Alinhado aos emergentes

Edição 151

Fábio Akira,  do JP Morgan

Não há crise internacional de petróleo, nem Congresso em marcha lenta, que turve a visão que uma das maiores instituições norte-americanas tem atualmente sobre o Brasil. O JP Morgan, banco de atacado e de investimentos presente no País desde a década de 60, mostra confiança na condução da política macroeconômica adotada pelo governo Lula e aposta, inclusive, que existe espaço para melhorias na nota de crédito brasileira ao longo do ano que vem.
Nesta entrevista, o economista-chefe do JP Morgan no Brasil, Fábio Akira, elogia a performance da balança comercial e faz previsões para alguns indicadores econômicos. Até dezembro, diz Akira, um dólar a R$ 2,90, inflação a 7,6%, crescimento de 4,5%, Selic a 17% e investimento estrangeiro em torno de US$ 16 bilhões garantem o bom andamento do País. Nada, entretanto, que nos diferencie sobremaneira dos demais países emergentes, avisa.
Na avaliação de Akira, o Brasil não está crescendo mais do que a média dos emergentes. Em outras palavras, “todo mundo está adotando políticas macroeconômicas responsáveis” e, dessa forma, o JP Morgan mantém a recomendação neutra para Brasil em relação ao portfólio dos emergentes. Mas isso pode mudar, sinaliza Akira, sobretudo se o governo avançar nas reformas microeconômicas e reduzir o elevado nível da carga tributária.
O JP Morgan SA, que se fundiu com o Chase Manhattan em setembro de 2000, tinha, em junho deste ano, R$ 8,71 bilhões de ativos e patrimônio líquido de R$ 1,06 bilhão. O banco atua em diversas áreas, como a de equities, investment banking, institutional trust services e private banking. A seguir os principais trechos da entrevista de Fábio Akira:

Investidor Institucional Um dólar médio na casa de R$ 2,80 é uma posição confortável para o Brasil?
Fábio Akira – Tem sido. Uma das coisas que tem surpreendido nos fundamentos da economia brasileira é a performance excepcional da balança comercial, a despeito de um câmbio sobrevalorizado e do aumento da demanda doméstica. É uma situação inédita no Brasil e o que vemos é uma situação relativamente confortável para a taxa de câmbio.

IIRelativamente por quê?
FA – Apesar da boa performance da balança comercial, o outro lado da equação, que é a conta de capitais, não está tão favorável assim. Em novembro e, principalmente, em dezembro, o fluxo cambial agregado deve ser negativo porque as empresas brasileiras estão preferindo pagar e não rolar suas dívidas externas. Isso, no médio prazo, é positivo dado que o movimento não ocorre por conta de iliquidez e sim por uma espontaneidade do setor privado em diminuir sua exposição em dólar. Então, no final do ano, pode haver uma leve depreciação do câmbio para R$ 2,90.

IIEsses patamares, de R$ 2,80 a R$ 2,90, não afetam a performance das exportações brasileiras, sobretudo em um momento em que os preços das commodities estão em queda?
FA – Não. O Brasil está ganhando competitividade nas exportações por outros mecanismos que não pela moeda. Os acordos bilaterais e todo o esforço exportador do governo, desde 99 para cá, tem compensado a apreciação cambial. O Brasil diversificou não só o destino de suas vendas mas também a sua pauta exportadora, o que protege a performance do saldo comercial de flutuações de preços de commodities. Ou seja, as vendas externas não estão mais só concentradas em agrobusiness, mas também em produtos manufaturados e de alto valor agregado.

IIA continuidade do crescimento econômico brasileiro pode pesar no saldo comercial?
FA – Sim. Para 2005 prevemos uma demanda externa menos forte e um aumento da demanda local derivada da recuperação da renda real dos trabalhadores. Isso pode gerar uma balança comercial ligeiramente mais fraca ao longo do ano que vem, mas sem conseqüências drásticas.

IIO Brasil já fez este ano seis inserções no mercado externo, tanto em euros como em dólares, e em prazos dos mais variados: de 5 a 30 anos. O que permitiu essa receptividade no exterior?
FA – De maneira geral são os fundamentos da economia brasileira que determinam a aceitação de papéis brasileiros no mercado externo, e esses fundamentos têm melhorado bastante. Só que o timing dessas emissões é ditado por fatores de curto prazo ligados à liquidez internacional. Esta, por sua vez, é diretamente afetada pelas perspectivas da política monetária nos Estados Unidos. O governo brasileiro soube aproveitar muito bem as aberturas que o mercado financeiro internacional deu para as emissões.

IIQuais as expectativas do JP Morgan em relação à cotação do barril de petróleo, que já superou US$ 54, e como o Brasil pode minimizar os efeitos desse choque?
FA – Existem fatores tanto do lado de ameaças geopolíticas, quanto da demanda, ligados a fundamentos, como possíveis restrições em relação à capacidade de produção do mundo. É um mix de eventos que está gerando esse estresse maior no preço do barril de petróleo. O JP Morgan ainda trabalha com a projeção de que essa situação se normalize ao longo de 2005.

IIAté lá, novos reajustes nos preços dos combustíveis não estão descartados. Qual seria, então, o impacto desses reajustes na inflação?
FA – Essa elevação no preço do petróleo não está gerando praticamente nenhum impacto do ponto de vista da balança comercial brasileira e a única questão que fica é mesmo com relação ao preço interno do combustível. A gente trabalha, como o próprio Banco Central vem trabalhando, com mais um ajuste ao longo de 2004, que vai afetar a inflação. Mas esse aumento já está precificado.

IIQuais as estimativas do JP Morgan para a inflação?
FA – Prevemos uma inflação de 7,6% para este ano. É muito próxima do teto da meta de 2004, que é de 8%, mas é plenamente justificável pela seqüência de choques inflacionários que impactaram a economia ao longo desse ano. Não só petróleo, mas commodities e principalmente as metálicas, além da aceleração inflacionária de alimentos e vestuário por conta do inverno um pouco mais rigoroso nas regiões sul e sudeste. Tudo isso dentro de um ambiente de retomada vigorosa da atividade econômica. Então, esses efeitos vão gerar uma inflação um pouco mais próxima do teto da meta em 2004, mas não estamos diante de um surto inflacionário. Não há sinais de que a inflação esteja fora do controle.

IIO que nós temos hoje no Brasil: uma inflação que pode ser considerada mais de oferta ou de demanda?
FA – Hoje ela é muito mais derivada de choques de oferta. Porém, existe uma incerteza em relação a como a recuperação da demanda vai afetar a dinâmica de preços daqui para frente. Nós achamos que, mesmo com o País crescendo 4,5% ou talvez até um pouquinho mais nesse ano, isso não vai gerar uma inflação de demanda ou um descontrole inflacionário. Provavelmente, essa demanda levemente mais forte vai gerar uma inflação acima do centro da meta de 2005, mas nada preocupante. A nossa projeção é 5,6% e o alvo do Banco Central é 5,1%.

IIMas, se o Brasil vive uma inflação de oferta, elevar os juros não seria uma dose extra e amarga de remédio? Não seria mais eficiente acelerar o investimento em infra-estrutura?
FA – Sim. Aliás, esse é o risco: se o Banco Central for um pouco mais agressivo na política monetária ele corre o risco de restringir mais o lado da oferta do que da própria demanda. Analisando historicamente, a reação dos investimentos a um choque de juros sempre foi maior que a reação do consumo. Uma elevação mais abrupta dos juros poderia gerar esse efeito negativo nos investimentos e, portanto, na capacidade produtiva. Mas não é o que o Banco Central está sinalizando.

II E o que o BC está sinalizando?
FA – Ele está sinalizando um aumento gradativo da taxa de juros. Na verdade, preventivo, eu diria. Mais com o intuito de mostrar que ele não vai ser leniente com a inflação e que vai tentar controlar um pouco das expectativas inflacionárias para 2005 do que propriamente colocar um freio forte na economia desse ano.

IIAté porque alterações na política monetária levam um tempo para serem sentidas.
FA – Exatamente. Entre seis e nove meses. Então, a política monetária que o Banco Central está determinando agora vai influenciar para o ano que vem. O que nós enxergamos é que esse aumento preventivo, que deve elevar a Selic dos atuais 16,25% para 17% até o final de 2004, deve ser suficiente. Primeiro, para a economia assimilar esses choques de oferta sem grandes efeitos secundários na inflação e, segundo, para que os formadores de preço e as expectativas de inflação para 2005 convirjam para um patamar mais compatível com a meta de 5,1% que o Banco Central está perseguindo agora.

IIComo o sr. vê os aumentos do superávit fiscal no governo Lula, sendo que a última elevação de 4,25% para 4,5% sequer foi pedida pelo FMI?
FA – Acho saudável do ponto de vista de credibilidade e do ponto de vista de dinâmica da relação dívida/PIB. O Banco Central julgou necessário fazer um aumento preventivo na taxa de juros e, por outro lado, o Ministério da Fazenda – dado que a arrecadação estava vindo acima do esperado – julgou pertinente elevar o superávit primário. Eu não acho que a elevação do superávit primário vá substituir a política monetária no curto prazo, mas o que o Banco Central está
fazendo é compensando o aumento da taxa de juros com ajuste no superávit primário de modo que a dívida pública não cresça de maneira tão rápida.

IIAliás, não só a arrecadação tem crescido, mas também a carga tributária. Ela já não está em níveis críticos?
FA – Certamente essa estratégia de elevar superávit primário baseado em aumento de carga tributária não é sustentável no médio prazo. Mas, no curto prazo, acho que é positivo, dado que a arrecadação está vindo mesmo acima do esperado e é melhor poupar isso e gerar um superávit primário maior do que gastar e aumentar ainda mais a relação dívida/PIB. Mas, certamente, esse é um dos pontos que o governo tem que atacar. Um nível de 36% a 38% de carga tributária é insustentável em um País que quer crescer mais. O que a gente está enxergando é o governo, ao longo de 2005, fazendo algumas concessões e tentando melhorar um pouco a qualidade da carga tributária para desonerar o setor real da economia.

IIComo o sr. avalia as recentes medidas tributárias editadas pelo governo, como a MP 206 e 209?
FA – Não sou especialista no assunto, portanto não olhei com tanto rigor, mas a iniciativa de criar um incentivo para investimentos de médio e longo prazos certamente é bem-vinda. É esse tipo de iniciativa à investimentos de longo prazo que futuramente pode favorecer o alongamento do perfil da dívida pública doméstica, que ainda é muito curta.

IIQual a recomendação de investimento do JP Morgan para os títulos da dívida brasileira?
FA – A recomendação ainda é neutra em relação ao portfólio de mercados emergentes, mas o banco está otimista em termos gerais, especificamente com o Brasil em função da performance de contas externas e do mix de política macroeconômica. Só que todos os outros países emergentes também estão fazendo mais ou menos a mesma coisa, também estão tendo uma performance de crescimento expressiva ao longo de 2004. O Brasil não está crescendo mais do que a média dos emergentes. Todo mundo também está adotando políticas macroeconômicas responsáveis, então isso não gera uma recomendação acima da média para a dívida externa brasileira.

IIUm ranking elaborado pela consultoria americana AT Kearney apontou o Brasil neste ano como o 17º lugar mais atrativo para IED. É a colocação mais baixa desde que a AT começou a divulgar a pesquisa, em 98, feita junto a executivos das maiores empresas do mundo. O sr. concorda com o resultado?
FA – É preocupante. Esse indicador mostra que, a despeito da correta política macroeconômica que vem sendo aplicada, a sustentabilidade do crescimento econômico e a segurança em relação ao marco regulatório não estão totalmente consolidadas no País. Esse dado é um alerta para o governo para que ele se esforce um pouco mais na área de reformas microeconômicas na qual, ao longo de 2004 e do ponto de vista de produtividade do Congresso, ele não foi brilhante.

IIQuais reformas, por exemplo, estão na lista das emergenciais?
FA – A melhora do marco regulatório e o aumento da segurança institucional em relação a investimentos vêm desde ações do Congresso até uma eficiência maior, por exemplo, na concessão de patentes e na redução do custo e da velocidade da abertura e fechamento de empresas. É todo um arcabouço institucional que gera um ambiente mais seguro para investimentos. Tem muita coisa pela frente, os projetos de PPPs [Parcerias Público-Privadas], a lei de falências e a regulamentação das agências reguladoras e do próprio código judiciário.

IIQual a previsão do JP Morgan para entrada de Investimento Estrangeiro Direto (IED) em 2004 e 2005?
FA – O número deve ficar por volta de US$ 16 bilhões a US$ 17 bilhões esse ano, principalmente por conta da operação da Ambev. O que a gente vê é uma recuperação gradual para um patamar de US$ 1 bilhão por mês até o final do ano. Isso deve se manter ao longo de 2005 e, com uma consolidação das dúvidas em relação ao crescimento e ao arcabouço institucional, pode até aumentar para US$ 1,1 bilhão a US$ 1,2 bilhão por mês, o que levará o IED para US$ 15 bilhões no ano que vem.

IIE a expectativa para a taxa de investimento em relação ao PIB nos mesmos períodos?
FA – Está acontecendo uma forte recuperação da produção de bens de capital, o que sugere uma recuperação da taxa de investimento dos níveis baixíssimos de 2003 de 18% para um patamar em torno de 19,5%, 20% para esse ano e talvez um pouco acima de 20% para 2005. Isso garante que a economia cresce 4,5% este ano e 3,5% o ano que vem sem muitos gargalos. Mas um crescimento mais de médio prazo, nos próximos cinco ou dez anos, exige certamente uma taxa de investimento bastante superior a 20% e isso eu ainda não tenho em perspectiva.

IIEmbora o JP Morgan não seja uma agência de classificação de risco, o sr. concorda quando o governo reclama que as agências não estão avaliando o Brasil corretamente?
FA – Nós mesmos soltamos um relatório há um mês sinalizando que o rating do Brasil estava atrasado em relação aos fundamentos da economia. Houve redução da vulnerabilidade externa, em função das políticas fiscal e monetária, e redução do risco político. Por isso argumentamos que o Brasil poderia ter uma ou duas notas acima daquilo que as agências estavam sinalizando naquela época. De lá para cá, as três principais agências anunciaram elevação na nota de crédito para Brasil. Pelas nossas projeções melhoras adicionais na nota de crédito para o Brasil ainda podem vir ao longo do ano que vem.

IIO que muda para o Brasil se o democrata John Kerry vencer as eleições presidenciais americanas?
FA – O que poderia afetar o Brasil, que é a condução da política monetária, nos Estados Unidos independe da escolha do presidente. Então não se vislumbra alterações de curto prazo significativas para o Brasil em função das eleições americanas. (AC)