Como se fosse uma asset | Novo presidente da Petros quer adotar m...

Edição 286 

Na esteira da profissionalização da governança de fundos de pensão de estatais, a indicação de Walter Mendes para a presidência da Petros é provavelmente o principal e mais atual exemplo. Com uma longa trajetória de 30 anos na indústria de assets, com atuações pelo Unibanco, Schroders e Itaú, o executivo conhece muito bem o setor de fundos de pensão. Ele atuou no relacionamento com investidores institucionais por onde passou, principalmente na gestão e oferta de estratégias de renda variável. “Sempre trabalhei muito próximo dos fundos de pensão, mas sempre do lado de lá”, diz Mendes.
Com ampla experiência de mercado, o executivo assume o desafio de gerenciar um déficit avaliado em R$ 22,6 bilhões do segundo maior fundo de pensão do país – atrás apenas da Previ do Banco do Brasil. Para isso, pretende implantar uma nova cultura de gestão na fundação. “A ideia é transformar a gestão de investimentos da Petros em um asset management”, sintetiza Mendes. Ele explica que o objetivo é implantar, dentro das possibilidades legais, uma cultura de mercado de assets no fundo de pensão.
Mendes vinha atuando desde o primeiro semestre do ano passado como membro do conselho de administração da Petrobras. A partir de um trabalho realizado no comitê de auditoria da estatal, surgiu o convite para dirigir o fundo de pensão. Confira entrevista exclusiva na íntegra:

IIO que acha da proposta de profissionalizar a gestão dos fundos de pensão que tramita no Congresso Nacional?
Walter Mendes – Falando especificamente da profissionalização e não necessariamente dos detalhes do projeto de lei, sobre a profissionalização, sou absolutamente a favor. Isso já está acontecendo, todos os projetos de lei, programas de governança das estatais, iniciativas da BM&FBovespa, tudo que se refere a fundos de pensão, principalmente daqueles patrocinados por estatais. Essa profissionalização é muito bem vinda. Todos têm um objetivo bastante claro para reduzir e evitar as indicações e influências políticas nestes fundos. Não apenas evitar indicação política, mas principalmente de pessoas que não sejam da área, que não tenham experiência naquela área. Então, a profissionalização é bem vinda e já está acontecendo, é um processo inexorável.

IIVocê teve atuação no conselho da Petrobras, pode comentar sobre sua experiência na estatal?
WM – No caso do conselho da Petrobras isso também já aconteceu. O conselho é composto atualmente todo por pessoas de mercado. Fiquei um ano e meio no conselho da Petrobras, desde maio de 2015. Tive a sorte de entrar no comitê de auditoria logo no início, logo na primeira reunião. Tive uma experiência excelente com o Nelson Carvalho, que era o presidente do comitê de auditoria, que é um professor especializado nessa área. É uma pessoa extremamente experiente, e quando ele saiu, teve que abrir mão da posição no comitê de auditoria para assumir a presidência do conselho da estatal, eu tive a oportunidade de assumir no lugar dele. Ou seja, assumi a presidência do comitê de auditoria. E foi uma experiência muito rica, pois o conselho da Petrobras está realizando um trabalho excelente, é um conselho todo profissionalizado. Esse mesmo tipo de comportamento será feito na Petros.

IIComo surgiu o convite para presidir a Petros? Foi um convite que partiu do atual presidente da Petrobras Pedro Parente?
WM – Não partiu do Pedro Parente, eu conheço o Parente, mas o convite não partiu dele. Partiu justamente do Nelson Carvalho, que é presidente do conselho, a gente se aproximou muito no trabalho do conselho e do comitê de auditoria. E na verdade, o convite formal foi feito pelo presidente do conselho deliberativo da Petros, que é diretor da Petrobras, o Hugo Repsold, diretor de serviços compartilhados da estatal. O Hugo tomou conhecimento do trabalho que o comitê de auditoria fez em relação ao acompanhamento da fundação Petros. O fundo de pensão foi um dos objetos de atenção do comitê, realizamos uma série de reuniões com a direção da Petros. Nós elegemos no comitê de auditoria algumas áreas que iríamos dar uma atenção especial e a Petros foi uma das áreas de atenção.

IIVocês fizeram uma auditoria na Petros?
WM – Não era uma auditoria especificamente, mas um acompanhamento mais de perto, da governança, dos processos do fundo de pensão. Então, chamamos a Petros várias vezes para fazer apresentações, demos várias sugestões e idéias. O presidente do conselho deliberativo da Petros participou de algumas dessas reuniões. Então, com a decisão da patrocinadora de trocar a direção do fundo de pensão, o presidente do CD da Petros me procurou e ofereceu essa possibilidade. Sabia que eu era da área, profissional da área e que estava acompanhando o trabalho do fundo de pensão. Então, perguntamos para o Carvalho, presidente do conselho da Petrobras, que disse que tudo bem. Em seguida, o Parente concordou também e daí deu certo.

IIComo acredita que a experiência como gestor de assets, principalmente de renda variável, vai ajudar na direção da Petros?
WM – Eu tenho uma ampla trajetória sempre no outro lado do balcão, sempre oferecendo soluções e estratégias para fundos de pensão. Tanto no Unibanco primeiramente, quanto depois na Schroders, meus principais clientes eram fundos de pensão, e no Itaú, que é o maior gestor privado de recursos de fundos de pensão. Então, sempre trabalhei muito próximo dos fundos de pensão, mas sempre do lado de lá. Por isso, conheço bastante os fundos. Acho que essa experiência como gestor de recursos das fundações vai ajudar a dinamizar a gestão de investimentos da Petros. Transformar o máximo possível, dentro das limitações existentes, da legislação. A ideia é transformar a gestão de investimentos da Petros em um asset management. Claro que dentro das limitações da legislação. Mas a direção, o princípio básico é trazer essa cultura de asset management para dentro do fundo de pensão.

IIQuais os aspectos mais importantes para levar essa cultura de asset para a Petros?
WM – Os aspectos mais importantes é levar a cultura, os processos, o acompanhamento de uma asset, por exemplo, estabelecer parâmetros de orçamento de risco, de stop loss, no processo de decisão de investimentos. Também colocar procedimentos de análise de investimentos semelhantes ao de uma gestora, toda uma série de processos utilizados pelas asset managements, que dentro das limitações do fundo de pensão, que obviamente não tem toda a liberdade de um asset management, você pode introduzir. Estou me referindo principalmente a todo processo de investimento, de tomada de decisões e de acompanhamento. Há muito espaço para fazer isso.

IIQuando você diz que pretende transformar a Petros em uma asset, isso daria mais espaço para a gestão interna, dentro de casa?
WM – Não, não, você poderia dar espaço para a terceirização, sem dúvida. Não tem absolutamente nenhum preconceito em relação à terceirização, nem para sim, nem para não. Depende do interesse da gestão, do interesse do fundo. Na verdade, transformar em uma asset diz respeito a gerir de uma forma com os processos de atuação mais semelhante ao de uma gestora de recursos. E naquilo que fizermos a terceirização, a gente vai acompanhar também como uma asset acompanharia.

IIVocê está pensando em fazer mudanças na equipe, levar reforços?
WM – Ainda estamos analisando a equipe interna, é provável que vamos trazer uma ou outra pessoa para reforçar a equipe da Petros. Devem ser pessoas de mercado, da área de investimentos. Ainda não podemos divulgar os nomes, mas em breve poderemos falar.

IICom essa proposta de transformar a Petros em uma asset você está pensando em criar novas áreas? E para isso, precisaria contratar profissionais com experiência específica?
WM – Nós já temos uma boa equipe na Petros. Acho que o mais importante é dar mais instrumentos para essa equipe operar. Então, por enquanto, vemos que tem uma ou outra pessoa para trazer do mercado, mas não é o caso de trocar toda a equipe, de maneira alguma. Tem algumas pessoas que podemos mudar dentro da estrutura atual e trazer uma ou outra pessoa de fora. Mas essa tarefa será realizada em conjunto com o diretor de investimentos [Ives Cézar Fulber], que assumiu há pouco tempo também, há cerca de três meses.

IIA Petros apresenta um alto déficit, com necessidade de um plano de equacionamento. O que vocês pensam em fazer para combater o déficit?
WM – Na verdade, já pegamos a Petros com um plano de equacionamento de déficit, que está elaborado. O que teremos que fazer agora é encaminhar esse plano. O encaminhamento será realizado em duas etapas. A primeira envolve a cisão do plano Petros 1 em dois sub-planos. Temos que dividir as massas porque houve entre 2006 e 2007 uma repactuação de indexadores. Uma parte repactuou o indexador para IPCA e outra parte ficou com os benefícios relacionados ao salário da ativa. Por causa dessa repactuação, existe a necessidade de fazer a cisão do plano, que a própria Previc está exigindo. Logo após a realização da cisão, encaminharemos o processo de equacionamento.

IIQual o tamanho do déficit da Petros, é de R$ 22,6 bilhões conforme foi divulgado?
WM – Esses dados sobre o déficit são preliminares. Depois terão que ser apurados novamente e confirmados. E o conselho deliberativo terá até o final do ano para aprovar e encaminhar o plano de equacionamento para a Previc.

IIQual a sua análise de cenários de juros, mercados e com base nisso o que pode mudar na política de investimentos da Petros?
WM – A taxa de juros nominal tende a cair em virtude da inflação. Isso não quer dizer que a taxa real vai cair tanto quanto a queda da inflação. Não necessariamente a queda da taxa de juros será ruim para os planos. Não diretamente. Primeiro que estamos falando só dos títulos indexados à inflação, temos também que ver a taxa real. Segundo que tem também a arbitragem que podemos fazer, com títulos pré e pós que podemos executar, assim como as assets fazem. Não quer dizer que quando o título público tem taxa menor, você vai deixar de usá-lo. Não é isso, você continua usando. A tendência é a queda da inflação, uma queda paulatina. A taxa de juros nominal deve cair também. Porém, temos um déficit público muito alto, então, temos uma limitação para a queda dos juros reais. A queda da taxa real, na minha opinião, não será tão forte e nem tão rápida.

IIE qual sua análise sobre o mercado de bolsa e demais investimentos de risco?
WM – O mercado de ações teve uma recuperação forte agora neste ano, mas ainda está em um nível muito baixo em termos históricos. Então, você tem que pensar que estamos em um momento de crise, o que acontecia no passado, qual é o nível normal de retornos dessas empresas, para onde vão voltar quando retomar a normalidade? Vimos que muitas empresas reduziram custos, infelizmente reduziram pessoal, tentaram enxugar as operações e tem uma capacidade ociosa muito expressiva em alguns setores. Quando ocorrer a volta do crescimento, você pode ter surpresas em termos de retorno. Acho que tem que ser analisado individualmente as alternativas de mercado. Não necessariamente teremos uma realização na bolsa, temos uma nova perspectiva. A bolsa teve uma alta e agora estamos esperando as reformas que devem acontecer.

IIEntão, você vê uma boa perspectiva para alguns segmentos da bolsa?
WM – A equipe econômica do governo estava até agora em um momento de espera. Mas se tivermos uma reversão para um novo crescimento, acho que depois de dois anos de recessão muito forte, já estamos vendo uma estabilização da economia, acho que teremos um crescimento e algumas empresas podem surpreender. Ainda existem oportunidades na bolsa. Mas isso não quer dizer que nosso investimento em renda variável vai aumentar porque nós já temos um percentual de investimento muito alto em renda variável. Isso porque o nosso portfólio do passado não estava adaptado à realidade do passado. Agora temos que analisar, plano a plano, fazendo ALM de cada plano, teremos que avaliar e ver o que dá pra fazer.

IIDas carteiras já existentes, o que precisa mudar, o que precisa recuperar, por exemplo, nos ativos de crédito privado?
WM – Não dá ainda para adiantar. Ainda vou discutir isso com a área de investimentos. Seria muito leviano falar alguma coisa agora. Teremos que avaliar, analisar até plano a plano. Porque tem planos mais antigos, outros mais jovens, temos que avaliar o perfil das carteiras. De forma global, não me parece que a carteira seja conservadora. Se olha renda variável com 30% dos nossos investimentos e só 53% em títulos públicos. Mas quando você olha os títulos públicos, parece sim conservador, porque praticamente só tem ativos indexados ao IPCA, praticamente não tem estratégias mais ativas na renda fixa.