestá-la, que optou por pagar num sistema especial, e essa é uma decisão que pode lhe ser prejudicial mais à frente.

IIQuer dizer, quem optar pelo sistema especial pode estar dando um tiro no próprio pé, não tem saída.
RQM – Pode ser uma opção ruim. É preciso analisar com muita calma e ver se vale a pena desistir do passado.

II Quais seriam as medidas legais mais aconselháveis para quem não quer fazer essa opção e brigar pela manutenção da imunidade?
RQM – As medidas seriam continuar nos processos antigos, não havendo necessidade de ingressar com uma nova ação, e não usar a faculdade da MP. Outra hipótese é adotar o regime especial, o regime diferenciado do artigo segundo, sem precisar desistir dos processos. Nesse caso, não existe vinculação, ou seja, a MP permite pagar nesse novo sistema até 2002 e continuar com os processos antigos. Então, de duas uma: ou desiste do processo do passado e acata tudo o que manda a MP, ou não desiste do passado e continua adotando o novo; não existe essa obrigatoriedade dos dois.

II Qual é a sua sugestão?
RQM – É muito arriscado dizer, porque cada entidade tem um processo específico. Eu só acho que, em princípio, as fundações não deveriam desistir de seus direitos. Se entendem que têm direitos, devem continuar lutando por eles.

IIQue outras implicações teria essa anistia prevista no artigo 5o desta MP para as fundações?
RQM – Sob o ponto de vista constitucional esse artigo é duvidoso, porque está dando uma anistia particular a uma determinada classe, e isso o código tributário brasileiro não permite. É preciso tomar cuidado, porque se as fundações optarem por ela, outros setores poderão querer o mesmo, e isso vai gerar problemas futuros para as fundações.