“Como está não pode ficar”

Edição 161

Adacir Reis, secretário da previdência complementar

Se tem uma coisa que o secretário da previdência complementar, Adacir Reis, não pode reclamar dos seus 32 meses à frente da pasta é da falta de desafios. Desde a luta pela extinção do Regime Especial de Tributação (RET) dos fundos de pensão, vencida há exato um ano, Reis já contornou o bate-cabeça quanto à definição do Imposto de Renda regressivo, já encampou a atualização das premissas atuariais do sistema, publicou a Resolução nº 13 que impõe a adoção de controles internos mais efetivos e ainda enfrentou o rojão que estourou nas entidades que detinham ativos atípicos do Banco Santos, quando da sua quebra, em novembro.
E o mais notável: resistiu à três trocas de comando no Ministério da Previdência Social. Não sem acumular uma crucial derrota nesse período: a não aprovação no Congresso da Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc), que daria autonomia e estabilidade à pasta. Mas Reis não se dá por vencido. Diz que, possivelmente, irá costurar uma alternativa até superior ao modelo da Previc, de forma a garantir uma estrutura de supervisão independente da administração direta. E o pulso firme do secretário será fundamental não só nessa batalha, como também diante do desarranjo político que se instalou no País, com faíscas diretas sobre os fundos de pensão. Entenda o por que nos principais trechos de sua entrevista a esta publicação:

Investidor InstitucionalO sr. Nelson Machado é o quarto ministro da previdência social em menos de três anos de governo Lula. Como essas mudanças afetaram o trabalho da Secretaria de Previdência Complementar (SPC)?
Adacir Reis – Claro que do ponto de vista da administração pública, mudanças sucessivas podem comprometer a eficiência da máquina. Mas a SPC, em relação à sua atividade final, tem uma autonomia institucional razoável porque suas atividades, ainda que orientadas por uma política do Ministério, são executadas até a última instância pela própria Secretaria. E a preservação da equipe na SPC não permitiu que houvesse prejuízo com essas alterações.

IIComo o sr. avalia a não aprovação da Medida Provisória (MP) 233 que instituía a Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc) e quais os seus reflexos no sistema previdenciário?
AR – Isso gerou um prejuízo grande, pois não se deu um passo significativo que consolidaria um modelo e que daria ao sistema maior estabilidade de regras e de comportamento, além de um orçamento próprio. Essa MP não era um projeto de um partido ou de um governo, era um projeto da sociedade e foi sendo construído ao longo de todos esses anos.

II – E por que ela não foi aprovada pelo Congresso?
AR – Não sei. Creio que a crise política contribuiu. Quem se posicionou contra e fez obstrução da pauta foram, basicamente, dois partidos políticos: o PFL e o PSDB. Eu realmente não sei quais foram as razões.

II – Poderia ter sido devido à criação de cargos que a Previc propunha?
AR – Bom, mas nós estávamos criando um novo órgão, que inclusive tinha uma estrutura enxuta. Eram 300 cargos novos, recrutados por concurso público, e outros 300 que seriam remanejados do Ministério. Não se cria um órgão novo – e era consenso a necessidade de uma estrutura mais robusta de fiscalização – sem aparelhar, sem pôr gente lá dentro. Esse argumento me parece muito frágil.

II – Teria sido, então, por causa do orçamento?
AR – Também não creio, porque o orçamento seria específico e oriundo do próprio sistema que topava arcar com aquela taxa. Realmente é algo difícil de entender porque, agora, alguns estão falando por aí que é preciso fiscalizar melhor os fundos de pensão. Mas o governo, de maneira inequívoca, apresentou uma proposta com começo, meio e fim que consistia exatamente em uma estrutura mais robusta de fiscalização. E, no entanto, não recebeu apoio.

II – Quando e como a Taxa de Fiscalização (Tafic) cobrada dentro da estrutura da Previc será devolvida aos fundos de pensão?
AR – Essa questão, se a Tafic vai ser devolvida ou não, está sendo objeto de um estudo jurídico, em análise na própria SPC e também no Ministério do Planejamento. A Tafic era recolhida por conta de um poder de polícia que foi exercido pelo Estado num certo período. Espero que muito próximo a gente tenha uma posição para tornar pública.

II – A SPC pensa em insistir na criação da Previc por outros mecanismos?
AR – Eu entendo que nós não podemos nos conformar com a derrota da Previc. Eu mesmo fui o primeiro a procurar não só o Ministro da Previdência Social, mas também outros setores do governo para dizer que nós tínhamos que construir uma alternativa. Não sei se essa alternativa seria a repetição da Previc. Muito provavelmente não.

II – Até porque, juridicamente, a Previc nem pode ser reapresentada esse ano, não?
AR – Até poderia, mas como projeto de lei comum ou com regime de urgência constitucional. Agora, não sei se a Previc terá seu modelo reproduzido ou se buscaremos, eventualmente, até um modelo superior. Sei é que, apesar de todos os avanços, a estrutura institucional não pode ficar como está. Nós não podemos admitir que uma estrutura de supervisão esteja dentro da administração direta. Tem que ser autarquizada, ter orçamento próprio, carreira e quadros com especialização.

II – Como isso ainda está em discussão, o que foi feito de imediato para cobrir o hiato deixado pela não aprovação da Previc?
AR – Negociei com diversos Ministérios para que a gente pudesse, no contexto da MP 258 [que promoveu a fusão das receitas previdenciária e fiscal], ampliar o quantitativo de auditores que ficariam lotados na SPC. Estávamos com 85 auditores e terminaremos o ano com 212. Para quem, em janeiro de 2003, tinha só 23 auditores, será uma ampliação considerável, ainda que insuficiente.

II – Essa estrutura enxuta seria responsável por eventuais falhas da SPC na fiscalização dos fundos de pensão?
AR – O processo de fiscalização dos fundos de pensão insere-se numa evolução contínua. O sistema hoje é melhor do que ontem, amanhã terá que ser melhor do que é hoje. Isso se aplica também à estrutura de fiscalização.

II –A Real Grandeza, que aplicou grandes quantias nos bancos Santos, BMG e Rural, vinha passando por fiscalização direta da SPC desde maio do ano passado. Por que é um processo tão demorado para se identificar a irregularidade e aplicar a punição?
AR – Veja só, começamos com 23 auditores e ampliamos para 45 ao longo de 2003. Em 2004 fomos para 85. E o auditor chega aqui de outra área do Ministério e tem que ser treinado. Não se faz isso da noite para o dia. No caso específico desse fundo, a fiscalização começou pelo passivo da entidade, por conta de um fato específico que foi a eventual distribuição de um superávit. Às vezes, alguns confundem fiscalização de fundo de pensão só como ativo.

IIE o que foi feito na Real Grandeza?
AR – Fez-se durante alguns meses toda a avaliação de seu passivo, o que ensejou em ajustes de premissas atuariais. E depois fomos para o ativo. No final do ano passado ocorreu o caso banco Santos, que mereceu atenção especial. No início de 2005 avançamos para os outros bancos. É um fundo grande, havia outros ativos. E a investigação requer cuidados. O ideal seria chegar em um fundo de pensão e colocar oito auditores lá dentro, mas não há pessoas hoje para isso.

II – Mas o sr. não acha que a SPC demorou para detectar que vários fundos de pensão tinham aplicações vultosas, por exemplo, no Banco Santos?
AR – Não, porque há todo um conjunto de normas que pautam a gestão de um fundo de pensão. Houve situação em que a fundação teve lá uma perda de 0,006% em relação ao patrimônio, porque aplicou em um fundo de investimento sem sequer saber que havia ativo do Santos. É bem diferente de quem aplica em um CDB [Certificado de Depósito Bancário] de um banco como esse por dois anos, violando as próprias normas internas. Isso deve ser entendido como uma anomalia.

II – Mas fundos como Real Grandeza, Marisol, Silius, Aços e Faceb apresentaram exatamente essa anomalia.
AR – Nesses casos houve constatação de irregularidade por razões diversas, mas isso não leva a uma conclusão de que tenhamos que agir a priori. Temos feito a discussão em torno da própria Resolução nº 13 para que os fundos melhorem seus controles. Então, ao se constatar uma irregularidade, como nesses casos, temos discutido de maneira forte com esses fundos que houve falha nos seus controles internos.

II – E o que foi feito com essas fundações?
AR – A própria Real Grandeza, pelo que me consta, já adotou uma série de medidas. Não só demitiu, mas também adotou novos controles e isso vai contribuir para que esse tipo de erro não se repita. O cerne da Resolução nº 13 diz que não basta, ao constatar uma irregularidade, autuar. Assim como não basta para um fundo de pensão demitir. Isso talvez seja o mínimo. Cabe ao fundo fazer um exercício crítico para identificar e neutralizar esse tipo de problema e de risco.

II – Mas essas fundações foram punidas?
AR – Já houve lavratura de auto de infração, depois houve defesa, e agora está já numa fase conclusiva de julgamento. Pode haver penalidades desde uma simples advertência até a inabilitação do executivo.

II – A SPC detectou algum favorecimento de fundos de pensão patrocinados por estatais federais nos bancos Rural e BMG em razão de possíveis injunções políticas?
AR – Estamos olhando, mas não podemos condenar ou aplaudir um fundo a priori por ter ou não ter aplicação nesse tipo de banco. Seria um juízo precipitado. Se formos considerar as informações prestadas à SPC, a Previ não tem nada nesses bancos. Não digo que isso signifique aplaudi-la. Digo que ela não tem nada. Funcef não tem nada. Petros tem, mas é FIDC [Fundo de Investimento em Direito Creditório], onde o risco de crédito não é nem do banco. É do emissor.

II – Então o sr. refuta a informação de que só Petros, Postalis e Real Grandeza detêm mais de R$ 500 milhões nos dois bancos?
AR – Não sei. Tem que fazer a avaliação, porque seguramente um CDB é diferente de um FIDC em termos de garantia, de desenho e de análise de risco. Assim como têm fundos de pensão que aplicaram em FIDC como esse do BMG e que são de patrocinadores privados. Alguém pode presumir que houve injunção política? Não. Isso está sendo objeto de análise criteriosa e sóbria. Temos que nos pautar pelo rigor das normas que nos orientam e, obviamente, as outras instâncias de investigação são livres para investigar o que bem entenderem.

II – Mas, até o atual momento de análise da SPC, já foi detectado algum indício de irregularidade em algum fundo de pensão com esses bancos?
AR – Na Real Grandeza. Os outros estamos analisando.

II – Como o sr. avalia as críticas de que a SPC seria complacente com a Petros, pelo fato de seu presidente, Wagner Pinheiro, ter sido militante no Sindicato dos Bancários de São Paulo juntamente com o ex-ministro da Secretaria da Comunicação, Luiz Gushiken?
AR – Não há complacência nenhuma e com absolutamente ninguém. Pelo contrário. Estamos fazendo uma discussão firme com a Petros em torno da questão do seu déficit e do equacionamento dos seus planos.

II – E qual é a sua relação com o ex-ministro Gushiken?
AR – Fui assessor especial dele há dez anos, quando ele era deputado federal e fui convidado a assessorá-lo pela minha qualificação técnica. Depois, não tive qualquer vínculo societário ou comercial, como insistem em colocar. Poderíamos ter tido sem qualquer problema, mas não tivemos. E eu vim para cá convidado pelo ministro Berzoini [primeiro ministro da Previdência Social no governo Lula], com quem tive um contato importante na época em que ele já era deputado federal e durante a tramitação do que vieram a ser as Leis Complementares 108 e 109.

II – Durante o seu mandato na SPC o sr. manteve reuniões com o ex-ministro Gushiken?
AR – Cria-se um clima de que, de repente, conversar com uma pessoa ou cumprimentá-la gera suspeição. Mero absurdo. Obviamente, as atribuições institucionais do ministro Gushiken não tinham nada a ver com a previdência complementar. Em duas ocasiões o procurei, assim como procurei vários outros ministros de Estado para buscar apoio em torno de uma agenda que era de interesse do governo: o novo regime tributário e a criação da Previc.

II – O sr. tem conhecimento se o ex-ministro Gushiken exercia alguma influência sobre as decisões dos fundos de pensão patrocinados por empresas públicas, como disse o ex-presidente do Conselho Deliberativo da Previ, Henrique Pizzolato?
AR – Na SPC, o ministro Gushiken nunca, nunca, me procurou para tratar de qualquer assunto de fundo de pensão, assunto geral ou específico. Quero lembrar que quando fui convidado pelo ministro Berzoini para trabalhar na SPC, eu já era autor de livro e professor de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas. Eu já tinha um currículo. Eventualmente um ou outro veículo de imprensa, que eu não sei bem com qual motivação, busca um reducionismo sem qualquer fundamento.

II – O que compete à SPC fazer quando há uma denúncia como a de Pizzolato?
AR – Não vi objetividade na declaração dele. Se houver alguma coisa objetiva a gente vai apurar, mas ali, se me lembro bem, havia algumas insinuações, sugestões, mas nenhum fato concreto.

II – Como o sr. encara as denúncias de que Previ, Petros e Funcef assinaram acordo de compra de ações da Brasil Telecom com um ágio de 300% em relação ao valor de mercado?
AR – A SPC tinha solicitado para os fundos de pensão, tão logo publicado o fato relevante, esclarecimentos e toda a documentação. O material foi apresentado e está na área competente para análise. Isso se deu antes, inclusive, do anunciado pelo Tribunal de Contas. Agimos dentro da discrição que cabe a um órgão agir.

II – E como o sr. vê as críticas da imprensa a respeito do atual nível de transparência da SPC?
AR – Não vou julgar a imprensa. Só acho que não se pode confundir transparência com rigor institucional que um órgão precisa ter. Somos um órgão de supervisão e temos que nos pautar por uma legislação. Temos que ter a segurança da informação. Houve casos em que me pediram cópia integral de um processo. Não temos condição de dar isso. Isso não quer dizer que a Secretaria se fechou. Ela está fazendo o devido. Não é questão de estilo, nem de preferência, nem do perfil do secretário. É a exigência da lei.

II – Mas hoje, por exemplo, não é mais possível acompanhar no site da SPC o ranking dos fundos sob intervenção e dos fundos desenquadrados.
AR – Hoje tem muito mais informação na página do que teve no passado. Muito mais. Inclusive vamos lançar o Guia do Participante, que entrará na página. O nosso site tem toda a legislação do setor. O fundo de pensão tem sido exigido a dar mais informação para o seu participante. O que não pode haver é particularização.

II – Não é de interesse da sociedade saber o que ocorre em um fundo de pensão patrocinado por uma empresa pública?
AR – Estatal é a empresa, não o fundo de pensão. Esse papel cabe ao patrocinador estatal. Agora, em qualquer caso, tenha patrocinador estatal ou privado, a informação plena tem que ser dada ao participante. Pela legislação, a empresa estatal tem que auditar o fundo de pensão, porque ela também responde pela fiscalização dele exatamente porque é entendida como alguma extensão do Estado. Estamos, inclusive, pedindo à Controladoria Geral da União (CGU) que ela exija dos patrocinadores estatais federais a
realização dessa auditoria.