Ainda longe do efeito Orloff | Para o economista chefe da Porto S...

Edição 303 

Para o economista-chefe e estrategista da Porto Seguro Investimentos, José Pena, o Brasil não é a Argentina amanhã. Enquanto temos um déficit em conta corrente de 1% e Selic por volta de 4%, nosso vizinho ao Sul tem um déficit em conta corrente de 5% e juros de 40%, o que nos coloca numa situação bem mais confortável para atravessar um movimento mundial de apreciação do dólar. Que também nos afeta, embora com menos intensidade, diga-se de passagem. Para Pena, o que pode nos colocar no olho do furação e na mesma rota da Argentina, que recentemente teve que ir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para pedir um socorro financeiro, são os resultados das eleições de outubro, quando escolheremos o presidente que nos governará pelos próximos quatro anos. Segundo Pena, se optarmos por um candidato menos comprometido com a agenda das reformas, o efeito Orloff será inevitável.

Investidor InstitucionalComo vc analisa essa disparada do câmbio na Argentina, que fez com que ela tivesse que bater à bater do FMI em busca de ajuda?
José Pena – Tem várias razões, algumas de origem externa e outras de origem doméstica. De origem externa, primeiro que temos uma economia americana atípica, com um mercado de trabalho abaixo do seu nível de equilíbrio. Potencialmente, podemos ter pressões crescentes nos salários e consequentemente indícios de inflação, e isso eventualmente pode levar o FED – banco central americano – a acelerar o ritmo de aperto monetário, ao contrário, por exemplo, do que acontece na Europa, onde o Banco Central europeu não vislumbra fazer uma elevação de juros. Então essa dicotomia entre o ciclo monetário americano, por um lado, e o europeu e de outros países desenvolvidos como Japão, Inglaterra e outros, por outro lado, tende a favorecer uma apreciação do dólar em relação a vários países.

II É o caso dos países emergentes?
JP – Exatamente, mas não é apenas essa dicotomia entre o ciclo monetário americano e o europeu e de outros desenvolvidos que favorece a apreciação do dólar. Temos também uma certa desaceleração do ritmo do crescimento global, especialmente na economia europeia, e esse já é o segundo motivo. Terminamos 2017 com o mundo crescendo forte, mas na virada de 2017 para 2018 houve uma desaceleração nesse ritmo, particularmente na Europa mas também em outros lugares do mundo. Além disso, houve um aumento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China e um aumento das tensões geopolíticas, primeiro na Siria e agora, mais recentemente, tivemos a saída unilateral dos EUA do acordo nuclear do Irã, o que joga muita pressão sobre o preço do petróleo. Então, há um conjunto de fatores que jogam a favor da moeda americana e não apenas em relação à Argentina, ou aos emergentes, mas a todas as moedas do planeta.

IIMas por que especialmente em alguns países, como acontece hoje na Argentina, essa valorização é tão grande?
JP – O diferencial dos juros dos Estados Unidos em relação aos outros países está se abrindo, e aí eventualmente o capital fica mais seletivo, começa a buscar onde ganha mais ou, eventualmente, onde perde menos. No caso específico da Argentina, ela tem um déficit em conta corrente ao redor de 5% do PIB e depende de muito financiamento do exterior, o problema todo é que na medida em que vai subindo juros dos Estados Unidos a tendência é que você tenha uma saída de recursos da Argentina.

IIEsse é o diferencial do Brasil em relação à Argentina?
JP – O Brasil também tem necessidade de financiamento externo, mas o déficit em conta corrente aqui é muito menor em comparação com a Argentina. Aqui é menor que 1% do PIB, e ainda assim a gente tem visto uma valorização importante do dólar aqui, mas há pelo menos dois fatores particulares, nossos, que ajudam a entender isso. O primeiro é que temos hoje o menor diferencial entre a Selic e taxa básica de juros americana dos últimos 20 anos. Nunca esse diferencial foi tão baixo, e quanto menor o diferencial de juros mais o dinheiro sai daqui e vai buscar um retorno ajustado ao risco mais interessante nos Estados Unidos. A diferença entre a Selic e a taxa básica americana há dois anos era de cerca de 14% e hoje estamos falando de algo ao redor de 4%. É normal que o Brasil perca parte da atratividade que tinha com aquele juro mais alto. E o segundo motivo é o aumento da incerteza com relação a eleição.

IIO mercado teme o resultado das urnas?
JP – Muito recentemente havia uma percepção generalizada no mercado financeiro de que o eleito de outubro próximo seria alguém com perfil reformista. Bom, ainda não há nada nas pesquisas mais recentes que indique o contrário, por enquanto, mas o grau de convicção dos agentes econômicos em relação a eleição de um reformista hoje é menor do que era, digamos, um ou dois meses atrás. Isso também aumenta o risco percebido para o Brasil e, consequentemente, gera pressão sobre o câmbio.

IIO avanço das reformas, tanto na Argentina quanto no Brasil, poderia evitar essa desvalorização de moedas?
JP – Poderia ter tidos movimentos cambiais menores, mas nenhum movimento eu acho que seria muito difícil, nenhuma moeda relevante teve. Algumas tiveram variações modestas, mas o dólar valorizou praticamente sobre qualquer moeda relevante. Óbvio que o avanço maior, tanto no Brasil quanto na Argentina, de ajustes estruturais, teria nos colocado no grupo que teve menor variação, mas não teria como se livrar de alguma desvalorização.

IINo Brasil, qual o papel que teve o controle da inflação na questão cambial?
JP – Estamos com a inflação dos últimos 12 meses abaixo do piso do intervalo da meta. A meta é de 3% a 6% e estamos com a inflação por volta de 2,8%, 2,9%. Então, mesmo que ela produza alguma pressão adicional nos preços, isso não é um quadro em que nos coloca numa situação complicada como já tivemos no passado. Não é o caso da Argentina, que está com inflação mais alta e que já foi obrigada a subir o juro para 40% para tentar conter a inflação e a desvalorização. Aqui o Banco Central baixa os juros para trazer a inflação para o centro da meta, então os juros baixos e esse menor diferencial entre a Selic e a taxa básica americana da nossa história, explicam parte dessa moderada desvalorização do real em relação ao dólar.

IIQuer dizer que, com a queda dos juros, nós estamos estimulando a desvalorização cambial?
JP – A queda dos juros traz a desvalorização do câmbio sim. A questão é a intensidade e a velocidade desse movimento. Como a gente tem uma certa folga na inflação, isso provavelmente mantenha o BC e Copom em uma situação relativamente confortável a ponto de provavelmente cortar a Selic, a despeito dessa depreciação cambial a 10%. Isso certamente é um conforto que a gente tem agora. Se a gente estivesse brigando com inflação ao redor do teto da meta, como aconteceu recentemente, uma desvalorização desse tamanho estaria fazendo muito mal para o Brasil, colocando o BC na posição de ter que considerar uma alta de juros.

IINa sua opinião o conceito Orloff, que diz que nós somos a Argentina amanhã, não se sustenta?
JP – Não, na verdade a foto hoje é muito distinta, o que não quer dizer que dependendo da decisão que a gente tomar como sociedade em outubro, nas eleições, não possa nos aproximar deles num período relativamente rápido. Mas hoje são condições econômicas bem distintas, é perfeitamente possível evitar que a gente se aproxime do quadro atual da Argentina. Mas se a gente optar por alguém, em outubro, que não tenha compromissos com reformas, eu diria que a gente poderia ter uma piora importante e nesse sentido se aproximar das condições que a Argentina vive hoje.

IINa sua opinião, que ativos ganham e que ativos perdem com a atual desvalorização da moeda?
JP – É complicado, pois há variantes. Na bolsa por exemplo, empresas exportadoras como as de papel e celulose, por exemplo, têm uma parcela grande do seu faturamento definido em dólar e não necessariamente seu passivo é afetado pela variação cambial. Então, normalmente são ganhadoras líquidas. E o inverso é verdadeiro, grandes empresas que tem maior parte de sua geração de caixa em reais tendem a ser afetadas negativamente por esse movimento do câmbio. Mas dizer que a bolsa, como um todo, ganha ou perde, é complicado. Há papéis que ganham e há papéis que perdem. Na renda fixa, é a parte mais longa da curva que é mais sensível à política monetária porque reflete o temor do eventual descontrole mais à frente. O que temos visto é a inclinação da curva de juros nos últimos dois, três meses, a manutenção da inflação baixa no curto prazo e muitas vezes o aumento no médio e longo prazo, então põe um prêmio na parte longa. Mas a verdade é que todo mundo eventualmente será afetado, uns mais, outros menos, dependendo do pedaço da curva ou do papel da bolsa que vai comprar.

IIComo a Porto seguro está se posicionando em relação a essa questão cambial? Tem algum movimento preventivo ou alocação estratégica sendo feita por conta dessa alta cambial?
JP – Um pedaço desse movimento era esperado, pelas razões que citei acima. Não exatamente nessa velocidade ou intensidade. Quando olho para os fundamentos, para o nível de déficit em conta corrente, para o nível da taxa efetiva de câmbio, e assumindo que a eleição produza um resultado razoável do ponto de vista de eleger alguém que tenha capacidade de levar a frente uma agenda mínima de reforma, não vejo esse câmbio no patamar de R$ 3,60 como sustentável. Não tenho razão para acreditar que esse é o novo patamar sustentável da taxa de câmbio.

IIUm candidato reformista faria cair o câmbio?
JP – De fato, hoje o grau de incerteza é grande. Tenho a impressão de que, dependendo do desenrolar dessa campanha, podemos até ter um câmbio mais depreciado se o eleito não tiver esse compromisso com reforma, inclusive superando o patamar atual, mas o inverso é igualmente verdadeiro. Tenho a impressão que esse nível de preço reflete um risco quase que binário da eleição, mas o grau de agressividade é muito pequeno. Acho temerário abrir uma posição vendida relevante agora, como tampouco parece óbvio que vale a pena comprar dólar achando que ele vai continuar se valorizando. Mas se for um reformista, você pode contar que essa taxa de câmbio vai voltar logo depois da eleição.