Brant promete regras duras | O ministro da Previdência diz que te...

Edição 97

Roberto Brant,  ministro da Previdência

Derrotado pelo plenário da Câmara dos Deputados, o governo federal não desistiu da idéia de impor regras mais severas à direção dos fundos de pensão. Depois de ver rejeitado o dispositivo que proibia as empresas patrocinadoras de delegar o comando dos fundos a um de seus funcionários ou ex-funcionários, o ministro da Previdência, Roberto Brant (PFL), promete criar regras duras para evitar que eventuais conflitos de interesse coloquem em risco o patrimônio dos contribuintes. “Nós vamos apertar o parafuso na regulamentação”, adiantou Brant. “O dirigente poderá ser penalizado com multa e até inabilitação para gerir fundo”, explicou.
Em entrevista exclusiva à Investidor Institucional, ele afirmou que a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) já está estudando o assunto e deverá solucioná-lo por meio de um decreto ou portaria. “Vamos fazer isso com calma, não com raiva, tendo em vista o interesse de profissionalizar a gestão”, frisou o ministro.
Para ele, a regra aprovada pelo Congresso é desastrosa, pois dá margem a conflitos de interesse e eventuais distorções na gestão dos fundos de pensão. “Uma vez criado, o fundo tem interesses muitas vezes contrários ao do patrocinador”, comentou Brant. Para ilustrar seu raciocínio, ele citou o fato de hoje o governo federal manter sob intervenção 11 fundos privados que deixaram de recolher suas contribuições, irregularidade que não foram denunciadas por um possível constrangimento dos dirigentes desses fundos.
No final de abril, a Câmara dos Deputados aprovou em votação terminal dois dos três projetos pendentes da regulamentação da reforma da Previdência. Um deles estabelece as regras gerais para o setor de previdência privada e o outro determina os parâmetros para a atuação das instituições públicas enquanto patrocinadoras de fundos de pensão. Nas próximas semanas, o governo espera fazer aprovar a última proposta, que autoriza a União, Estados e municípios a constituírem seus próprios fundos de pensão.
A apreciação desse projeto vem exigindo esforço do governo para neutralizar divergências com os partidos de oposição e setores da própria bancada governista. O principal foco de discussão é o modelo do plano, pois os partidos de oposição não aceitam o modelo de Contribuição Definida que foi desenhado pelo governo e defendem o modelo de Benefício Definido. “Disso não abrimos mão”, avisou Brant. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Investidor InstitucionalQual a importância da aprovação das regras gerais para o setor de previdência complementar e das normas para que o setor público possa patrocinar fundos de pensão?
Roberto Brant – Dos dois projetos aprovados, um regulamenta o funcionamento dos fundos de pensão. Este dá um marco regulatório mais estabilizado para o setor, que foi sofrendo mudanças na regulamentação ao longo do tempo. Isso é natural, pois se tratava de uma experiência que estava começando a existir. O projeto cristaliza essa experiência e introduz novidades.

II Que tipo de novidades?
RB – Veja, eu considero moderna a plena portabilidade dos fundos, do direito individual do segurado. O fundo antigo era muito ligado à figura do patrocinador, no tempo em que as pessoas tinham um emprego para toda vida. Agora, com a migração, que é a regra e não mais exceção, a portabilidade torna-se um mecanismo indispensável. Também se ampliou o leque das instituições que podem patrocinar fundos de pensão. Antigamente eram só empresas, agora se estabeleceu a figura do instituidor e poderemos ter sindicatos, associações e grupos de pessoas ligadas por laços que não sejam estritamente econômicos.

II Qual será o impacto disso para o mercado?
RB – A idéia é que se amplie muito o mercado. Os fundos de pensão no Brasil ainda são muito pequenos. Representam pouco mais de 13% do PIB, quando na maior parte do mundo eles representam 80%, 90%, 100% do PIB e, às vezes, até mais do que isso. No Brasil, ainda é uma atividade incipiente. As pessoas continuavam confiando no Estado como provedor das suas aposentadorias. Essa regulamentação visa a arejar o ambiente e criar as condições para que o mercado cresça e os fundos se multipliquem.

IIA nova legislação levará ao crescimento dos fundos de pensão?
RB – Não tenho dúvida de que o mercado deve crescer a partir dessa nova legislação. Sem a portabilidade, a pessoa recebia seu pecúlio e encerrava o assunto. Agora, o ativo vai acompanhar toda a vida útil da pessoa. Além disso, a legislação ficou mais organizada, trazendo mais confiança para a população. Nós também estamos melhorando a regulação. Esses fundos eram deixados soltos, eram muito poderosos.

II O governo chegou a calcular em quanto o mercado poderá crescer?
RB – Não, pois seria imprudente. A realidade é que vai mostrar. Estamos fazendo um trabalho de longo prazo. De todo jeito, o mercado irá crescer, pois haverá o fundo da União e dos Estados. A gente tem esperança de que, criando incentivos, algumas pessoas que são hoje funcionários públicos queiram migrar para esses fundos porque terão perspectiva de uma aposentadoria melhor.

II Qual é o principal ganho com a nova legislação?
RB – É estabelecer regras mais claras para a segurança dos fundos, aperfeiçoar os mecanismos de regulação. O outro projeto, que trata das relações das instituições públicas enquanto patrocinadoras de fundos de pensão, também é importante. Essa é uma área em que se tinha situações absurdas. A idéia é regular essas relações. Nós estabelecemos regras novas que são um progresso, como a proibição para que fundos fechados integrem o controle de empresas, fechando o caráter de fundos estritamente financeiros que eles tinham antes, avançando em situações em que havia muito risco e que pode dar lugar a muita divergência. Veja que as posições acionárias dos grandes fundos públicos estão sempre dando problemas. Nós respeitamos as situações dos que já estão constituídos, mas, daqui para a frente, eles não vão mais participar.

IIO governo perdeu em um aspecto que considerava importante, que é a questão do dirigente de fundo de pensão não ser funcionário da patrocinadora. Como isso aconteceu?
RB – Eu joguei tudo naquilo, que não estava no projeto original. Incluímos depois que eu assumi o ministério. Eu fui para a Câmara, fiquei lá quatro horas tentando convencer as pessoas, mas é difícil. Quando você enfrenta interesses difusos, que são coletivos, não encontra muita resistência. Mas quando o interesse é muito localizado, e esse era localizado em 700 pessoas que são diretoras de fundos, é um interesse que tem nome, CPF. Esses são mais difíceis, pois são privilegiados. Eles têm pleno acesso ao parlamento, aos parlamentares e lutam com muita força.

IIO senhor vai insistir nesse ponto?
RB – Não, nós perdemos em uma lei complementar, por quatro votos apenas. Os partidos de esquerda estão querendo fazer dos fundos um espaço estritamente político. Veja que na Previ você tem três diretores que são eleitos. O fundo de pensão cuida de fazer a gestão de ativos financeiros, que é uma coisa altamente especializada, cada dia mais sofisticada. A cada ano que passa, as habilidades para gerir esses fundos são superadas por novos avanços. Há uma multiplicidade de instrumentos financeiros que vão sendo criados e sepultados a cada ano. Você precisa de uma qualificação extrema, que não pode ser obtida por meio de processo eleitoral, em que ganha a pessoa que é mais simpática, que tem o discurso mais sedutor. Isso é uma tragédia.

II Quer dizer que o governo não está conformado com a derrota?
RB – Veja, no futuro esse assunto poderá ser retomado, mas não no nosso horizonte. O que vamos é, na regulamentação disso, apertar muito o parafuso.

II Como assim?
RB – Vamos apertar mesmo. Já que a diretoria pode ser de funcionários, há um conflito de interesses nas fundações de patrocinadoras públicas e privadas. Nos fundos privados, a maioria das patrocinadoras brasileiras ainda acha que são donas dos fundos. Algumas empresas me procuraram para questionar: ‘pôxa, mas é absurdo, eu fiz o fundo e vocês agora querem me dizer quem é o diretor?’. Eles acham que o fundo é deles. E não é. Uma vez criado o fundo, ele não pertence mais ao patrocinador. Os interesses do fundo muitas vezes são até contrários aos do patrocinador. Hoje nós temos 11 fundos privados que estão sob intervenção porque o patrocinador não recolheu no tempo correto as suas contribuições. E por que isso não foi denunciado instantaneamente? Porque o dirigente do fundo era homem de confiança e da ingerência política do patrocinador. Confundiu-se o interesse do fundo com o do patrocinador.

IIMas o governo não conseguiu convencer a Câmara disso.
RB – É verdade, é uma coisa que nós achávamos relevante mas não conseguimos sensibilizar o parlamento. Então, vamos apertar na regulamentação, e já estamos trocando idéias. Por exemplo, o dirigente que cometer omissão num caso como esse da contribuição será penalizado. Quem não denunciar e não tomar providências será penalizado com multa e até com a inabilitação. Nós vamos fazer isso com calma, não é com raiva não, tendo em vista exclusivamente o interesse de profissionalizar a gestão. Isso é muito importante.

II O governo ainda tem outro desafio, que é aprovar o projeto que permite a criação de fundos pela União, Estados e municípios. O senhor está confiante?
RB – Esse projeto teve o texto-base votado em dezembro e depois foram feitos oito destaques. Parou porque não temos maioria para votá-los. Eu fiz reuniões com as lideranças dos partidos do governo e negociei com eles: dos oito destaques, nós vamos apoiar quatro. Só vamos nos enfrentar (com a oposição) em quatro destaques, mas a base do governo votará unida.

II Os pontos de votação devem ser aprovados?
RB – Devem, pois o que a oposição quer é derrubar o que nós colocamos no projeto: que os novos planos de benefícios não sejam exclusivamente de Contribuição Definida (CD). Se for por Benefício Definido (BD), você tem um passivo na frente a ser pago pela sociedade. Veja a contradição dos partidos de esquerda: a previdência complementar só alcança pessoas com mais de 10 salários mínimos, que é exatamente uma minoria da população brasileira. Os partidos de esquerda querem que os planos sejam exclusivamente por Benefício Definido e que, amanhã, se tiver passivo, que seja pago pelo conjunto da sociedade. Os pobres vão pagar, mais uma vez, pelos ricos. Nós não vamos abrir mão e acho que vamos aprovar com tranqüilidade, pois a base do governo está em consenso nesta matéria.

II Quando será votado? Ainda em maio?
RB – Sim, eu falei com o presidente da Câmara e na segunda semana colocaremos em votação. Depois vai para o Senado, onde é mais fácil, pois temos uma maioria mais clara. Eu espero que até o final do mês nós tenhamos as três leis promulgadas e, aí, fechamos o ciclo da reforma da Previdência. Eu já falei com o presidente Fernando Henrique sobre a sanção dos projetos que já foram aprovados. Talvez venhamos a fazer uma solenidade, mas não definimos nada ainda, pois tem a questão do veto.

IIVeto à quê?
RB – O ministério da Fazenda está querendo vetar, por causa da isenção fiscal assegurada. Esse dispositivo foi mantido porque nós estamos negociando com os fundos – o governo e o ministério da Fazenda – a passagem de um sistema para o outro. O governo disse que, se não chegarmos a um acordo, não tem compromisso em manter esse dispositivo. Mas essa é uma coisa que vamos ver e eu quero ajudar. Vou defender a posição dos fundos nessa questão e vou ver o que podemos fazer para conciliar os interesses.

IIE a regulamentação das leis, quando sai?
RB – Não estabeleci prazo, mas será o mais rápido possível. São portarias, decretos, a maioria portarias, aplicando os novos dispositivos. Não vamos correr demais para não fazer um trabalho ruim. A Secretaria de Previdência Complementar já está cuidando deste assunto. Votando o projeto dos fundos da União, ainda teremos de mandar uma lei, pois o fundo só pode ser criado por meio de lei. Nós já estamos redigindo a lei. Este é o próximo passo. O fundo da União servirá de parâmetro para os fundos estaduais.