Edição 112
Sérgio Cutolo (Banco Pactual); Eduardo Bom Ângelo (Cigna Previdência e Investimentos); Luis Eduardo Assis (HSBC); Diego Martinez (Mellon Brascan); Alexandre Zákia (Itaú) e Ronaldo Magalhães (Sul América)
Déficit da previdência pública, fundos de estados e municípios, taxa de juros, déficit fiscal e sistema tributário foram os principais temas debatidos na mesa redonda promovida pela revista Investidor Institucional, com a presença de Sérgio Cutolo, diretor do Banco Pactual; Eduardo Bom Ângelo, presidente da Cigna Previdência e Investimentos; Luis Eduardo Assis, CEO do HSBC, Diego Martinez, presidente do Mellon Brascan; Alexandre Zákia, superintendente da área de recursos do Itaú; e Ronaldo Magalhães, diretor comercial do Sul América. Os problemas da Previdência pública mereceram acaloradas discussões, bem como o futuro da previdência complementar fechada, a falta de instrumentos de investimentos e a queda nas taxas de administração.
Investidor Institucional – Gostaria de colocar em debate, para abrir nossa mesa-redonda, a questão da previdência pública. Como está essa questão hoje?
Sérgio Cutolo – Eu fui o último ministro da previdência que saiu com superávit, e isso foi em 1994. De lá para cá a previdência só tem tido déficits. Na verdade, há um déficit estrutural, apesar do fator previdenciário. Para falar em previdência você tem que dividir em três partes: a previdência pública, do INSS; a previdência ligada às administrações públicas; e a previdência complementar. A do INSS, em 2000, apresentou um déficit de 0,9% do PIB, em 2001 o déficit deve ficar em 1% do PIB, e em 2002 a projeção de déficit no orçamento encaminhado pelo governo é de 1,3% do PIB. Isso ocorre porque o sistema de repartição simples é cronicamente instável, você paga com o que recebe, então como a população envelheceu e o mercado de trabalho se alterou, temos muito menos pessoas contribuindo para o sistema. Há 20 milhões de pessoas recebendo benefício da previdência, dos quais 13 milhões recebem 1 salário mínimo e, desses, 8 milhões nunca contribuíram: são trabalhadores rurais, idosos, deficientes físicos. Para essa gente, o melhor seria que se criasse um programa assistencial, separado da previdência.
II – Como fez o Chile?
Cutolo – Sim, mas apenas nesse aspecto. Eu não acredito em uma reforma à la Chile. O Chile, depois de 20 e poucos anos, continua gastando 5% do PIB para manter o sistema antigo. No Brasil, você teria que ter 6,5% do PIB de espaço no seu orçamento fiscal para poder bancar essa história de privatizar a previdência. Países como o Brasil, com problemas seríssimos de distribuição de renda, precisam ter programas assistenciais.
Eduardo Bom Ângelo – Eu gostaria de levantar uma questão para o Cutolo, que conhece bem os números. Dá para dizer que o déficit sobre o PIB da administração pública é mais ou menos da ordem de 4 vezes o do INSS?
Cutolo – Sim, só o governo federal teve déficit de 2% no ano passado e o déficit dos estados e municípios deve estar em outros 2%, o que dá aí por volta de uns 4%, que é 4 vezes o 1% do INSS. E esse é o segundo maior problema do ponto de vista fiscal: a previdência ligada às administrações públicas diretas. Cada vez mais os inativos vão comendo a folha. No Rio Grande do Sul tem menos de um ativo para financiar um inativo, e essa coisa parece que varia de 1 para 7, sendo 1 para 1 no Rio Grande do Sul e 7 para 1 nos estados mais novos, tipo Tocantins.
II – O que você acha, Assis?
Luis Eduardo Assis – O quadro apresentado pelo Cutolo é perfeito e, na minha opinião, não tem nenhuma perspectiva de uma mudança radical. Há anos o mercado acalenta a idéia de uma reforma da previdência, mas as condições não estão dadas. A reforma que veio foi a reforma possível em função das forças políticas com as quais o governo pode contar. Na minha expectativa, a campanha eleitoral provavelmente vai passar ao largo deste problema.
Cutolo – A única pressão objetiva que vai se ter é a fiscal. Você vai ter que estar gerando cada vez mais superávit fiscal para financiar a previdência.
Assis – Aí virá uma sucessão de medidas paliativas, oportunistas, casuísticas e não propriamente uma reforma. Estamos vendo a enorme habilidade da Receita em ter uma visão de curto prazo.
II – Zákia, você concorda que a pressão virá pelo lado fiscal?
Alexandre Zákia – Sim, eu também acho que esse assunto só vai ganhar prioridade política quando pegar pelo lado fiscal.
Assis – Ainda assim, isso não significa necessariamente uma reforma da previdência, pode ser muito bem um enfoque puramente fiscalista para resolver o problema do orçamento do ano.
Cutolo – Nós temos um sistema tributário que, todo mundo concorda, não promove o crescimento auto-sustentável. Se você olhar como é financiada a previdência você começa a ver muitos problemas, começando com a questão dos encargos sobre a folha de salários: só a parcela da previdência, somando o que o empregador e o empregado pagam dá aí uns 23%; depois tem o FGTS que é uma coisa compulsória, de 30 anos atrás, que incide sobre isso; e ainda tem essa coisa toda de Senac, Senai, que também incide sobre a folha de salários e outras coisas mais. Quando eu fiz um estudo chegava, em média, a 63% de encargos sobre a folha. Eu posso estar sendo otimista, mas eu acho que mais cedo ou mais tarde você vai ter que fazer a reforma tributária e, para isso, vai cair de novo no problema previdenciário.
Zákia – E isso vai ocorrer concomitantemente com o aumento da pressão fiscal, as duas coisas juntas.
II – Ronaldo Magalhães, qual sua visão sobre o crescimento do mercado de previdência?
Ronaldo Magalhães – Acho que tem um ponto que a gente não pode deixar de levar em consideração: hoje, mesmo com o redutor, o INSS cobre algo como 7 ou 8 salários. Se fizer um corte na pirâmide nesse nível, quem ganha acima é uma pequena parcela, estamos falando de 12 milhões de pessoas, das quais 5,6 milhões já estão cobertas pela previdência privada, aberta ou fechada. Então, nós brigamos por um universo de 6 milhões de pessoas. Ou seja, enquanto não resolver isso, não tiver uma redistribuição de renda que mude a pirâmide social, não teremos crescimento substantivo no mercado.
Cutolo – Concordo com quase tudo que você falou, mas hoje o salário médio da economia formal deve estar por volta de 5 mínimos, o teto da previdência está em algo como 7,8 mínimos. Já foi 20 mínimos. Acho que um programa previdenciário público podia ter um teto de cerca de 5 salários mínimos e, mesmo que isso não liberasse um contingente muito grande, abriria um espaço. Para ter crescimento auto-sustentável vai ter que mexer nesse imbróglio, senão o País vai a todo momento esbarrar na questão fiscal.
Magalhães – Enquanto não tivermos uma reforma tributária decente, tratando o aspecto fiscal com o respeito que ele merece, e não tivermos distribuição de renda, não haverá crescimento explosivo na previdência privada.
Assis – A reforma fiscal é muito parecida com a reforma da previdência, que na verdade não existe, é muito pequena. O consenso sobre reforma fiscal se esgota na afirmação, absolutamente óbvia, de que todo mundo quer pagar menos e receber mais. Como isso é possível, ninguém explica. O Congresso conviveu nesses últimos anos com dezenas de projetos de reforma fiscal. É muito complicado, principalmente para um governo de aliança, que precisa negociar caso a caso, levar adiante uma reforma desse tipo.
Zákia – Que sempre significa uma perda para alguém.
Diego Martinez – Perda para os exportadores, para os investidores estrangeiros. A tributação é em cascata, o que deixa os negócios pouco rentáveis para muitos setores econômicos. Na verdade, esse governo tem tido arrecadações cada vez mais crescentes, e nesse aspecto ele é um sucesso, então por que vai mudar de direção? Este governo não pensa em reforma fiscal! A ênfase desse governo é arrecadar. Em fevereiro, com o pagamento dos impostos de muitos fundos de pensão, acho que o governo deve anunciar a maior arrecadação da sua história.
Magalhães – É engraçado. Todo mundo olha para o Everardo como se ele fosse o vilão da história. Coitado, ele é pago para arrecadar! Ele olha para um lado e vê o tamanho da dívida e tem que pagar, não tem jeito!
II – E além da questão tributária tem também as taxas de juros, que não caem. Isso não complica mais ainda as coisas?
Assis – A contrapartida da despesa financeira do governo é uma receita financeira por parte do setor privado, que faz um bom uso dela. Hoje, o Brasil deve ser um dos poucos países do mundo onde você tem rentista de classe média. Quer dizer, há tantos anos a taxa de juros é tão alta que você acaba introduzindo distorções fantásticas no sistema, inclusive de previdência. Há pessoas que se aposentam, aceitam um PDV prematuramente, contando com uma rentabilidade que foi possível nos últimos 10 anos mas que não é possível nos próximos 10 ou 20 anos!
Bom Ângelo – Gostaria de voltar a um ponto que acho interessante. Quando setores da sociedade criticam o Everardo Maciel, talvez o que se critica não seja o fato de ele estar cumprindo o papel de olhar para as despesas e ter que arrecadar recursos para pagá-las, mas é como as despesas são alocadas. A alocação de despesas do governo brasileiro é péssima.
Zákia – Aí o problema já não é com ele!
Bom Ângelo – Exato, mas ele é o vilão da história, porque é o cara que tira da sociedade para custear a má alocação de recursos.
Zákia – Na verdade, o governo não está trabalhando no âmbito das despesas. O superávit que estamos vendo é resultado, basicamente, do aumento da arrecadação. A carga tributária do País já está em níveis insuportáveis e começa a afetar o setor produtivo. O que se critica é a falta de redução das despesas do governo, sendo que a parte previdenciária vai ser, cada vez mais, um componente importante dessa despesa. Então, a discussão dessa questão deve ganhar prioridade pelo aspecto fiscal.
Bom Ângelo – E até porque o aspecto fiscal leva o sistema de previdência a drenar de 5% a 6% do PIB de outros setores que deveriam ter prioridade do governo para receber investimentos, mas não recebem. É só sair na rua e ver!
Assis – Não é que o ajuste fiscal seja só pelo lado do aumento da arrecadação, como muitas vezes se diz, é também pela redução da despesa. Estamos vendo o sucateamento do setor público. O ponto de partida é política monetária e taxa de juros. Enquanto tivemos o governo gerando despesas financeiras neste montante e os rentistas recebendo essa transferência de renda, com o Congresso incapaz de promover uma reforma tributária, as distorções são inevitáveis. O governo acabando agindo como um grande agente de transferência de renda, aumentando a carga tributária por meio de um sistema tributário completamente distorcido, absolutamente regressivo e, por outro lado, controlando despesas essenciais em troca de um aumento de despesas financeiras.
Martinez – É o contrário do que está fazendo o governo Bush nos EUA, que busca reduzir a carga tributária para incentivar a economia. Está cortando impostos, reduzindo o peso do governo.
Assis – No Brasil, o que o governo está fazendo é tirando de alguns setores da sociedade e repartindo na exata proporção do patrimônio líquido pré-existente, ou seja, quem tem mais recursos leva mais dinheiro. E o sistema de previdência fechada vive um pouco isso, as taxas de juros nos últimos anos foram suficientemente elevadas para que todos os fundos de pensão conseguissem, com exceção de alguns casos em 2001, bater suas metas atuariais com grande folga.
Bom Ângelo – Mas, se isso é verdade, de onde vem a afirmação de que os fundos têm um déficit estrutural de R$ 30 bilhões?
Assis – Ele seria ainda maior se não fosse a leniência das taxas de juros. Você tem anos, como 98, que só na renda fixa se conseguiu fazer várias vezes a meta atuarial.
Magalhães – O fundo bate a meta atuarial hoje, em termos de fluxo, mas o problema é o estoque que ele vai ter de dívida não suportável e como eles foram gerados.
Cutolo – Você pega, por exemplo, os R$ 5 bilhões que a Petros recebeu da Petrobrás. Por quê? Porque na sua origem, quando se criou o fundo, não se fez todo o aporte de recursos que deveria, ou por conta da projeção do atuário que previa que o emprego na Petrobrás iria crescer a taxas muito elevadas ou então porque a própria patrocinadora, lá no início, resolveu adiar seus aportes. Agora, isso é um problema estrutural.
Assis – Não é simples bater a meta 20 anos, 30 anos. Nos últimos 10 anos, por exemplo, foi fácil, foi um ótimo decênio para as fundações.
II – Mas as taxas de juros altas também são um problema para o governo, se ele reduz, torna seus títulos desinteressantes para os investidores.
Assis – Esse é o dilema. Não é um gesto de pura maldade o Banco Central deixar taxas de juros muito altas. Há um problema de risco, a influência das taxas sobre a cotação do câmbio e tem toda uma vulnerabilidade da balança de pagamentos. Não se pode brincar com isso, se brincar com taxas de juros corre-se o risco de voltar ao sistema que vivemos na década de 80, que leva ao fechamento da economia, leva a uma intervenção do BC no mercado cambial, leva à intervenção do BC nos fluxos de remessas de recursos e leva à volta da inflação. Então, é um tema difícil de ser desarmado.
II – Os fundos de pensão estão preparados para conviver com taxas de juros mais baixas?
Cutolo – Não, e nós não temos instrumentos de investimento alternativos.
Magalhães – A gente já começa a perceber demanda por esses instrumentos, nas conversas. Eles estão querendo mudar mas é muito difícil quebrar cultura, os juros ainda estão em 19% com inflação de 5%.
Zákia – Acho que alternativas vão ser criadas. Em qualquer cenário político nós teremos juros reais menores, pode ter uma recuperação econômica de força e aí terão produtos novos, terão os fundos de recebíveis, o mercado de capitais vai ter que se impor. O juro alto inviabiliza a busca desses ativos mais rentáveis, porque neles se tem praticamente tudo, liquidez e segurança. A hora que não existir mais isso, as oportunidades vão surgir naturalmente.
Cutolo – Eu queria colocar um problema e fazer um comentário. Primeiro, tem que rever essa questão de meta atuarial. Meta atuarial foi construída há uns 20 ou 30 anos, com IGP+6%, e é difícil imaginar o País crescendo a 6% ao ano constantemente.
II – Você acha que deveria ser fixado outro critério?
Cutolo – Isso aí foi fixado quando as taxas de inflação eram muito elevadas, quer dizer, oscilavam muito, então 6% representavam muito pouco. Hoje é muito!
Bom Ângelo – É da época em que implantaram a caderneta de poupança, que se tornou o paradigma porque era super popular.
Assis – E o IGP+6% ficou inclusive para os fundos, completamente diferentes, com populações diferentes, idades diferentes, rotatividades muito diferentes.
Bom Ângelo – Com o plano CD você resolve isso! Tem o estoque, mas vai diminuir a pressão…
II – Sérgio Cutolo, você acha que essa diversificação de investimentos virá?
Cutolo – Estamos vendo no mundo todo um movimento forte dos fundos de pensão rumo aos hedge fund, procurando exatamente um ganho apropriado. Eu pergunto: aqui é possível isso? A 2.829 deixa pouca margem de manobra para tipos de aplicação diferenciada. Pode ir para as bolsas, mas tem a limitação de 30%, e isso nos planos CD, enquanto nos EUA os fundos aplicam 54% nas bolsas, na Inglaterra aplicam 53% e por aí vai. Temos todo um arcabouço constitucional e regulatório que avançou, e a 2.829 avançou muito no sentido de dar maior transparência e controle sobre as aplicações, mas ainda temos os mesmos vícios de antes. A 2.829 limita a questão do swap, por exemplo, que pode ser um grande instrumento para o investidor comprar um seguro. Outra coisa é a questão dos derivativos, da forma como foi colocada não levou em consideração o duration e isso pode jogar o investidor a se expor muito ao risco.
Zákia – Provavelmente essas pequenas falhas da legislação vão ser corrigidas com o tempo. O que temos que ver, e não podemos negar, é que a 2.829 foi um tremendo avanço em relação à lei anterior, que conceitualmente era muito falha.
Martinez – Acho que a 2.829 prepara o caminho para a diversificação, que melhora bastante em relação ao que existia, embora possa ter necessidade de alguns aperfeiçoamentos. Mas ela cria uma relação de risco e retorno para os investimentos que, até então, não existia.
Magalhães – Mas acho que o cerne da questão ainda é a taxa de juros. Enquanto for de 13%, 14% ou 15% os fundos não vão nem querer ouvir falar em alternativas de investimento. Tudo o mais é acessório e a Anbid vai brigar para resolver, a Abrapp vai brigar, nós vamos brigar, mas tem que mudar o patamar das taxas em primeiro lugar.
Cutolo – Só prá concluir meu raciocínio, hoje tem uma série de órgãos fazendo normas para os institucionais, tem o Conselho Monetário Nacional, o Conselho de Gestão de Previdência Complementar, a Secretaria de Previdência Complementar, o Conselho Nacional das Seguradoras, a Susep, o BACEN, a CVM etc. O próprio Armínio (Fraga) já falou da necessidade de ter um único órgão tratando desta questão.
II – Zákia, como você vê essa discussão?
Zákia – O problema que o Sérgio está levantando é, sem dúvida, grave porque se pode ter legislações conflitantes. Hoje, o que minimiza um pouco esses conflitos é que o governo tem aquele grupo técnico, que trabalha o mercado de capitais, com representantes do Banco Central, CVM, SPC, Susep etc. Isso tem minimizado esse tipo de problema, mas é evidente que no momento em que você tenha um órgão regulador, uma agência regulatória única, se poderia regulamentar melhor. Mas não é fácil achar técnicos para essa agência reguladora que entendam de todos os segmentos.
Assis – Se se pudesse ter uma composição dos vários órgãos e pudesse fazer simplesmente uma coordenação, uma centralização da filosofia de todos eles, já seria um passo muito grande.
Magalhães – Vocês sabem qual vai ser um dos grandes problemas dessa agência? Quem vai bancar esta agência? Porque, se for o governo vai cair na mesma esparrela que está a CVM, que tem meia dúzia de técnicos e ainda falta dinheiro.
Zákia – Mas dá para realocar técnicos de vários órgãos.
Magalhães – Concordo, mas tem que bancar esses técnicos. Se o mercado não ajudar de alguma forma, não dá. Olha a CVM, não tem dinheiro nem para tirar xerox!
Assis – Frente aos outros problemas, acho que esse é solucionável. Uma coordenação já seria um avanço, pois a maior parte do nosso tempo é gasta tentando conciliar interpretações diferentes.
Bom Ângelo – E isso, sim, custa muito mais do que montar a agência!
Martinez – O que é necessário é acabar com as surpresas regulatórias que recebemos continuamente, com as novas regras, algumas em contradição com outras. É preciso algo mais permanente.
Zákia – O Martinez colocou muito bem sobre a necessidade de perenidade do arcabouço jurídico e legal para os investimentos. Isso a gente só vai conseguir quando não se puder modificar as legislações e as instruções normativas, as resoluções etc. porque isso tem que estar em lei, votada no Congresso.
II – Queria saber a opinião do Martinez sobre as regulamentações do ano passado, se com elas o sistema de previdência fechada está mais preparado para crescer neste ano?
Martinez – Não sei, ainda há problemas. Por exemplo, falou-se aqui de fundos de recebíveis da CVM, mas não se consegue uma definição clara para esses fundos, temos dúvidas ainda. Ainda faltam transparência e clareza para as fundações e para nós, e isso pode impactar o crescimento do sistema. Vou contar o que aconteceu com a gente no ano passado. Consultamos a CVM sobre alguns aspectos operacionais desses fundos e o órgão disse que ainda faltava regulamentar. Quer dizer, as regras dizem que os fundos de pensão podem aplicar até 10% nesses fundos e não têm clareza de como funcionam.
Zákia – Acho que ainda não foi lançado nenhum fundo de recebíveis porque o produto tem características próprias que o tornam mais complexo do que outros produtos e fundos que têm aí, e não tanto por dúvidas. No fundo de recebíveis há os aspectos do service qualificado, o originador do ativo, a empresa de rating vai ter que ter um papel ativo na análise do risco do produto. É um produto que pode ter os mesmos percalços que os primeiros fundos derivativos tiveram em inversão de risco de mercado, só que aí vai ser nível de inversão de risco de crédito.
Assis – Agora, é um pouco desanimador você ver que este fundo de recebíveis vai ser a primeira novidade em anos. Há muitos anos que o mercado roda em torno dos mesmos instrumentos, e com uma perda de liquidez. Hoje tem menos liquidez para derivativos do que tinha há 5 anos. Há 5 anos todo mundo imaginava que em 2001/2002 a gente tivesse opções de venda, vários vencimentos, derivativos sobre uma série de ativos. Na verdade, nesse aspecto a gente andou para trás, na diversidade de instrumentos com os quais as fundações podem operar. O mercado de ações retrocedeu, e hoje a decisão importante na gestão de uma fundação é a alocação entre bolsa ou renda fixa. Se você acerta essa alocação vai ter uma performance muito boa ao longo do ano, se erra não há escolha de ações que resolva o problema.
II – Como vocês vêem os fundos imobiliários como alternativa de investimento?
Magalhães – Acho que é um instrumento válido, que pode crescer junto.
Assis – No mercado institucional isso não é novidade. Há muitos anos, as fundações foram para os fundos imobiliários e tiveram experiências terríveis.
Magalhães – Enquanto tivermos uma taxa de juros de 19%, o custo de administrar uma LFTI é infinitamente menor do que o custo de administrar um shopping center. É uma concorrência desigual.
Cutolo – Além do que, aqui você não tem a figura do gestor desse tipo de ativo, que é comum na economia norte-americana, onde você tem o gestor do ativo trabalhando junto com o gestor financeiro.
Zákia – A gente está aqui discutindo crescimento, estamos a 18%, 19% do PIB e precisamos ir para 24%, 25%, mas para isso temos que ter uma parcela de poupança muito maior, tanto interna quanto externa. A legislação tributária teria um papel fundamental na indução dessa poupança, principalmente nos fundos abertos. Mas hoje não há nenhum estímulo para o alongamento, quando o razoável seria ter alíquotas decrescentes no tempo em função da permanência do investimento. No caso da renda variável é ainda pior, pois você equalizou pela pior alíquota.
Assis – E com uma característica muito perversa, porque um fundo de ações com essa alíquota de 20% é como uma performance firme em favor da receita. No mês que você ganha você divide com a Receita, mas no mês que perde, o prejuízo fica com você. Se no outro mês voltar a ganhar, você dividirá novamente com a Receita. O fato é que você divide o lucro mas assume sozinho o prejuízo.
II – Como vocês vêem os fundos de pensão públicos, dos estados e municípios? Eles crescem?
Cutolo – Os estados não têm ativos e os ativos que têm são ilíquidos, são imóveis super valorizados que não servem para capitalizar o fundo. E aí voltamos para o problema fiscal, que é enorme em função das garantias que o servidor público tem em termos de benefícios. Recentemente, o presidente falou que se pudesse voltar atrás, a única reforma que queria fazer na previdência é o limite de 65 anos para aposentadoria. Esse é o grande problema hoje, a aposentadoria precoce, professoras aposentadas com 30 e poucos anos e uma expectativa de vida de mais de 60.
Assis – Mas tem uma inconsistência temporal que desestimula muito, tanto os governadores como os prefeitos. É o caso de vários governadores que fizeram privatizações para capitalizar os respectivos regimes previdenciários, mas têm que enfrentar a escolha de resolver um problema estrutural, que vai explodir daqui a 10 ou 15 anos, ou fazer uma série de programas de importância imediata. A tendência tem sido a escolha dos programas de importância imediata, evidentemente. E não é porque são políticos, qualquer presidente de uma S.A. faz a mesma coisa na hora de decidir se vai alocar recursos para favorecer o ano ou vai investir em um projeto que irá resultar em benefício daqui a 10 ou 15 anos.
Magalhães – Não é que não vai crescer. Os fundos públicos vão crescer mas eles não têm ativos para começar com um tamanho de sistema razoável, então eles estão na base da lei de responsabilidade fiscal, dá um pequeno superávit bota lá R$ 1 milhão naquela reserva. Vão crescer, mas não no ritmo que gostaríamos.
II – E a previdência aberta, gostaria de saber a opinião do Bom Ângelo sobre suas perspectivas?
Bom Ângelo – Na minha opinião, três coisas podem empurrar o crescimento da previdência privada aberta nos próximos 3/4 anos: em primeiro lugar, ainda existe um mercado não servido importante, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas; em segundo, há as migrações dos fundos fechados, particularmente daqueles com patrimônio abaixo dos R$ 150 milhões, para os PGBLs; e em terceiro há a introdução do VGBL, que com certeza vai trazer uma quantidade de clientes novos para a previdência privada aberta, hoje não atendidos pelo PGBL.
Assis – Acho esses fatores muito importantes, mas o mais importante não é a migração dos fundos fechados para os PGBLs, em função da complexidade da legislação da previdência fechada, mas a preferência das novas empresas pelos planos PGBLs ou pelos multipatrocinados. Já no caso das pessoas físicas, existe um fator fundamental a se considerar, que é o poder aquisitivo da grande maioria da população brasileira. Para a maioria dos brasileiros, pensar em previdência é um luxo inalcançável! O PGBL é visto às vezes como previdência, mas o próprio investidor o vê, muitas vezes, como um investimento e às vezes até de curto prazo. O produto é vendido para 10, 20, 30 anos mas as pessoas muitas vezes compram e sacam dois meses depois, no primeiro contratempo, pagando um IR absolutamente desproporcional.
II – É grande o saque de previdência aberta pouco tempo depois do início?
Zákia – Existe um giro razoável, principalmente nos planos individuais, no varejo. É um giro incompatível com um produto de previdência.
II – Quando ele foi criado, toda a indústria aplaudiu essa possibilidade de resgate rápido.
Magalhães – Uma coisa é ter essa possibilidade de liquidez e outra coisa você exercer.
Bom Ângelo – Eu queria voltar à origem da criação do PGBL, porque eu estava na mesa do grupo que criou. O conceito de investimento longo prazo versus curto prazo foi largamente debatido entre o setor privado, com a Susep, CVM, Banco Central. A pergunta que surgiu na época da regulamentação, em 1996/1997, foi: que investidor, ainda que bem informado, compraria algo que não poderia sair, com prazo de carência de 50 anos? Ninguém! Nem quem estava na mesa compraria!
Assis – Com a taxa de carregamento, o ponto de equilíbrio de um PGBL pode chegar a 10 anos! Se sacar com menos de 10 anos, se perde dinheiro em relação a um fundo mútuo. Então, existe um estímulo para o alongamento, mas é um luxo inalcançável.
Bom Ângelo – Eu gostaria de voltar um pouco à questão dos estados e municípios. Nós levantamos três questões: a inexistência de ativos líquidos, problema fiscal e problema político. Gostaria de colocar um outro aspecto do problema político, que é o fato de estarem pretensamente estruturados como os bancos estaduais e os fundos de previdência pública, que ao longo do tempo foram mal administrados, mal gerenciados e geraram enormes problemas para a economia brasileira. Então, me preocupa que a acumulação da poupança potencial desse sistema possa ser gerenciada por políticos que estão ali temporariamente.
Magalhães – O projeto de lei nº 8 deixa claríssimo que a formação da poupança, uma vez feita, é automaticamente terceirizada para o setor privado.
Zákia – Um exemplo claro: Caraguatatuba tem R$ 12 milhões, botou na mão do Itaú, do Pactual, não importa, não pode mais colocar a mão nesse negócio. É absolutamente esterilizado, e nisso o projeto de lei está fantástico. Inclusive, se não for assim, pode ser num fundo multipatrocinado, ele não tem mais como colocar a mão no dinheiro, e também não pode vender títulos de sua emissão, de qualquer que seja a empresa. Nesse aspecto, o sistema está bastante seguro.
Cutolo – Já que você tocou nisso, tem o aspecto do que aconteceu com a Enron, nos EUA, essa coisa do relacionamento entre patrocinador e fundo de pensão. E não é só em estatal não! A nossa regulamentação, a exemplo da norte-americana, deixa muito a desejar nesse aspecto.
Martinez – Nos Estados Unidos, o governo já está mudando a legislação dos fundos de pensão em conseqüência do caso Enron, limitando a 20% as aplicações do fundo nos papéis da mantenedora. Lá, eles estão aperfeiçoando.
Assis – Aqui, a relação entre patrocinadora e fundação é prevista no regulamento da maioria das fundações. Mas claro que se a legislação abrangesse isso, ao invés de deixar a critério de cada fundação, o sistema ficaria mais seguro.
Magalhães – Sem falar na aceitação de risco. Vamos dar um exemplo de uma fundação qualquer, na qual de repente todo mundo resolveu viver mais do que estava previsto, e ao ficarem viúvos ou viúvas casam de novo e os seus novos maridos ou mulheres vivem mais ainda. Então, a fundação começa a correr um risco que ninguém imaginou ao montar esse negócio. O que ela tem de fazer? Terceirizar o risco com uma seguradora, mas isso era proibido até há 3 meses! É um risco que a maior parte das patrocinadoras não percebeu ainda, pois a fundação não chegou à maturação, mas na hora que chegar, daqui a 5 ou 10 anos, vai começar a perceber.
Assis – A profissionalização da estrutura da fundação parece inevitável, é uma tendência importante. É mais do que a terceirização, pois a terceirização, evidentemente, já existe há muitos anos, mas as estruturas se aprimoram cada vez mais.
Martinez – A tendência é realmente de aprimoramento das estruturas, com as atividades começando a se separar, gestão sendo feita por uma empresa, administração por outra, custódia por uma terceira. Ao contrário do que se pensava, a especialização não aumenta os custos para a fundação, na verdade reduz os custos, pois dá escala.
Zákia – Os custos de serviços, de uma maneira geral, têm caído dramaticamente. Se compararmos as taxas de gestão e de custódia no ano passado e hoje, elas estão baixíssimas. Até acho que a discussão hoje é outra, até que ponto os provedores de serviços podem continuar a prover serviço de qualidade com receitas tão baixas.
Martinez – Realmente, está se cobrando no Brasil taxas inferiores às praticadas nos EUA, sendo que lá o tamanho do mercado é muito maior, os volumes são muito maiores.
Zákia – Sem dúvida, temos volumes de terceiro mundo com taxas abaixo do primeiro mundo. E isto é um problema. No primeiro momento, a indústria está resolvendo esse problema via concentração de assets, mesmo na área de custódia estão restando poucos players no mercado.
Assis – O que acontece é que hoje há uma proporção muito baixa de recursos na renda variável e uma grande concorrência, o que tornam os custos cada vez menores. Além disso, os instrumentos de renda fixa também não se diversificam, portanto o administrador não tem como montar novas estruturas para se diferenciar, então ele vai se diferenciar via preço.
Zákia – Vai acontecer o seguinte: quanto mais diversificação você tiver em relação ao DI, ao fundo padrão, mais potencial você tem para desenvolvimento de gestores de nichos.
II – O problemas desses gestores de nicho é a falta de canais de distribuição, não é?
Zákia – Está acontecendo um fenômeno também do lado da distribuição, com os grandes distribuidores cada vez mais distribuindo produtos de outras assets. Os private banking começaram com isso e isso já está no segmento de personal e constitui uma tendência. Acho que o gestor de nicho que tiver conteúdo, que agregar valor, terá distribuidor e, naturalmente, vai crescer. Nós já tivemos um ou dois gestores neste ano mostrando isso: num mercado em queda, o cara conseguiu crescer porque tinha uma performance diferenciada.
Assis – Não tem dúvida, tem mercado para isso. A minha dúvida é se você vai conseguir ter muitos exploradores de nicho, como você tem o IP etc.
Martinez – Não acho que no Brasil o modelo das assets seja diferente. Vão ter os produtores, que criam produtos, e vão existir outros distribuidores, que os distribuem…
Zákia – Essa tendência já está acontecendo, a gente vê claramente o distribuidor se especializando na distribuição. Conheço distribuidores ligados a conglomerados com assets, private banking etc, que tem 10%, 15% do produto da própria asset e o resto de outras assets!