Edição 238
Atualmente dedicada prioritariamente à implementação e à adequada supervisão de regras que foram editadas recentemente, a superintendência de relações com investidores institucionais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não deixa de estar atenta às mudanças do mercado e de discutir temas que podem se traduzir em alterações de normas. Entre os assuntos que são alvo de discussões atualmente que contam com a participação da superintendência está, por exemplo, a forma de contabilização de ativos pelos Fundos de Investimento em Participações (FIPs). “O que há no momento na pauta regulatória em relação aos FIPs é um estudo sobre padronização de normas contábeis. Hoje, basicamente, a forma de contabilizar os ativos dos fundos é delegada ao regulamento dos fundos. Isso tem vantagens porque acomoda diferentes situações, mas também tem desvantagens porque prejudica o poder de comparação entre fundos”, afirma, em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, Francisco José Bastos Santos, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM. Ele conta que a autarquia está participando de um grupo de trabalho, que inclui a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), que trata da questão do desenvolvimento de normas contábeis para os FIPs. Outro assunto em pauta, mas ainda em fase preliminar, é uma eventual flexibilização dos ETFs (Exchange Traded Funds) que venha a permitir que sejam listados, na Bolsa local, fundos atrelados a índices no exterior. “Uma preocupação é que o ETF listado aqui na Bolsa de Valores e que eventualmente replique um índice no exterior – seja através da compra de ações, seja através de investimento em outro ETF – guarde as mesmas características de segurança que norteiam os fundos locais”, avisa o superintendente. Na entrevista, ele fala ainda sobre a revisão da instrução que trata da atividade de administração de carteira de valores mobiliários e a respeito do crescimento da indústria brasileira de fundos de investimento. Leia, a seguir, os principais trechos.
Investidor Institucional – Quais as atribuições da superintendência?
Francisco José Bastos Santos – A superintendência é de relação com investidores institucionais, mas poderia também se chamar ‘superintendência de registro e supervisão de fundos de investimento e profissionais correlatos’ que não estaria fora do que nós fazemos. Os investidores institucionais que estão sob a nossa supervisão são, na verdade, os fundos de investimento. Então, nossa superintendência basicamente registra e supervisiona os fundos de investimento brasileiros, que se dividem em dois grandes grupos: os chamados fundos 409, que são os fundos regulados pela Instrução CVM 409, voltados para o público em geral e tipicamente encontrados em agências bancárias – tratase de um universo de 11 mil fundos, com R$ 2 trilhões de ativos sob gestão e perto de 10 milhões de cotistas; e os chamados fundos estruturados, que reúnem os Fundos de Investimento em Participações (FIPs), os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidcs), os Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (Fmiee), os Funcine [Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional] e os fundos imobiliários.
II – Quais são os assuntos que estão atualmente em prioridade na pauta da superintendência?
FJBS – A CVM editou uma série de normas recentemente, tanto acerca dos fundos 409 quanto dos fundos estruturados. São normas que visam melhorar a comunicação com o investidor através, por exemplo, das chamadas lâminas, que são prospectos simplificados; normas sobre gestão de liquidez em fundos de investimento; normas sobre divulgação de informação nos Fidcs; e normas contábeis de Fidcs. Enfim, há uma série de normas que foram recentemente editadas pela CVM, e o nosso foco imediato é na implementação e adequada supervisão dessas normas. É claro que a CVM está sempre revendo a sua regulação, uma vez que existe um processo contínuo de aperfeiçoamento e sempre surgem novos temas. Conforme o mercado evolui, sempre aparecem novas questões. Mas eu diria que a prioridade no momento é a implementação adequada das normas que foram editadas recentemente.
II – Existe algum fundo em que há um espaço maior para crescimento dos investimentos?
FJBS – A indústria de fundos tem crescido ao longo dos anos significativamente acima do incremento do PIB [Produto Interno Bruto]. Nesse sentido, eu diria que quase todas as categorias têm crescido bastante. É claro que nos últimos anos se destaca, por exemplo, a evolução dos fundos imobiliários, a partir da edição de normas que trouxeram algum favorecimento tributário aos investidores desses fundos. Os FIPs também têm crescido muito, e os próprios fundos 409 – que incluem renda fixa tradicional, ações, multimercados, referenciados, etc – também vêm apresentando um incremento significativamente acima do PIB nos últimos anos.
II – Por falar em FIPs, existe alguma discussão com a Abvcap para promover mudanças na regulação desses fundos?
FJBS – Nós temos uma interação grande com as associações e entidades autorreguladoras como Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais] e Abvcap. É uma interação frequente. O que há no momento na pauta regulatória em relação aos FIPs é um estudo sobre padronização de normas contábeis para esses fundos. Hoje, basicamente, a forma de contabilizar os ativos dos fundos é delegada ao regulamento pela própria Instrução CVM 391. Essa instrução diz que o regulamento dos fundos deve estabelecer o seu modelo de contabilização – se é, por exemplo, por equivalência patrimonial, desconto de fluxo de caixa, múltiplos ou marcação a mercado (quando há mercado líquido para os ativos), entre diversos métodos que existem. Isso tem vantagens porque acomoda diferentes situações, mas também tem desvantagens porque prejudica o poder de comparação entre fundos. A CVM está participando de um grupo de trabalho, que inclui a Abvcap, na questão do desenvolvimento do que seriam normas contábeis para esses fundos.
II – Em relação aos profissionais regulados pela superintendência, o que há de novidade em termos de regulamentação?
FJBS – Foi colocada em audiência pública no fim do ano passado uma proposta de norma que visa regular a atividade do administrador de carteira de valores mobiliários, que é a atividade que permite a atuação tanto como gestor como também administrador dos fundos de investimento. Essa norma propõe uma série de mudanças para a questão do credenciamento das pessoas físicas e jurídicas. Para a pessoa física, talvez a principal novidade seja uma ênfase maior na certificação do profissional vis a vis o modelo que existe hoje, que é muito baseado na comprovação da experiência. Não se elimina a experiência no novo modelo, mas se dá uma ênfase maior à certificação no caso do profissional pessoa física. Para pessoa jurídica, é dada uma ênfase maior na área de gestão de risco e também em compliance. A instrução que está em vigor, a CVM 306, é de 1999. É uma boa regra, mas já existe há algum tempo e precisava ser revista especialmente nesses pontos. [OBS: O edital de audiência pública número 14/ 11 data de 22 de novembro do ano passado e tinha prazo para receber sugestões até 23 de janeiro deste ano.]
II – Agora que o prazo foi encerrado, quais são os próximos passos?
FJBS – A CVM recebeu muitos comentários. Agora, existe uma área da autarquia que se encarrega exatamente de processar esses comentários e gerar um relatório, para que o assunto seja discutido pelo colegiado da CVM. Nós da superintendência também participamos da discussão.
II – Quando uma nova instrução sobre o assunto deve ser editada?
FJBS – É difícil precisar porque ela concorre com outras prioridades. É uma regra importante, mas existem outras questões prioritárias que requerem a atenção do colegiado da CVM. Vai depender muito da capacidade e da disponibilidade de tempo para o colegiado da CVM discutir profundamente a questão. Imagino que não deva demorar muito, mas não é possível precisar quando a norma vai ser editada.
II – Há alguma perspectiva de mudança nas regras de tratam do investimento no exterior?
FJBS – Existe uma regra para os fundos de investimento que basicamente diz que qualquer fundo, voltado para qualquer público, pode investir até 10% de seus ativos no exterior; já os chamados multimercados podem investir até 20% do PL; e os fundos voltados para os investidores superqualificados, ou seja, aqueles que investem no mínimo R$ 1 milhão no fundo, podem alocar até 100% do seu patrimônio no exterior. Os levantamentos que temos mostram que esses limites estão bem longe de ser atingidos atualmente. Nós acreditamos que esses limites não são exatamente um problema ou um impeditivo para o investimento no exterior. Existem outras questões, como a tributária, que é sempre apontada, e a da curva de aprendizado que os gestores nacionais têm que galgar para investir no exterior. Muitos fundos já vêm utilizando, por exemplo, os BDRs, que são uma opção interessante de se expor ao exterior por meio da própria Bolsa local. Isso vem facilitando bastante o investimento de alguns fundos. E há propostas de estudos na CVM sobre os ETFs, os fundos de índices que têm suas cotas negociadas em bolsa de valores.
II – São estudos em que sentido?
FJBS – Para que se faça ETFs que persigam índices de outros mercados, como por exemplo Dow Jones e S&P 500. A CVM está avaliando essas propostas, mas provavelmente o estudo seja algo a ser tocado no segundo semestre. E, ao avaliar o assunto, a CVM analisará também o impacto que uma eventual flexibilização dos fundos de índice teria nos outros fundos, de modo a não possibilitar arbitragem regulatória. Existem questões na pauta, a CVM está sempre avaliando, mas não há nada que esteja na prioridade regulatória imediata.
II – Como os ETFs atrelados a índices de outros mercados seriam acessados pelo investidor brasileiro?
FJBS – Existem algumas maneiras de se fazer isso. Uma delas é permitir que um ETF listado na Bolsa local adquira ações que compõem um índice no exterior, ou mesmo que um ETF local compre cotas de um ETF estrangeiro que, este sim, replique um índice. São possibilidades, e é claro que têm que ser estudadas com cuidado. No que diz respeito aos ETFs, nossa regulação só permite a replicação física do índice, e não sintética, através de derivativos. Nós entendemos, e isso é internacionalmente reconhecido, que esta é a maneira mais segura de lidar com o ETF. Sabemos que lá fora muitos produtos permitem a replicação sintética, então temos que avaliar, se eventualmente formos fazer essa flexibilização, que tipo de produto nós permitiríamos que fosse oferecido para o público brasileiro. Isso teria que ser de certa maneira compatível com o produto que já é oferecido hoje, porque senão se criaria uma assimetria.
II – Qual a grande preocupação em liberar o investimento em ETFs referenciados em índices no exterior?
FJBS – É preciso reforçar que este é um tema que ainda será colocado em discussão. Mas uma preocupação é que o ETF listado aqui na Bolsa de Valores e que eventualmente replique um índice no exterior – seja através da compra de ações, seja através de investimento em outro ETF – guarde as mesmas características de segurança que norteiam os fundos locais. Esse é o tipo de preocupação que vai guiar a discussão em torno do assunto, que deve ser tocada no segundo semestre.