“Desaparecimento da economia dos EUA é inevitável” | ...

Edição 77

Hugo Penteado, do ABN-Amro Asset Management

A instabilidade do mercado acionário dos EUA, com as altas e baixas que estão caracterizando os índices Nasdaq e Dow Jones (mais baixas do que altas), ganharam as manchetes econômicas do mundo todo. Todos os países do globo estão de olho no que acontece no grande mercado da América do Norte. Entrevistamos o economista chefe do ABN-Amro Asset Management, Hugo Penteado, para falar sobre esse tema. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Penteado à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalComo essa instabilidade dos mercados acionários mundiais pode afetar o Brasil?
Hugo Penteado – Hoje a economia brasileira depende de duas variáveis, a externa representada pela continuidade do crescimento econômico mundial, recuperação do preço das commodities e manutenção de uma demanda externa elevada, e a interna representada pelas contas fiscais, balança de pagamentos e inflação. No aspecto interno a economia brasileira está indo muito bem, salvo algumas surpresas com FGTS, salário mínimo, etc. Mas no aspecto externo há uma indefinição do cenário econômico dos Estados Unidos, e isso pode afetar não só o Brasil como todo o globo.

IIMas a economia dos EUA continua crescendo …
HP – Veja, nós estamos hoje com a demanda da economia americana crescendo num ritmo perigoso em relação à dinâmica da oferta, o que pode trazer pressões inflacionárias efetivas. Em função disso, o FED (Banco Mundial) iniciou em julho do ano passado, de maneira preventiva, um aperto monetário gradual com a finalidade de desacelerar a economia. Mas, mesmo assim, no primeiro trimestre deste ano a economia americana não só não desacelerou como se acelerou, o mercado acionário americano teve um comportamento de alta –principalmente por conta da passagem do efeito do bug do milênio. Então, isso quer dizer que o mercado estava redobrando as apostas no crescimento econômico americano.

IIEm abril, mudou a aposta?
HP – Acho que sim, e considero isso saudável. A lua-de-mel acabou em abril, na hora em que veio um número de inflação mais alto, um indicador de vendas a varejo mais alto, na hora que ficou claro que os gastos de consumo vão registrar uma taxa de crescimento muito alta.

IIA tendência agora é de baixa?
HP – Nesse momento sim, os mercados estão apresentando uma tendência de realização. Eles estão aguardando sinais mais claros para a seguinte pergunta: o FED será bem sucedido na sua política monetária de conter o consumo, ou não? Essa é a resposta que interessa ao mercado.

II O que você acha?
HP – Temos que trabalhar com duas hipóteses. Na primeira, o FED vai ser bem sucedido na sua política monetária de desacelerar a economia americana, estabilizar a inflação e preservar o crescimento econômico de longo prazo, o que será extremamente positivo para os mercados acionários americanos. Na segunda hipótese, se o FED fracassar e perder a guerra para a inflação, solapando as possibilidades de crescimento econômico dos EUA, os mercados acionários vão responder de uma maneira extremamente negativa. Bem, respondendo mais diretamente à sua pergunta: acho que enquanto o mercado não tiver claro qual dessas duas hipóteses vai se concretizar, a tendência é ele ficar volátil.

II A volatilidade é, então, a marca desse período?
HP – Sim, mas hoje os mercados não só estão voláteis como também estão apresentando uma tendência de baixa. Acho que foi extremamente positivo o fim da lua-de-mel do primeiro trimestre do ano 2000, em que todo mundo nos EUA estava redobrando as apostas no crescimento econômico americano. Muitos economistas estavam revendo as projeções de crescimento americano para cima ao mesmo tempo em que trabalhavam com a hipótese de desaceleração suave da economia, duas coisas totalmente incompatíveis. Essa contradição ficou muito clara em abril.

IIQual é a melhor aposta na economia americana?
HP – Acho que a economia americana vai desacelerar, não importa o que aconteça. Se o FED for bem sucedido na sua política econômica de aperto monetário, isso é sinônimo de desaceleração. Se ele não for bem sucedido, a economia americana passa a viver a situação de um carro desgovernado, com pressões inflacionárias, déficits entre ações correntes e incapacidade dos agentes econômicos de elevar a poupança líquida, o que significa que os gastos de consumo privado continuarão no segundo trimestre do ano 2000. Se isso acontecer, vamos ter os ingredientes para uma ruptura do mercado financeiro americano, que vai machucar todo o mundo.

IIA instabilidade dos mercados acionários já reflete essa visão?
HP – Existe uma teoria econômica segundo a qual o mercado acionário americano sempre responde baseado em fatos econômicos. E há um fato econômico muito forte hoje, que é a suspeita de que o FED pode não ser bem sucedido na sua política de conter a inflação e garantir o crescimento econômico dos EUA. O que isso significa para a bolsa? Significa que as projeções de lucros das empresas não vão se materializar, pois dependem desse crescimento econômico, e isso se reflete nos preços das ações. E quando falo de crescimento econômico eu me refiro a um horizonte de 30 anos, que é o que entra nesses preços.

IIMas algumas empresas, principalmente da Nasdaq, exibiam preços que não tinham nada a ver com expectativa de crescimento ou de lucros. Era pura fantasia. Elas valorizavam sem nunca terem apresentado nenhum centavo de lucros, o que já vinha inquietando o mercado. Como você analisa isso?
HP – É exatamente isso. Quando você vê o preço e as projeções que precisariam ser realizadas para embutir o preço de uma parte das ações tecnológicas, isso representa um verdadeiro disparate, o que justifica o fato do Nasdaq ter caído de 5.200 pontos para 3.660 pontos. As ações de baixa qualidade de tecnologia chegaram a apresentar perdas de 50%. Mas vamos lembrar que, embora o Nasdaq seja lembrado sempre pelas ações das novas empresas tecnológicas, ele também tem uma série de empresas que estão extremamente bem fundamentadas, como a Sisco, a Microsoft, etc.

IIÉ possível comparar esse momento de instabilidade com as crises passadas?
HP – Sim. Podemos fazer uma comparação. Geralmente todas as crises financeiras ocorreram no fim do pico de um ciclo econômico, e todas tiveram alguma variável exógena que causou a crise fora do sistema macroeconômica – ou foi uma quebra de colheita, ou uma guerra ou uma inovação tecnológica. E quais são os ingredientes necessários para que a crise ocorresse? Primeiro, uma sobrevalorização excessiva das ações; segundo, uma forte expectativa de alta futura das ações; terceiro, um aumento da taxa de juros entre os bancos; quarto, pouca circulação de dinheiro; e por último, como ingrediente final, que haja falta de poupança interna. Mas para deflagar a crise eu precisaria também de um fato econômico detonador. Então, a economia americana está hoje na seguinte situação: ela tem analogia com as crises passadas porque está no pico do ciclo econômico e ela recém passou por uma inovação tecnológica (Internet), mas dos ingredientes necessários para que a crise ocorresse quase nenhum está presente. Ela não tem a sobrevalorização excessiva das ações, não tem forte expectativa da alta futura das ações, não teve alta de taxas de juros entre bancos e não tem pouca circulação monetária. O único ingrediente presente é a falta de poupança interna.

IIE qual seria hoje o fato econômico detonador da crise, ou do crash, dos mercados financeiros americanos?
HP – Acho que seria o insucesso da política monetária do FED. Mas eu gostaria de concluir que, mesmo que o FED não seja bem sucedido na sua política monetária, não teríamos necessariamente um crash. Por quê? Porque dos cinco ingredientes que falei do crash, só um está presente. E tem outra coisa: se houver uma situação de nervosismo exacerbado nos mercados acionários, a atitude esperada dos bancos centrais, ao invés de apertarem a política monetária, é flexibilizarem a política monetária. Hoje, os bancos centrais são muito mais preparados para avaliar a situação e para adaptarem a suas políticas às situações de crise. Um exemplo recente disso é a crise russa, quando o FED reduziu as taxas de juros para tentar amenizar a crise financeira mundial daquele período, e foi bem sucedido.

IIQuanto tempo o mercado vai ficar aguardando essa definição sobre o sucesso ou não da política do FED?
HP – Eu dou um prazo de mais ou menos uns três meses para que essa definição de cenário ocorra.

IIPorque três meses?
HP – Porque nos próximos três meses vai sair uma série de dados novos da economia americana, dados de PIB, de consumo, de vendas à varejo, de vendas de automóveis, balança comercial, inflação, que permitirão uma análise mais aprofundada da situação. Se em três meses os dados continuarem mostrando expansão, aí o nervosismo dos mercados acionários americanos pode aumentar acentuadamente.

IIO mercado de ações funcionaria como um termômetro?
HP – O mercado acionário é sempre antecipador de crises, então a gente vai ter que olhar os sinais, as evidências se a economia está ou não entrando na rota da desaceleração. Se ela não estiver, e se esses sinais começarem a ficar evidentes, o mercado acionário antecipará a crise e começará a entrar num nervosismo maior.

IIOutros países, como o Japão ou países europeus, poderiam crescer e contrabalançar uma crise nos EUA?
HP – Não, se a economia americana não tiver um soft landing, que é uma desaceleração suave, todo o resto do mundo vai ter um comportamento muito adverso, porque a economia americana é a locomotiva do mundo, ela responde por 40% de toda a demanda mundial, imagine isso com variação negativa.

IINesse caso, os países emergentes podem se preparar para um período menos favorável?
HP – Sim, não sei de quanto tempo nem de que intensidade. Mas a gente tem que lembrar que as autoridades monetárias, os governos, não são passivos frente à crise, eles sempre vão tentar fazer alguma coisa para remediar a crise. Se nos próximos três meses ficar claro que os EUA perderam a guerra para a inflação e para o crescimento econômico de longo prazo, aí sim os países emergentes vão amargar uma recessão. O quanto, dependerá da situação específica de cada país. Eu posso te antecipar que o país que menos vai amargar é o Brasil.

II Por quê?
HP – Se compararmos Brasil, Argentina, Chile e México, o Brasil é o país que tem o setor industrial mais diversificado, o maior mercado consumidor, a economia de maior dinâmica interna. Todas as outras economias são mais dependentes, ou de um produto específico como no caso do Chile, ou de uma cesta de commodities que representa 60% do que exporta no caso da Argentina, ou de um país específico no caso do México. O Brasil é uma economia que não depende tanto do cenário externo e seria o país que menos sofreria com uma crise dessas proporções.

IIIsso dá ao Brasil uma certa proteção?
HP – Exatamente, a economia brasileira poderia ter assegurada a sua rota de ajuste e crescimento econômico, apesar da crise, e as bolsas brasileiras poderiam se descolar das bolsas americanas. As bolsas brasileiras têm que começar a trazer para os preços das ações o fato de que estamos no início de um ciclo de expansão econômica.

IIAs taxas de juros seriam usadas pelo governo brasileiro para segurar a crise?
HP – Mais ou menos. A política monetária trabalha com um tipo de inflação que não estaria relacionada com esta crise, isso seria uma crise exógena que caracteriza um outro tipo de inflação, uma inflação de custos provocada por depreciação cambial, por uma insuficiência de capitais financeiros na balança de pagamentos. A taxa de juros atual está relacionada com o que a gente chama de inflação de demanda, e seu objetivo é refrear a demanda. Então, a taxa de juros dentro do modelo de metas inflacionárias é sempre preventiva. Eu aumento os juros antes da inflação subir, exatamente para evitar que isso ocorra. Então, o ajuste via juros para segurar uma crise externa teria que ser muito grande, teria que pegar a economia e jogar numa recessão muito grande.

IIO ajuste então seria feito via câmbio?
HP – Acho que sim, que grande parte do ajuste teria que ser feito via câmbio, pode ser que o Banco Central até cogite de aumentar os juros numa crise dessas, mas hoje a gente tem um amortecedor de crise chamado taxa cambial, câmbio livre. Os países de cambial fixo importam a crise do mundo mas também a bonanza do mundo. Nos países de regime cambial flexível isso já não é verdade, eles não são tão importadores de crise mas também não são tão importadores das bonanzas. É mais ou menos assim que funciona.

IIA crise nos Eua secaria a fonte dos investimentos externos para os países emergentes?
HP – Com certeza. Se acontecer uma crise os países emergentes vão ser absolutamente descartados, ignorados. Todo aquele fluxo de investimentos diretos que estamos vivenciando hoje estaria extremamente comprometidos. Por quê? Porque se vier uma crise mundial as perspectivas de crescimento econômico dos países emergentes mudam de figura e o que atrai os capitais é a perspectiva de crescimento econômico, é a estabilidade desses países e num momento de instabilidade isso tudo muda de figura.