Edição 239
Os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) tem chamado a atenção pelo crescimento vigoroso do seu patrimônio, que atinge R$ 160 bilhões atualmente, incluindo direitos de royalties, imóveis e dívidas do ente federativo. Desse total, R$ 59 bilhões são de investimentos financeiros, explica o presidente da Associação Brasileira dos Institutos de Previdência de Estados e Municípios (Abipem), Valnei Rodrigues. Gaúcho, presidente do RPPS de Novo Hamburgo, Rodrigues está na direção da Abipem há dois anos e se prepara para passar o bastão em setembro próximo, já que a entidade não admite reeleição. Em entrevista à Investidor Institucional ele fala sobre os desafios do setor, inclusive o desafio de crescer a taxas menos exuberantes do que as vivenciadas nos últimos anos.
Investidor Institucional – O governo federal está criando o fundo dos servidores públicos e vários estados também estão criando seus fundos de pensão. Isso traz algum tipo de conflito em relação aos RPPS?
Valnei Rodrigues – Conflito eu não consigo ver. Na verdade, isso é uma forma dos governos de resolver o problema de caixa com o pagamento dos benefícios dos servidores públicos, pois estabelece um teto para os servidores. Será uma decisão de cada servidor, aceitar ou não a Complementar. O que conseguimos ver é que boa parte dos servidores que tem o seu salário oscilando entre o teto e um pouco acima do teto, esses não vão assinar a complementar.
II – Estados e municípios que já contam com RPPS vão aderir?
VR – Na minha opinião, a grande maioria dos municípios não vai, porque não tem motivo para isso. A massa de servidores que possuem é muito pequena e se esses municípios menores quiserem que o servidor migre para a complementar vão ter que instituir uma. Isso não é simples.
II – O RPPS pode ficar restrito aos municípios menores?
VR – Como regime básico, acho que sim. A complementar vai ocorrer nos estados e municípios maiores, geralmente capitais. Os RPPS dos estados já estão estáveis e, em pouco tempo, começará um certo encolhimento, que se intensificará a médio e no longo prazo por causa da divisão dos recursos. Diferente do crescimento contínuo que pensávamos algum tempo atrás, hoje achamos que daqui a três ou quatro anos o ritmo de crescimento dos RPPS vai começar a diminuir.
II – Quanto é o patrimônio atual?
VR – Os RPPS têm R$ 59 bilhões aplicados em mercado financeiro, de um patrimônio total que beira os 160 bilhões. considerando prédios, royalties, dívidas do ente e parcelamentos não realizados. No final de 2004 nosso patrimônio total, incluindo tudo, era de R$ 19 bilhões. Crescemos muito rápido, a expectativa é manter esse crescimento por, pelo menos, três ou quatro anos, mas com a instalação da Complementar ele começa a diminuir.
II – Esse volume de recursos está em fundos capitalizados? Quantos RPPS já adotam o modelo de segregação de massa?
VR – Não é grande. O Ministério vinha, de certa forma, incentivando essa segregação como forma de resolver os problemas financeiros. Mas o que dificulta é a questão política, o endividamento que já é um problema para alguns municípios se torna astronômico com a segregação.
II – Por quê?
VR – Porque você tem que continuar pagando aqueles benefícios passados e aumentar a participação dos entes na construção do bônus futuro. Acaba pagando quase que dobrado, em alguns casos até dobra. Então, achamos que tem que haver uma certa flexibilização por parte do Ministério nesse debate.
II – Que tipo de flexibilidade?
VR – Talvez, num primeiro momento, fazer um escalonamento das alíquotas. A segregação é para resolver o problema de médio e longo prazo, mas aumenta o problema no curto prazo. Então vamos tentar parcelar isso, alongar a dívida e talvez no médio prazo se consiga sanar a situação e retomar novas alíquotas.
II – Qual é a alíquota hoje?
VR – A mínima é 11% para o servidor e vai de 11 a 22% para o ente. Tem municípios que o ente paga 22% e não é o suficiente, pois possuem um regime mais antigo, com períodos sem contribuição patronal antes do CRP, que precisa ser sanado. Então, tem que buscar uma solução que resolva o problema do endividamento da administração pública, mas que consiga também resolver o problema da previdência. Não podemos simplesmente tentar resolver ou um ou outro, resolver o problema da administração pública sem pagar a previdência ou resolver o problema da previdência quebrando a administração.
II – Como fazer isso?
VR – Tem uma ideia que surgiu do instituto do Estado do Rio Grande do Sul, sugerindo que o governo federal comprasse as dívidas da previdência de estados e municípios, pelo menos em parte, emitindo títulos públicos de longo prazo. Repassaria os recursos aos estados, que os pagariam em 35 anos à União, num parcelamento de longo prazo. E os próprios RPPS poderiam comprar esses títulos com os recursos que já tem hoje.
II – Isso foi encaminhado para o Ministério?
VR – Foi apresentado no Conaprev, mas eu não senti muito eco. Nós estamos procurando debater um pouco melhor essa idéia no âmbito da Abipem. Ela está bem fundamentada, com cálculo atuarial, mas nós queremos debater um pouco mais para reapresentar como proposta da entidade.
II – Qual seria o tamanho dessa emissão?
VR – Nós calculamos que, de imediato, algo como R$ 300 bilhões em títulos, que nós iríamos capitalizar pelos próximos 15 anos. Fizemos alguns cálculos, se o governo federal colocasse seus títulos à disposição hoje e vendesse dando seis anos para os estados começarem a pagar, em seis anos nós conseguiríamos, só com os rendimentos desse recurso, começar a pagar o governo federal e ainda sobraria caixa.
II – E esse dinheiro seria direcionado só para o fundo capitalizado?
VR – Sim, teria que ter esse acordo nesse sentido para o governo aprovar o projeto de lei.
II – Há uma clamor pela redução da meta atuarial. O que você acha?
VR – Os RPPS não tem, na verdade, uma meta atuarial fixa. Depende de cada município e de cada estado colocar qual é a sua meta. Claro que o Ministério tem feito uso dos 6% mais juros como parâmetro, mas isso era para um outro período, de juros bem mais altos, com os títulos públicos pagando bem. Hoje nós estamos assistindo municípios baixando sua meta até para 4%, porque fixar em 6% e não cumprir obriga os municípios a fazer aportes e coloca os prefeitos em dificuldades. Então, eles estão baixando para 4%, 4,5% e, quando vier o cálculo atuarial, vão fazer os estudos e, talvez, até definir uma alíquota maior.
II – É fácil assim reduzir a meta nos RPPS?
VR – Os RPPS não são tão engessados quanto os fundos de pensão, nesse aspecto. Claro que tem que ter um bom cálculo atuarial, uma boa avaliação econômica futura, mas acho que precisaria colocar alguns dispositivos de mobilidade da meta na legislação. Por exemplo, o IPCA do ano está chegando nos 5,6%, 5,8%, então a meta atuarial nunca poderia ser inferior a isso. Mas o quanto você quer colocar em cima, isso não deveria ser fixo. Digamos que você olha 2014 e vê que consegue pagar as aposentadorias e pensões com o IPCA mais 2% e ainda quer acumular reservas de mais 3%, então sua meta vai ser IPCA mais 5%.
II – Isso passa também por uma mudança legislativa?
VR – Sim, as leis estaduais ou municipais têm que se adequar a essa realidade. Nós temos incentivado justamente isso, não ter um número fixo, mas que o número seja determinado quando se faz a política de investimentos do ano seguinte.
II – Então a cada ano se define uma meta?
VR – Claro. Aí você tem condições de fazer uma boa avaliação, sem aquela coisa de dizer “olha, era 6%, mas tinha a possibilidade de buscar 10%, 11%, mas se está acima de 6% então está bom”. Acho que isso tem amadurecido muito no setor. Essa perspectiva de uma alíquota flexível vai possibilitar melhoria e a qualidade do debate.
II – E o Ministério tem sido simpático à esse posicionamento?
VR – Ele não tem interferido nesse processo. As manifestações, quando tem ocorrido, tem sido no sentido de “olha, vocês tem que ver o que é melhor para vocês”. O próprio Otoni (Otoni Guimarães, diretor da Secretaria de Previdência Social) tem alertado que se a entidade mantém a estimativa muito alta e não cumpre pode receber depois uma cobrança forte por parte dos Tribunais de Conta. Não atingiu a meta atuarial por quê? Então, é preferível fazer um debate no Legislativo, fazer um bom debate com todos os atores envolvidos.
II – Como está o processo de diversificação das carteiras dos RPPS?
VR – Na realidade, ainda nos falta um pouco de cultura de investimentos e um pouco de produtos por parte das instituições financeiras que atendem os RPPS. Por exemplo, a AGIP (Associação Gaúcha de Institutos de Previdência) está há seis meses propondo a criação de um FIP para a Caixa Econômica Federal no sentido de privilegiar um pouco mais o desenvolvimento regional, em obras, em infraestrutura. Criamos um com esse mesmo foco, que já está em andamento, com o BB.
II – Qual o foco desses FIPs?
VR – É infraestrutura na região Sul. Nós estamos sugerindo, por exemplo, investimentos na rede hoteleira.
II – Qual o tamanho deles e quem distribui?
VR – O do BB tem uma perspectiva de chegar próximo aos 200 milhões, o da Caixa estamos pensando na casa dos 280 milhões. O primeiro é distribuído pela Solidus, uma empresa do Rio Grande do Sul, e estamos em discussão com o Banrisul para distribuição do FIP da Caixa.
II – Os RPPS do Sul tem apetite para esse tipo de fundo?
VR – Tem sim. Hoje, na média, nós passamos de 80% investidos em IMA e boa parte desses papéis são de curtíssimo prazo, com vencimento em 2013. Então, com a proximidade do vencimento, há uma tendência de baixar o prêmio nos próximos meses e a tentativa de fazer uma boa migração para garantir a rentabilidade vai se acelerar.
II – Como você avalia o produto FIDC, depois do problema com o Cruzeiro do Sul.
VR – Eu via tantos os FIPs como os FIDCs como um grande produto para 2012 até 2015, como a tábua da salvação dos RPPS para conseguir a meta atuarial. Continuo afirmando isso, a questão do Cruzeiro do Sul é pontual.
II – A concentração nos FIDCs do Cruzeiro do Sul era normal?
VR – O pessoal que está vendendo o FIDC do Cruzeiro do Sul está há muito tempo ligado aos RPPS, temos um ex-presidente da Abipem (João Carlos Figueiredo), com uma vida muito ativa no meio, e o próprio Fernando Daier, que há muitos anos participa do RPPS. Esse relacionamento acaba, de certa forma, levando a um certo direcionamento dos investimentos. Acho que o episódio do Cruzeiro do Sul, como antes o do Banco Santos, ajuda as pessoas a ficarem mais atentas, a observar um pouquinho mais, a tentar enxergar um pouquinho além do que os nossos olhos veem. No mercado financeiro isso é imprescindível. Muito mais do que uma relação de confiança pessoal é preciso observar, ter uma visão panorâmica de todo o processo.
II – O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul é o único que ainda considera como bancos oficiais apenas a Caixa e BB. O episódio do Cruzeiro do Sul dá razão a eles?
VR – O parecer do Tribunal de Contas é equivocado, porque entende o recurso previdenciário como se fosse disponibilidade de caixa, o que não é. Aí, ele utiliza o Artigo 164 da Constituição Federal que diz que os entes públicos devem ter suas disponibilidades de caixa aplicado em bancos oficiais e limita as aplicações ao BB e Caixa. Mas basta comparar a rentabilidade de institutos que aplicam só nesses dois gestores com outros que diversificam para ver que a diversificação melhora a rentabilidade. Casos como o do Cruzeiro do Sul não podem justificar essa visão equivocada.
II – Quais as perspectivas de isso mudar?
VR – Na verdade, eu diria que tivemos um retrocesso violento com o último presidente que assumiu o Tribunal de Contas gaúcho. Ele era o chefe da fiscalização e pontuava muito sobre essa questão dos bancos oficiais, que levou a todos os cantos ao assumir a presidência. Tanto a Agip quanto a Abipem estão trabalhando no sentido de quebrar um pouco essa visão.
II – Você tem falado bastante, nos últimos tempos, sobre o impacto da saúde sobre os RPPS. Poderia explicar isso melhor?
VR – Os números relativos ao auxílio-doença têm crescido muito nos últimos 10 anos e eu diria que, nos últimos três anos, esse crescimento foi exponencial. A falta de políticas de saúde para os servidores aumentam as internações e levam mais servidores a recorrer ao auxílio-doença custeado pelos RPPS. Enquanto a gente tem se preocupado, e é importante se preocupar, com uma rentabilidade de 0,001% nos nossos rendimentos, podemos estar gastando 10%, 12% no pagamento de benefícios de auxílio-doença.
II – Muitos criticam o fato de existirem duas entidades representativas dos RPPS, a Abipem e a Aneprem, frequentemente brigando. Porque elas não se unem?
VR – Eu trabalhei nesse sentido nos últimos anos, desde quando a Sandra (Maria Garcia) era presidente da Aneprem, e ela, em vários momentos, se manifestou publicamente a favor. Depois, ela saiu da entidade e assumiu o Luciano (Rogério Fernandes), de Goiás, que antes de ser presidente se dizia totalmente favorável, mas depois mudou. Mais recentemente assumiu o Heliomar (Santos), de Nilópolis. Eu cheguei a ele, numa reunião, e abrir mão do meu cargo de presidente da Abipem para unificarmos as entidades, que passariam a ser dirigidas por um colegiado presidido por ele até a realização de eleições. Ele tomou aquilo como desrespeito. Nunca entendi porque.