Economia dos EUA vai alçar novo vôo | O economista-chefe do Citi...

Edição 98

Carlos Kawall, do Citibank

Nem tão rápido como esperavam alguns, mas também bem menos longo do que previam os mais pessimistas. Para o economista-chefe do Citibank, Carlos Kawall, o pouso forçado da economia norte-americana não deverá prolongar-se no próximo ano, devendo experimentar uma nova decolagem já a partir do segundo semestre deste ano.
“A expectativa dos nossos economistas é de que a economia dos EUA deve voltar a se recuperar a partir do terceiro e quarto trimestres, mais substancialmente a partir do quarto trimestre”, prevê Kawall, para quem a retomada não será somente efeito da política monetária do FED, o banco central norte-americano, mas também da política fiscal do governo Bush.
Para o economista, porém, ainda é cedo para se aposentar a tesoura dos juros do FED: indicadores como o nível de empregos “mostram que ainda não é possível cantar vitória com relação a ter debelado as forças recessivas que atuam sobre a economia”. Portanto, segundo ele, poderão ocorrer mais cortes.
Pousando o seu crivo sobre a situação dos vizinhos argentinos, o prognóstico de Kawall é de um alívio no curto prazo, em função da operação de troca de dívidas que estava sendo orquestrada em meados de maio. Mas deveriam continuar atuando algumas incógnitas sobre o futuro da economia da Argentina, destacou o economista: o país vive sob um quadro de volatilidade política e deve passar por eleições legislativas em outubro; além disso, acrescentou Kawall, “permanece o desafio da trajetória do setor real da economia”.
Após esse vôo panorâmico sobre fundamentos capazes de influenciar o desempenho da economia doméstica, Kawall destacou que o ponto vulnerável do Brasil continua sendo o déficit das contas correntes. E que, em função da recessão global, associada aos problemas enfrentados pela Argentina e ao racionamento de energia, os economistas estavam revendo para baixo as estimativas de crescimento do PIB, que eram de cerca de 4% no início, e para cima o patamar máximo a ser alcançado pelo dólar até o fim do ano, que era de R$ 2,20.

Investidor InstitucionalQuando a economia dos EUA volta a crescer?
Carlos Kawall – A visão dos nossos economistas é de que a economia dos EUA deve voltar a se recuperar a partir do terceiro e quarto trimestres, mais substancialmente a partir do quarto trimestre. E isso não só como efeito da política monetária adotada pelo FED mas também por conta da política fiscal, em função dos cortes de impostos aprovados pela administração Bush para o próximo orçamento.

II A redução das taxas de juros em 0,5 ponto percentual, adotada na última reunião do FED, para 4%, afasta o risco da recessão nos EUA?
CK – Os sinais dados pelo FED são de que, não obstante a substancial redução que já houve nos 5 cortes feitos ao longo desse ano, o ciclo de cortes pode não ter acabado. Alguns indicadores, especialmente o de nível de emprego, mostram que ainda não é possível cantar vitória com relação a ter debelado as forças recessivas que atuam sobre a economia. Então, nesse sentido, ainda é possível ter mais cortes ocorrendo no futuro. Mas é evidente que esse ciclo de cortes deve estar chegando ao fim.

IIEssas reduções de taxas podem ter impacto negativo sobre a inflação?
CK – Nesse momento, parece que a inflação é o menor dos problemas. Não parece haver preocupação com um surto inflacionário a curto prazo que pudesse, digamos assim, atar as mãos do FED no sentido de bloquear sua política de redução das taxas.

II Quais sinais deveriam ser observados para avaliar quando a economia começa a reaquecer?
CK – Um deles é a questão do emprego. Causa preocupação o fato das empresas ainda estarem fazendo ajustes substanciais em termos de nível de pessoal, de emprego. A reversão dessa tendência certamente é algo que o FED veria positivamente. Depois eu mencionaria a confiança do consumidor, que acabou sendo abalada por uma combinação do efeito riqueza negativo, na medida em que as bolsas começaram a se ajustar para baixo no ano passado, com o impacto da elevação das taxas de juros, da alta dos preços do petróleo e do próprio desemprego. E o outro indicador importante para acompanhar é o ajuste dos estoques. Ao final do ano passado, a desaceleração abrupta da economia acabou gerando um acúmulo indesejado de estoques, que precisaria ser ajustado para que as próximas demandas empresariais possam ser atendidas por intermédio de aumento de produção e não de redução de estoques. Então, uma melhoria nesses fatores que mencionei indicaria a retomada do processo de crescimento econômico.

II Há hoje um debate sobre a recessão nos EUA ser mais curta ou mais longa. Na sua opinião, ela será mais curta ou mais longa?
CK – A visão inicial que se tinha, de que poderia ser uma recessão rápida, em V como eles costumam dizer, está superada. Parece que será mais longa, é alguma coisa mais para ao que eles chamam do U, na medida em que a recuperação só deve ocorrer, de fato, mais para o final deste ano, no quarto trimestre, e ao longo do ano que vem. Mas está descartada a idéia de uma recessão muito prolongada, que se arrastasse pelo ano que vem.

IIMuitos analistas exageraram, num primeiro momento, o potencial de alta das bolsas norte-americanas e recomendaram fortemente a compra de ações, principalmente das ações da nova economia, que despencaram. Depois eles exageraram o potencial de queda da economia, alardeando uma recessão prolongada. O que está errado nas previsões?
CK – Em meados do ano passado se dizia que a taxa de juros nos EUA, pelo nível de aquecimento da economia, deveria chegar a 7,5% ao final do ano, quando ela estava em 6,5%, e que o FED tinha perdido o timing do processo da política monetária. Se dizia que, dado aquele nível de aquecimento, a inflação iria disparar (isso para os padrões americanos, obviamente!) e o FED teria que vir com uma política monetária muito agressiva, subindo a taxa para 7,5%, para evitar um processo inflacionário generalizado. Não só ele não fez isso como a economia acabou contraindo-se muito mais fortemente, mais abruptamente, do que se imaginava. Então, certamente, as expectativas com relação ao crescimento da economia influenciaram naquele otimismo com as bolsas, etc. Mas não foi só isso. Na Nasdaq também houve, eu diria, quase um fenômeno de bolha.

IIComo assim?
CK – Imaginava-se que a Internet, a nova economia, garantisse taxas de crescimento elevadíssimas nas empresas, taxas que depois acabaram se mostrando exageradas. Então, eu acho que foi uma combinação entre a própria trajetória da economia, que acabou depois sendo revista para uma performance muito mais negativa do que se imaginava, e também uma leitura exagerada do que seria a valoração das ações da nova economia, o potencial de crescimento das empresas que constituem a nova economia e que influenciam bastante dentro da Nasdaq.

IIPor que as empresas cancelaram tão rapidamente os seus planos de investimento, assim que começou a se falar em desaceleração econômica?
CK – Em toda desaceleração, depois de um boom econômico, há cancelamentos dos planos de expansão das empresas, das suas decisões de investimentos etc. Acho que esse tipo de comportamento é inerente à trajetória das economias. Até que ponto aqueles planos eram um erro de avaliação, isso é uma questão extremamente subjetiva. Acho que a teoria normalmente não fala em erros e acertos. Ela fala em incertezas. Você toma decisões sem saber exatamente como é que o comportamento se dará no futuro, ficando sujeito a essas retrações de demanda, mudanças na confiança do consumidor, mudanças nos preços de combustíveis etc. Então, essa série de fatores, inesperados às vezes, causam uma incerteza que acaba gerando, além das ações do Banco Central, retrações nas decisões das empresas. É uma questão que ocorre e é da natureza das economias.

IIO que poderia piorar na economia dos EUA?
CK – Seria você assistir, no contexto atual, um repique inflacionário, combinado com uma queda abrupta de produtividade, recessão com inflação. Isso acabaria reduzindo o raio de manobra do FED para baixar adicionalmente os juros, caso fosse necessário. Agora, realmente o que seria o pior de tudo é que, se essa recessão se prolongasse, se gerasse problemas de crédito, de restrição financeira a uma retomada das atividades, de aumento de inadimplência, de piora da saúde financeira dos bancos, e se isso tivesse a dimensão de uma crise financeira ou alguma coisa semelhante.

II Como está ocorrendo no Japão?
CK – Algo parecido. Lá, os bancos estão tendo dificuldade em retomar a oferta de crédito por carregarem uma parcela substancial de passivos de má qualidade, inadimplência, etc., o que acaba dificultando o papel do sistema financeiro de alavancar um novo período de crescimento. Esse seria o pior cenário.

IIEm relação à Argentina, o que podemos esperar?
CK – No caso da Argentina, o ponto crucial é a sua economia mostrar alguma recuperação na trajetória de investimentos. É crítico para um regime de currency board como o que eles têm, que se verifique uma situação de solvência fiscal. Quer dizer, que você tenha uma situação fiscal controlada, que o déficit não cresça descontroladamente, porque a sua capacidade de financiar um déficit crescente pode ser comprometida por uma crise de confiança. Na verdade, as contínuas quedas na produção industrial comprometem a arrecadação de impostos, comprometem as metas de déficit público, aumentam a desconfiança e acabam tendo um impacto negativo sobre a liquidez local, elevando as taxas de juros.

IIQual a sua expectativa em relação à Argentina?
CK – No curto prazo, esperamos que haja um alívio, uma melhora por conta da operação de troca de dívida que eles estão para anunciar, aparentemente é alguma coisa já na semana que vem. Mas, isto posto, permanece o desafio da trajetória do setor real da economia. E, para completar, a Argentina continua vivendo um quadro de relativa volatilidade política, lembrando inclusive que devem passar pelo crivo de eleições legislativas em outubro. Então, esse me parece o desafio a ser enfrentado pela Argentina.

IIQual o ponto mais vulnerável do Brasil, hoje?
CK – Acho que continua sendo o déficit das contas correntes.

II O Citibank está revendo as projeções do PIB do Brasil para esse ano?
CK – Nós estamos revendo para baixo a nossa previsão de crescimento do Brasil, mas ainda não temos um número final a divulgar.

II No início do ano era de 4%?
CK – Sim, mas agora estamos revendo para baixo. Um dos motivos é o impacto das contas externas, da recessão global, particularmente da situação da Argentina. Mas há também o problema do racionamento de energia. Em função desses dois fatores, o quadro externo e o problema interno da crise de energia, estamos revendo as projeções do PIB do Brasil para baixo.

IIEm quanto vocês estão avaliando o nosso déficit em transações correntes?
CK – Nós estamos trabalhando com 4,9% do PIB, mas também estamos revendo isso, em função de que estamos revendo o cálculo do PIB, as contas externas.

II Está sendo revisto para cima?
CK – O déficit em transações correntes pode ser até mais baixo em valor, mas como o câmbio está piorando, está se desvalorizando, e o PIB pode cair, então na comparação com o PIB ele pode piorar. Isso mesmo que o déficit em valor esteja um pouco melhor.

IIDá para arriscar um valor para o câmbio no final do ano?
CK – Este também é um ponto que estamos revisando. Nós trabalhamos com R$ 2,20 no final do ano, mas isso deve ser revisto provavelmente para um número mais elevado.