Para Sérgio Werlang, assessor da presidência da Fundação Getúlio Vargas e sócio da consultoria Tiba, a queda das taxas de juros no Brasil demorou muito a acontecer. “Ficamos muito tempo com ela em 6,5% e o Brasil não conseguia crescer. Estava óbvio que 6,5% estava muito próxima da taxa neutra ou talvez até um pouquinho superior a taxa neutra. Então, tem que colocar a política monetária para funcionar”, disse ele em entrevista à revista Investidor Institucional. Economista, Werlang foi diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) entre 1999 e 2001 e vice-presidente de Controle de Riscos e de Finanças do Banco Itaú entre 2002 e 2012. Veja a seguir os principais trechos da entrevista que concedeu à revista Investidor Institucional.
Investidor Institucional – Qual a tua opinião em relação a queda da taxa de juros no mundo todo? Por que as taxas estão caindo?
Sérgio Werlang – Alguns autores indicam que, entre outras coisas, o envelhecimento da população e a queda da produtividade mundial, tem feito mudanças estruturais na taxa de longo prazo, principalmente na taxa de poupança. Acaba se poupando demais e a taxa de equilíbrio de juros acaba caindo. Mas a meu ver há outros fatores, também importantes. O principal deles é que o setor financeiro não está normalizado, alguns países ainda precisam terminar a reestruturação do seu setor financeiro. Então, você tem causas realmente estruturais, com a população crescendo menos, envelhecendo e mesmo decrescendo em algum momento, e também tem uma queda da produtividade mundial, mas esses dois fatores foram agravados pelas crises financeiras que aconteceram tanto no Japão na década de 90, em 97 mais ou menos, quanto mais recentemente na Europa e Estados Unidos na crise de 2008. Então, para mim, essa é a razão principal razão pela qual as taxas estruturais estão caindo. Se você perceber, esse fenômeno de taxas negativas começou no Japão depois da crise bancária dos anos 90 e no mundo começou depois da crise de 2007 e 2008.
II – Na sua opinião, esses países precisariam aprofundar a reestruturação do setor financeiro?
SW – Sim, a meu ver o Japão ainda tem um trabalho a fazer para terminar a reestruturação do seu setor financeiro, assim como os países que estão com juros negativos de longo prazo. E não estou falando de juros negativos de curto prazo, mas de longo prazo, como acontece na Alemanha, Dinamarca e em outros países que não reestruturaram seu setor financeiro depois da crise do subprime. Nos Estados Unidos, que estão com queda de juros mas são juros positivos a longo prazo, o setor financeiro já está mais normalizado.
II – Nos EUA a taxa está caindo, mas não chega a ser negativa.
SW – Exatamente, esse é o meu ponto. Não chega a ser zero, nem negativa. Nos EUA está caindo um pouquinho, subiu, caiu um pouco, mas está longe de ser negativa. Está em torno de 2%, por aí.
II – O fenômeno da queda das taxas de juros é realmente uma tendência global?
SW – Ela é global se você entende por global os Estados Unidos, a Europa e o Japão, mas não é global se você considera os emergentes.
II – Os EUA estão reduzindo os juros para evitar uma recessão, isso ainda é um mecanismo eficaz?
SW – Sem dúvida nenhuma. Só que, o que acontece quando a taxa de juros está muito pequena é a famosa armadilha da liquidez, que Keynes já tinha mostrado lá atrás que isso poderia acontecer. E isso de fato chegou a acontecer, ou esteve perto de acontecer depois da grande depressão, com juros próximos de zero e recessão. Quando a taxa de juros está muito baixa a efetividade da política monetária é relativamente pequena, de modo que é muito mais importante para estimular a economia utilizar a política fiscal, situação de caixa principalmente, como investimentos públicos e eventualmente queda de impostos, que embora não seja tão eficaz funciona também.
II – No Brasil, a queda da taxa de juros que foi para 5,5% na última reunião do Copom, deve resultar num pagamento menor dos juros da dívida pública. Isso pode trazer algum alívio no ajuste fiscal? Como você vê essa questão?
SW – Sem dúvida, isso é muito positivo. A dinâmica da dívida pública é muito rápida, então com o Brasil voltando a crescer 2,5% ao ano, e isso está quase que contratado se a pauta da reforma da previdência passar, uma taxa de juros de equilíbrio mais baixa pode levar a um equilíbrio da razão dívida/PIB muito mais rápido. E com essa relação mais equilibrada, mais rapidamente a gente poderá voltar a reduzi-la e voltar a ter grau de investimento.
II – A quanto pode chegar a dívida líquida? Qual seu número?
SW – Na verdade eu não estou olhando a dívida líquida, porque depois das pedaladas fiscais ficou uma estatística muito artificial. Na verdade, a dívida bruta eu acho que não vai passar de 80% do PIB, tomadas as medidas corretas.
II – Acha que a taxa de juros no Brasil, embora razoavelmente baixa para nós, é bastante alta para atrair recursos de países desenvolvidos que estão com juros muito baixos ou negativos, como Alemanha, Japão etc?
SW – Não é a taxa de juros que atrai investidor, são as perspectivas de longo prazo do País. A taxa de juros é um dos fatores, mas na verdade o que vai atrair o investidor é se nós teremos investimentos com rentabilidade que seja atraente para a iniciativa privada internacional, basicamente. E é claro que nós temos, porque temos uma escassez enorme de investimentos em infraestrutura. Só pra começo de conversa, temos escassez de investimentos em várias áreas, mas infraestrutura é muito gritante e desde que haja regras estáveis e boa regulamentação dos mercados não há porque o estrangeiro não vir.
II – Alguns acreditam que a vinda dos investidores estrangeiros pode gerar uma corrida aos ativos de risco no Brasil, uma bolha ou algo parecido. O que você acha?
SW – Estamos muito longe disso. Eu diria que isso sequer é visível no horizonte. O que precisamos é aprovar a reforma da previdência, aprovar as reformas estruturais. Esquecer um pouco essa reforma tributária, que é quase impossível de aprovar, e começar a mexer na estrutura de recursos humanos no setor público, fazer uma reforma administrativa importante, como o Rodrigo Maia tem mencionado. Enfim, primeiro precisa resolver o problema estrutural do Brasil, o problema fiscal, para que as pessoas possam investir com tranquilidade.
II – O avanço das reformas, dessas medidas que você citou, podem trazer de volta o investiment grade?
SW – Em breve não, mas eu diria que talvez daqui a uns 2 ou 3 anos sim.
II – Na sua opinião, quais reformas deveriam estar no foco das discussões e não estão?
SW – Em primeiro lugar, em termos de curto prazo não precisaria fazer reforma nenhuma. O Banco Central deve continuar cortando juros, porque ficou um tempão na taxa de 6,5% e o Brasil não conseguia crescer. Então, estava óbvio que 6,5% estava muito próxima da taxa neutra ou talvez até um pouquinho superior a taxa neutra. Então, tem que colocar a política monetária para funcionar. Essa é a primeira coisa. Isso já está em andamento. E em segundo lugar, aprovar a reforma da previdência que é muito boa, espero que o Senado não estrague o excelente trabalho que foi feito pela Câmara dos Deputados.
II – Você tem receio de que ela seja desidratada no Senado?
SW – Tudo indica, pelas declarações, que isso não vai acontecer, talvez possam aguar um pouquinho mas não vão causar nenhum problema maior.
II – Além da questão previdenciária, a máquina pública também precisaria ser enxugada?
SW – Isso é fundamental para resolver estruturalmente o problema fiscal brasileiro, só vamos conseguir resolver isso quando a gente diminuir os nossos lastros não só com a aposentadoria mas também com o funcionalismo público. A partir daí, ou concomitantemente a isso, você pode também diminuir muito os gastos do governo privatizando estatais. Tem muitas estatais que acabam consumindo muito os recursos do governo. Exemplo simples são os Correios, mas tem um monte, como essa EBC, enfim tem muitas estatais que consomem milhões do governo.
II – Na sua opinião, tem que vender?
SW – Você privatiza, ou fecha, essas empresas e concomitante você faz uma reorganização da regulação de alguns setores. No setor de saneamento ela é muito necessária, assim como no setor elétrico e no de gás. O setor elétrico está numa encruzilhada, está demorando um tempão para se reorganizar. Não adianta nada ter uma excelente regulamentação microeconômica de um setor se não houver estabilidade fiscal do país no longo prazo, porque investidor nenhum vem se o país não é fiscalmente estável.
II – Como você vê o conflito entre Estados Unidos e China, que ameaça tornar o comércio global bastante dificultoso, criando problemas para os países emergentes? Isso é uma nuvem no horizonte?
SW – Uma briga comercial entre China e Estados Unidos sempre pode ser uma nuvem no horizonte, principalmente porque a diminuição da desigualdade de renda no mundo têm acontecido através do comércio. O crescimento do comércio internacional até 2008 foi muito acima do crescimento do PIB. Houve uma abertura muito mais agressiva, a abertura comercial foi muito rápida. A partir da crise de 2008 foi que o crescimento do comércio internacional começou a seguir o PIB, ou seja, parou de aumentar. E mais recentemente, principalmente depois do Trump ser eleito, tivemos uma diminuição em relação ao crescimento do PIB internacional. Ou seja, o comércio internacional está crescendo muito lentamente ou decrescendo. Isso não é bom, principalmente para os países emergentes. Contudo, nós temos que lembrar que nós somos grandes fornecedores e competidores dos Estados Unidos em vários mercados, mas de commodities principalmente.
II – Isso pode abrir oportunidades?
SW – Em alguns casos sim, em alguns casos pode ser uma oportunidade para o Brasil. Embora seja uma oportunidade que, enfim, nossa posição relativa não está das piores. Agora, a observação que eu queria fazer em relação a isso é que, no fundo, o mundo pode não ajudar muito o crescimento brasileiro, mas na verdade quem tem capacidade de fazer o Brasil crescer de novo é a gente mesmo, consertando a nossa economia.
II – Seguindo nesse caminho que já está sendo trilhado?
SW – Exatamente.