Austeridade à toda prova | O ex-diretor do Banco Central, Sérgio ...

Edição 119

Sérgio Werlang,  do Itaú

O ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Sérgio Werlang, que atua hoje como diretor de modelagem e carteiras do Banco Itaú, gostou das medidas anunciadas pelo governo no dia 13 de junho. Mas, segundo ele, a tranqüilidade que o governo espera só poderia vir com um superávit primário bem maior, de no mínimo 5% do PIB.
O executivo olha o cenário turbulento do mercado financeiro com ares de dejà vu. “Há uma percepção meio difusa, meio misturada, do tipo ‘eu já vi esse filme em algum lugar’. Isso sempre volta, aconteceu em diversas ocasiões”, diz ele em entrevista exclusiva à Investidor Institucional. Veja, abaixo, os principais trechos dessa entrevista:

Investidor InstitucionalQual a causa da instabilidade que tomou conta do mercado financeiro nos últimos dias?
Sérgio Werlang – A causa básica é que hoje temos uma relação dívida X PIB e uma taxa de juros que ficam muito justas com o superávit primário gerado. Ou seja, é um superávit primário apenas suficiente, e qualquer oscilação que aconteça nesta relação seria difícil de contrabalançar. Então, nós precisaríamos de um superávit primário muito superior para ter completa tranquilidade. No momento ele é apenas justo, satisfatório, e além de tudo há incertezas quanto ao futuro.

IIQue tipo de incerteza?
SW – Ora, há uma incerteza se o próximo governo seguirá uma política capaz de gerar superávits primários também expressivos, o que faria com que essa relação dívida-PIB caísse ou fosse mantida constante. Então, qualquer incerteza quanto ao futuro acaba se refletindo muito fortemente no presente. Então, eu acho que essa é a razão fundamental da turbulência.

IIHá outros fatores de pressão?
SW– Sim, há a percepção errada que muitos investidores estrangeiros têm sobre o financiamento da dívida do Brasil. Muitos investidores olham um leilão que não foi totalmente colocado, ou qualquer coisa do gênero, e acham logo que a dívida brasileira não está sendo rolada. Mas isso está longe de representar a realidade.

II Não é verdade?
SW – Claro que não. Na verdade, a dívida brasileira teve seu prazo médio estendido enormemente nos últimos três anos e um encurtamento de prazo não seria nada demais. A dívida brasileira já foi rolada na sua quase totalidade, em épocas mais turbulentas, no overnight. Então, nunca houve dificuldade nenhuma de rolagem. Além disso também há uma percepção meio difusa, meio misturada, do tipo “eu já vi esse filme em algum lugar”. Isso sempre volta, aconteceu em diversas ocasiões, a última delas foi no início de 99, quando havia um pessimismo externo extraordinário sobre isso.

IIMas o pessimismo daquela época não ocorreu como reflexo da desvalorização do real?
SW – Isso, exatamente. Mas foi um pessimismo que se mostrou errado. Você tem aí dois componentes: o componente principal é que os fundamentos da economia brasileira são satisfatórios, mas não são confortabilíssimos; o segundo componente é que existe uma percepção de risco exagerada e inclusive errônea, de vários investidores estrangeiros, o que acaba criando o caldeirão que estamos vendo hoje.

IIParte dessa instabilidade começou com a divulgação dos relatórios de bancos estrangeiros, recomendando não comprar posições no Brasil. Esse tipo de relatório não acaba prejudicando muito o País?
SW – É difícil dizer. A verdade é que essas avaliações são independentes e muitas vezes são revisadas por gente que não tem conhecimento profundo das economias locais. As próprias agências de rating têm experiência muito curta de avaliação de risco soberano. Quem exigir delas que sejam precisas, deve esperar uns 50, 100 anos, que foi o tempo que elas levaram para avaliar bem as companhias, já que esse tipo de rating começou no início do século XX. Então, vai levar muito tempo para que elas entendam realmente como as coisas funcionam nos países. Mas o que eu tenho visto é um aumento muito grande da compreensão delas de como os países funcionam. Elas estão saindo da superficialidade.

II A instabilidade que estamos vendo hoje deve continuar até as eleições?
SW – Eu diria que as medidas anunciadas no dia 13 de junho foram bastante boas. Em particular, foi muito bom o aumento do superávit primário. Foi pouco, mas foi um sinal bastante forte de determinação. Outra coisa boa também é que o governo está disposto a estender isso para o ano que vem. O governo está agindo, e numa direção boa. Mas eu acho que, na verdade, só vai haver um completo equilíbrio dos mercados quando os candidatos com maior chance de serem eleitos presidentes da república deixarem bem claro que eles têm uma postura de manutenção, e talvez até mesmo de aumento, do superávit primário. Ou seja, que a austeridade fiscal é, na verdade, um item fundamental da política econômica deles. A meu ver, quando isso ficar claro o mercado vai se acalmar bastante.

IIMas o que parece é que o mercado condiciona essa volta à calma à subida do candidato do governo, José Serra. Ele realmente traz essa tranquilidade?
SW – A meu ver, essa é uma possibilidade. Por outro lado, eu também vejo as declarações recentes dos principais assessores econômicos do PT, que representam o outro partido com bastante chance de ganhar as eleições, como muito tranquilizadoras na área fiscal. Agora, assim que ficar mais claro quais as medidas que serão seguidas, isso pelo candidato do governo e também pelos candidatos dos outros partidos, e que a austeridade fiscal permanecerá em primeiro plano, então nós vamos ver a calma voltar ao mercado.

IIQue tipo de medidas eles deveriam anunciar?
SW – Seria necessário mostrar políticas fiscais consistentes, capazes de gerar superávits primários. Para a austeridade fiscal basta corte de gastos, mas para atingir crescimento sustentado com juro real baixo na economia brasileira só há um caminho: temos de ter um superávit primário grande.

IIQual seria um percentual de superávit confortável e não apenas satisfatório para o País?
SW – O confortável de verdade, e não apenas satisfatório, seria um nível de 5% do PIB. A dívida brasileira é elevada para o custo dela. A única maneira de pagar essa dívida com folga é sobrar um grande superávit primário, foi assim que os países europeus conseguiram arrumar a economia.

IIMas seria possível alcançar esse percentual? Não teria algum reflexo negativo para a economia?
SW– Não teria reflexo negativo nenhum e é perfeitamente possível de ser atingido por meio do corte de gastos. Nós temos lá, no orçamento, os ítens outros custeios e capital, que estão orçados na faixa de 1,6% a 1,7% do PIB. Então, só para te dar um exemplo, a gente conseguiria cortar nesses ítens sem muito esforço, tem bastante espaço para cortar despesas nesses ítens.

IIE em relação ao dólar, por que a taxa atingiu esse patamar?
SW – Bem, devido à instabilidade gerada pelas incertezas eleitorais, há menos investimentos diretos entrando no País e, com isso, o dólar precisa se desvalorizar para compensar essa queda, produzindo maiores superávits comerciais e menores déficits da balança de serviços. Então, a taxa de câmbio se ajusta para que o novo equilíbrio em transações correntes seja alcançado. A administração do BC tem sido muito boa e as respostas muito importantes, no sentido de não forçar o alongamento da dívida pública quando o mercado não quer alongar, e de ter mais espaço para intervenção na taxa de câmbio, se necessário for.

IIQual sua projeção para a taxa de câmbio?
SW– Me parece que qualquer coisa entre R$ 2,60 e R$ 2,75, ou um pouco mais, não me assusta não. Eu acho que são números compatíveis com superávits comerciais que foram gerados no início da década de 90, entre 1992 e 1993, de cerca de US$ 9 bilhões a US$ 10 bilhões por ano. Não me parece que o dólar esteja muito longe do nível de equilíbrio dele. E não acho que vamos voltar para R$ 2,30.

IIÉ mais provável que o dólar suba ainda mais, em vez de cair…
SW – Isso é fácil de dizer agora, mas há três meses você diria isso? O mercado cambial é o mercado de previsão mais difícil. Você pode falar de uma taxa de equilíbrio de longo prazo, mas daí a dizer que o dólar não vai chegar a R$ 2,80 ou a R$ 2,40, isso é muito difícil de dizer, é uma previsão difícil de ser feita e tem grande probabilidade de estar errada. Por isso eu prefiro não fazer nenhuma previsão financeira, mas falar do ponto de equilíbrio levando em consideração as contas externas.

II E a questão da Argentina, volta a preocupar? Fala-se novamente num possível contágio!
SW – O que a Argentina tinha de contagiar o Brasil já contagiou. As exportações vão ser US$ 3 a US$ 4 bilhões inferiores, porque a Argentina já não está comprando da gente. Já tinha caído muito em 2000 e 2001 e neste ano caiu muito mais, por conta da flutuação cambial que eles estão tendo. Enfim, o efeito real já está na conta de todo mundo que olha para comércio externo. Agora, se você me perguntar se vai haver um contágio financeiro aí já é mais difícil de responder, porque não há um modelo que explique com algum grau de certeza como isso ocorre, isso depende da psicologia dos mercados.

IIQual a sua avaliação sobre isso?
SW – Eu tenho certeza absoluta de que não vivemos um início de crise. Eu já vi isso inúmeras vezes no passado, já vi analistas estrangeiros fazendo essa mesma análise e todas as vezes estavam errados. Na crise de 97, na de 98, na de 99, quando teve o efeito Tequila (crise do México). Nós vimos diversas vezes que essas análises foram feitas em relação ao Brasil e à rolagem de dívida e todas estavam erradas.

IIO Brasil é diferente, nesse aspecto, em relação a outros países?
SW – O Brasil é fundamentalmente diferente porque os detentores da dívida brasileira são brasileiros, moram aqui e deixam dinheiro aqui. Todos nós temos nossos recursos aplicados em CDB, poupança. E isso é completamente diferente de países onde a tradição é que as pessoas invistam seu dinheiro fora e grande parte da dívida seja, na verdade, financiada por estrangeiros que têm menos compreensão das realidades locais.

IINa sua opinião, a procura por aplicações mais tradicionais, como a caderneta de poupança, deve crescer agora com a nova marcação a mercado?
SW – A marcação a mercado dos papéis que compõem os fundos de investimento só evidenciou que há títulos de renda fixa que são mais longos e há outros que são mais curtos. A poupança é equivalente a uma aplicação com títulos de um mês, de curtíssimo prazo. Então, a procura pela poupança é por um ativo que tenha menor oscilação na rentabilidade nominal, só isso.

IIE porque o início das novas regras causou esse tumulto todo?
SW – O que está acontecendo é que a indústria de fundos está se aperfeiçoando. O investidor agora começa a fazer a distinção se ele quer fundo de renda fixa que investe em títulos mais longos ou mais curtos. Neste caso, o indivíduo que quer um retorno maior vai preferir investir em fundos que tenham LFTs mais longas, porque o deságio é um pouco maior, e aquele que prefere LFTs mais curta vai receber um pouco menos. Quer dizer, o investidor vai ter um prêmio por estar aplicado no longo prazo. Hoje, um fundo desses deve render 105% a 110% do CDI, em média. Antes rendia 100%.

IIQual a tendência para a taxa de juros?
SW – O que eu vejo é que a desvalorização cambial no Brasil tem um impacto direto na taxa de inflação, principalmente nos preços administrados (tarifas, combustíveis). Então, é natural que o BC aja conservadoramente quando o dólar sobe. O reflexo que essa desvalorização pode ter é um atraso na queda da taxa de juro. A inflação de preços livres está sob controle, o que quer dizer que a inflação desse ano vai ser essencialmente de oferta e não gerada pelo excesso de demanda. A minha projeção para a Selic é de 17,5% no final do ano, se a taxa de câmbio não disparar.

IIO sistema de inflação é essencial para o próximo governo?
SW – É muito importante você ter uma ancoragem das expectativas inflacionárias. Eu acho que o sistema de metas, como existe hoje, mesmo não estando perfeito dá perfeitamente para o gasto. Se é feito com banda, com índice núcleo, sem índice núcleo, isso são detalhes de segunda ordem.

IIMas na sua opinião, como deveria ser?
SW – Na minha opinião o ideal seria ter um índice núcleo, excluindo as tarifas administradas. Eu também introduziria um índice menos volátil, menos suscetível aos choques de oferta. E provavelmente também a banda de oscilação para 1,5% em cada lado. Mas se as bandas fossem ultrapassadas daria para entender perfeitamente, desde que a justificativa fosse consistente. É esse o objetivo do sistema de metas: transparência para permitir a ancoragem nominal dos preços da economia.