Edição 266
Uma indústria que soma mais de US$ 3,5 trilhões em ativos sob gestão no mundo todo, de acordo com dados do relatório da Preqin Global 2014, o private equity ainda caminha a passos lentos no Brasil. Enquanto os fundos de pensão são responsáveis por US$ 1,8 trilhão desses recursos mundo afora, as fundações brasileiras aplicam apenas 2,8% do patrimônio nesse segmento, volume que não passa de R$ 18,5 bilhões, segundo estatísticas da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Mesmo pequeno em volume, no Brasil, este é o nicho de maior expressão dentro dos estruturados. Quando o assunto é investimento no exterior, as fundações brasileiras ficam bem mais atrás: somente 0,1% do patrimônio é destinado a ativos off shore. A maior parte desses recursos fica alocada em ações. “Os fundos de pensão brasileiros investem muito pouco em private equity. E menos ainda no exterior. Dessa forma, não é uma tarefa simples convencer o mercado a aplicar em private equity lá fora, ainda mais com taxas de juros tão elevadas no cenário doméstico”, afirma Maureen Downey, sócia-diretora da Pantheon Investments.
Em setembro deste ano, a parceria entre a gestora global de private equity e a SulAmérica Investimentos completou um ano. A ideia das assets é lançar um fundo de private equity no exterior para fundações brasileiras. Mas o veículo, que terá oferta restrita, ainda está no forno. “Desde o começo sabíamos que seria necessário realizar um processo de educação com os potenciais investidores. Precisamos explicar para eles o que é o produto e como opera a Pantheon no mundo. Ainda estamos nessa fase de introdução e prospecção, sem data prevista para lançamento”, explica.
A Pantheon preferiu começar operações no Brasil por meio de uma parceria, modelo que pretende manter por enquanto. “Não temos intenção de abrir escritório no Brasil. Várias concorrentes nossas que fizeram isso sofrem com forte rotatividade de profissionais. Não queremos isso para nós”, diz a executiva.
Antes de ingressar na Pantheon – gestora que possui mais de US$ 20 bilhões em ativos sob gestão, e 85% dos clientes são fundos de pensão -, Maureen passou pela vice-presidência de investimentos do Goldman Sachs. Trabalhou também para o Merrill Lynch em Nova York, na mesa de operações de renda fixa. Atualmente, fica no escritório da Pantheon em São Francisco. Em entrevista à revista Investidor Institucional, Maureen fala sobre o mercado de private equity no mundo e seus entraves no Brasil.
Investidor Institucional – Quais as vantagens para um fundo de pensão em investir em private equity no exterior?
Maureen Downey – Diversificar a carteira com private equity é muito mais interessante para as fundações, pois ela permite acessar empresas em diferentes etapas de maturação e em localidades distintas, reduzindo o risco. Fundo de pensão não pode, pode exemplo, investir em venture capital ou fundo mezanino, mas pode ter essas estratégias dentro de um fundo private equity. O private equity internacional também tem a vantagem de ser um hedge natural de câmbio. Se a economia do país vai mal, por meio da diversificação no exterior reduz-se os impactos negativos na carteira.
II – As fundações brasileiras preferem ações quando apostam off shore. Quais as vantagens do private equity lá fora em comparação com a bolsa internacional?
MD – Investir lá fora ainda não é uma prática comum nas fundações brasileiras e, somado a isso, o private equity é de fato um produto bem mais complexo que a bolsa. O mercado acionário tem mais liquidez, o que justifica a preferência dos investidores. Porém, é possível sim vender ativos de private equity no mercado secundário internacional, que tem um fluxo de negócios de US$ 20 bilhões por ano, mas, no Brasil, o mercado secundário é muito pequeno. Em compensação, a rentabilidade do private equity é muito superior a de fundos de ações.
II – É mais difícil convencer os fundos de pensão quando as taxas dos títulos públicos estão em alta, não acha?
MD – O produto faz muito sentido na carteira, mas juros acima de 11% favorecem demais a renda fixa. Assim fica realmente mais difícil convencer o comitê de investimento e os conselhos a diversificar. Os investidores no Brasil ainda precisam entender que esta é uma estratégia de longo prazo para se sentirem confortáveis para aplicar lá fora.
II – Como alcançar melhores retornos com os private equities?
MD – Se a fundação ingressar no produto logo no primeiro quartil do investimento, o retorno é bem maior do que em renda variável. Claro, que as taxas também são mais caras e há bem mais restrição de liquidez. Entretanto, é importante ingressar no fundo no começo.
A diferença entre os retornos de renda variável e de private equity é enorme. Nos Estados Unidos, onde há um mercado bastante maduro em private equity, somente os planos de benefício definido investem em ativos alternativos e a rentabilidade deles têm superado a dos planos de contribuição definida. Nos últimos dez anos, a diferença é de 120 pontos base. Isso tem feito com que os planos CD, que são muito conservadores, pensem em incluir alternativos na carteira, principalmente private equity, para aumentar o retorno e diminuir a diferença atuarial com os BDs.
II – Para os fundos de pensão brasileiros, quais seriam os melhores mercados para começar a investir no exterior?
MD – Acredito que seria ideal começar pelos mais maduros. Se eu fosse criar uma carteira de private equity aqui hoje, eu não colocaria nada dentro do Brasil. Alocaria nos Estados Unidos, que tem um mercado muito mais maduro, com mais de 50 anos, e tem gestores para os mais diversos segmentos. A economia americana também está indo bem e setores estratégicos como saúde, tecnologia e energia, têm gerado retornos significativos.
II – E na Europa e demais mercados?
MD – Na Europa temos boas oportunidades em setores ligados à exportação, mas é preciso um pouco de cautela por conta da crise. Lá, a Pantheon trabalha apenas com aquisição de médias empresas, em formato buy-out (controle acionário). Outra parte dos recursos eu alocaria em Ásia e Austrália. Com destaque para China e Índia, onde o mercado consumidor torna bastante promissores os setores de varejo e serviços. Para investidores brasileiros, não recomendo um forte alocação em outros emergentes, pois o país já está bastante exposto a China, por por conta do comércio de commodities, por exemplo.
II – Como estão os contatos e o trabalho com os fundos de pensão brasileiros?
MD – Fizemos uma espécie de “road map” com investidores locais para desenharmos um fundo global. A oferta será restrita, então não posso detalhar o veículo. Ainda estamos em fase de educação financeira com as fundações. Desde o começo sabíamos que precisaríamos começar explicando o que é esse segmento e como trabalha a Pantheon no mundo. Private equity é uma classe de ativos relativamente jovem, e somente os grandes players atuam com captação no exterior. Lá fora, contudo, este é um mercado muito maior e mais complexo.
II – O processo está mais difícil do que esperavam?
MD – Essa fase educacional está demorando um pouco mais do que pensávamos, mas a economia doméstica tem contribuído para a dúvida dos investidores aqui. O custo de oportunidade de investir em private equity, quando a renda fixa apresenta boas rentabilidades e os juros básicos passam de 11% ao ano, tem sido levado muito em conta.
Nas conversas que já tive com os investidores percebi que eles entendem os benefícios, mas há muitas outras coisas em jogo. Eles ficaram aguardando, por exemplo, o resultado das eleições para definir as estratégias de 2015.
II – Quais fundações vocês estão buscando no Brasil?
MD – No Brasil, estamos conversando com instituições de todos os portes, de grande a pequeno. Mas acho que a adesão dos grandes fundos de pensão poderia dar mais confiança para os menores, que não têm equipe para fazer tal análise, investirem no fundo de private equity. Existem grandes oportunidades dentro desse segmento lá fora. Um mercado que tem percebido isso é o México.
II – Qual é o diferencial do México?
MD – Lá, as fundações podem investir 20% no exterior, e os reguladores estão pressionando os fundos para que ampliem a diversificação. No Chile, que quase não apresenta opções de investimento internamente, as fundações também têm buscado ativos no exterior. Embora o mercado brasileiro seja diferente, e um pouquinho mais diverso, as fundações locais podem se beneficiar muito do private equity internacional.
II – O fundo a ser oferecido no Brasil será customizado? De que forma?
MD – No Brasil as regras de alocação são peculiares, o que demanda um produto de private equity customizado às demandas locais. A Pantheon possui uma plataforma bastante flexível. Mas é assim também em outros países, como o Chile. Lá, as fundações não podem ter mais de 33% do patrimônio de um fundo, enquanto aqui esse limte é de 25%. Entretanto, no Chile existem apenas cinco fundações. É possível ter três institutos em um feeder, mas há pouco espaço para oferta. É preciso que todas estejam guiadas por estratégias muito semelhantes no mesmo momento para criar um fundo lá. No Brasil há muito mais fundações, mas somente as dez maiores concentram 80% dos ativos sob gestão do segmento. Ou seja, é também um mercado muito concentrado, uma dinâmica semelhante à do Chile. Um desafio parecido, portanto. Mas só poderemos aprender fazendo.
II – Por que ingressar no Brasil por meio de uma parceria?
MD – O caminho natural para que as fundações passem a investir em private equity é por meio de um feeder. Desta forma, pensamos em firmar parceria com uma gestora local. De fato, muitos dos nossos concorrentes estavam abrindo escritório aqui, mas com forte rotatividade de profissionais. Não queremos isso para nós, pois investimentos em private equity são de longo prazo e demandam confiança no gestor acima de tudo. Para nós, era importante a experiência de um parceiro local. Esse conhecimento leva tempo, assim como formar relacionamentos duradouros.
II – A Pantheon pretende eventualmente abrir escritório aqui?
MD – Não estamos procurando novas parcerias no momento nem queremos abrir escritório local. Preferimos entrar no mercado institucional brasileiro por meio de uma parceria. Para as fundações, investir no mercado lá fora é uma decisão muito complexa e demanda muita confiança na gestora. Por isso acredito que esse investimento deve ser feito por meio de uma instituição que já é conhecida por eles. Talvez algum dia, se tivermos muitos clientes, poderemos pensar em abrir escritório aqui, mas agora não.
II – Na sua opinião, como os investidores estrangeiros estão enxergando o mercado brasileiro?
MD – No private equity tudo depende de qual segmento você está observando. Investidores focados nas grandes empresas, que estão atreladas ao crescimento do PIB, têm mais cautela em relação ao mercado brasileiro. Mas há muitas empresas interessantes cotadas a um preço baixo, companhias que dependem de uma reestruturação bem feita para crescer. Nesses casos, é possível entrar no capital e vender partes lá na frente. Acho que alguns investidores estão observando que os preços no Brasil estão baixos e que isso pode representar oportunidades.
II – Quais segmentos são mais promissores no Brasil?
MD – A maior parte da economia brasileira está nas empresas menores, que não são acessíveis pela bolsa. O segmento de tecnologia é um exemplo. Nele existem boas compras para venture capital. O Brasil é o terceiro maior consumidor de tecnologias móveis e Internet e esse é um mercado que deve crescer muito. É sabido que o Brasil não crescerá tanto nos próximos anos, mas há muitas oportunidades para investir em private equity, que geram valor.
II – Em quais setores?
MD – Há diversos segmentos interessantes, como saúde, consumos básicos, logística, serviços, educação, infraestrutura. O país carece de investimentos em infraestrutura, mas para ingressar nele é preciso conhecer bem os outros investidores, que demandam um custo de capital diferente do estrangeiro. Às vezes você quer 20% de retorno e eles estão satisfeitos com 10%. Mas a Pantheon está constantemente investindo na América Latina em nome dos clientes e o Brasil é um mercado ainda bastante demandado.
II – Quais segmentos brasileiros compõem as carteiras de private equity da Pantheon lá fora?
MD – Temos cerca de cinco fundos que possuem ativos brasileiros, que oferecemos lá fora. São veículos que somam mais de US$ 100 milhões. Estão alocados nesses segmentos que eu listei como interessantes no Brasil, exceto infraestrutura. Além deles, investimos em serviços para energia e para agricultura. Acho que infraestrutura tem boas oportunidades, mas depende demais do que o governo pretende fazer.
II – Os investidores lá fora estão pessimistas em relação ao Brasil, que corre o risco de perder o grau de investimento?
MD – Acho que estão todos preocupados se o governo vai fazer os ajustes necessários para a economia voltar a crescer. Se nada mudar, o mercado vai ficar mais tímido e reticente em relação ao Brasil. Há muitos ativos subavaliados no mercado brasileiro, mas os investidores ainda estão observando muito os próximos passos do governo antes de retomar o apetite para investir.