“Ainda bem que ajustamos logo” | Sem o ajuste, a distorção entre ...

Edição 123

Luiz Fernando Figueiredo, do BC

Para o diretor de política monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, a antecipação da data para iniciar a marcação a mercado dos papéis das carteiras dos fundos, de setembro para maio, foi uma necessidade em função da distorção que se criava entre investidores munidos de mais informações e aqueles com poucas informações, que pagariam a conta ao final da festa se nada fosse feito. “Não tínhamos outra solução senão implementar de uma vez a marcação, o que foi feito”, diz ele em entrevista a Investidor Institucional. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:

Investidor InstitucionalPara começar, eu gostaria que você explicasse um pouco os motivos pelos quais o BC implementou de forma tão rápida essa política de marcação a mercado?
Luiz Fernando Figueiredo – O primeiro ponto é o seguinte: nós fizemos a marcação a mercado no final de maio porque estávamos sentindo uma grande distorção no mercado de fundos, com as cotas de vários fundos sem refletir o valor real das suas carteiras. Alguns fundos já estavam marcando a mercado, e portanto não tinham essa distorção, mas outros estavam alterando gradualmente as suas cotas e uns ainda nem tinham começado. Então, como não sabíamos qual seria a performance dos títulos públicos dali para a frente, até por ser um período de mais incerteza, sentimos que essa distorção poderia crescer e criar uma assimetria de informação entre o investidor mais qualificado e o menos qualificado. Nessa situação, aquele mais qualificado poderia sacar e deixar o prejuízo com o pequeno. Então, não tínhamos outra solução senão implementar de uma vez a marcação, o que foi feito.

IIMas o prazo era setembro, não era?
LFF – Na verdade, essa regulamentação já tem muitos anos, já era vigente há três ou quatro anos, não me lembro a data ao certo, mas o fato é que os bancos não a estavam seguindo. Nós demos uma possibilidade de fazer um ajuste gradual, que não funcionou, então nós fizemos de uma vez.

IIMas todos estavam esperando a mudança só para setembro.
LFF – Inicialmente não era setembro, era junho, mas depois mudamos para setembro para dar mais tempo à indústria. Acontece, como já disse, que de um lado vários fundos já estavam marcando, outros estavam marcando gradualmente e outros nem tinham começado a marcar. De outro lado os títulos estavam perdendo valor, ou seja, o desconto nos títulos públicos estava crescendo e essa distorção estava aumentando e gerando um problema sério: o investidor não conseguia mais comparar que fundo era melhor que o outro! Não tínhamos outra forma de agir senão tomar a decisão que foi tomada no final de maio, de fazer o ajuste.

IIMas isso não corrigiu o mercado, só criou mais distorções.
LFF – Infelizmente os títulos públicos perderam valor, como nós achávamos que fosse possível. Mas ainda bem que nós fizemos o ajuste, porque senão a distorção entre o valor da cota e das carteiras seria ainda maior e geraria mais problemas para o pequeno investidor.

IIPorque resolveram abrandar as regras agora?
LFF – Passado esse tempo todo, ou seja, de maio até agosto, nós olhamos a performance de todos os fundos, todas as carteiras já ajustadas há três, quatro meses, nós achamos que tinha sentido que os títulos de até um ano, ou seja, aqueles que vencem 1 ano a partir de então, que eles pudessem ser marcados pela curva e isso fosse o preço de mercado.

IIMas porque não tinha sentido antes e tem agora?
LFF – Porque, primeiro os títulos já estão ajustados, ou seja, as cotas já refletem o valor de hoje de mercado; e segundo, esses títulos mais curtos são os que tem a menor volatilidade, portanto menor impacto na cota dos fundos, então tinha sentido fazer; e terceiro, isso não prejudica, pelo contrário, protege o investidor, principalmente o menor. Essa foi uma medida tomada pela CVM, claro que num acordo conosco, mas além disso tomamos outras duas medidas, uma delas para um programa de troca de títulos de longo prazo por mais curto prazo e outra para um programa de recompra.

IIQuanto terá disponível para esses dois programas, de troca e recompra?
LFF – O de troca, ele é em aberto, nós já fizemos R$ 19 bilhões e a recompra R$ 5,9 bilhões. Então, os programas foram muito bem sucedidos até agora. Nós estávamos dispostos a fazer um programa, tanto de recompra quanto de troca, bastante grande, anunciamos que o de recompra seria de 11 bilhões e dissemos que poderia ser estendido. Mas, na prática, o que nos temos visto é que a demanda pela troca e a demanda pela recompra está menor do que esperávamos.

IIA que você atribui isso?
LFF – É que os títulos estão melhorando, ou seja, os fundos estão mais estáveis hoje, os saques diminuíram, já tivemos até dias com fluxo positivo em vez de saques nos fundos. Depois, os títulos que estão na carteira desses fundos têm se valorizado.

IIQuer dizer, o aumento da liquidez diminuiu a necessidade de recompra.
LFF – Exatamente.

IITenho ouvido críticas à política do BC de ter alongado demais os títulos da dívida do governo, deixando o mercado sem títulos com vencimento para 2002, jogando tudo para 2004. O que acha dessa crítica?
LFF – Acho que é absolutamente equivocada, não tem o menor sentido. Quanto menos títulos nós tivermos vencendo ao longo do ano de 2002, que é um ano eleitoral, melhor. Torna-se mais fácil administrar esse período de maior incerteza. Nós fizemos em 1999 um programa de alongamento da dívida, que tem sido muito bem sucedido. A dívida tinha um prazo médio de 14 meses e hoje, mesmo depois de toda essa redução que nós fizemos para melhorar o mercado, o prazo médio é de 32 meses. Além disso, quando o Tesouro coloca ele coloca o título que o mercado está demandando e não o contrário. Ele não está forçando o mercado a comprar, é o contrário, o mercado demanda, demandou alongamento, e como era nossa intenção alongar nós vendemos.

IIO fato de ter fundos de renda fixa com papéis mais longos e outros girando apenas no overnight não cria uma distorção no mercado, não cria uma confusão na cabeça do investidor?
LFF – Não, na verdade não cria. O que acontece é que aquele que está com o dinheiro no overnight não vai ter volatilidade nesse fundo, mas a rentabilidade vai ser muito mais baixa que o outro, que tem uma carteira mais equilibrada, com títulos públicos, caixa, títulos de médio prazo e títulos de longo prazo. Esse segundo fundo pode ter um pouco mais de volatilidade, mas com certeza ele também terá mais rentabilidade.

IIMas apenas no longo prazo.
LFF – Não, esse fundo na verdade é um mix, tem títulos de curto, médio e longo prazo.

IIEssa turbulência toda mexeu com a confiança do aplicador? Os que perderam e saíram voltam?
LFF – Sem dúvida que o aplicador se perguntou porque os fundos mostraram uma volatilidade maior do que tinham mostrado na história, desde a sua criação. Mas o que nós vimos foi muito na margem, se você olhar a indústria ela perdeu em torno de 10% do seu patrimônio, que para uma indústria que oferecia 0% de volatilidade não é uma perda tão importante. No momento em que está acontecendo é uma perda muito dura, não estou dizendo que não seja, mas não é tão dramática. E estamos vendo que os saques estão, na verdade, acabando e até estamos tendo dias de aplicações líquidas, ou seja, o investidor não se abalou definitivamente.

IIAlguns críticos dizem que o Banco Central demorou muito a intervir no mercado, dando liquidez. O que você acha?
LFF – Acho que foi no momento apropriado.

IIMas a indústria já estava perdendo R$ 56 bilhões.
LFF – Isso é ao longo do ano todo, de maio para cá era muito menos. Antes de maio já tinha perdido bastante, tinha outras questões influenciando.

IIA situação se estabiliza daqui para a frente?
LFF – Sem dúvida que os sinais são muito claros nessa direção. Nós precisamos olhar com mais tempo, mas claramente estamos vendo uma estabilização na indústria de fundos.

IIA questão do dólar ainda deve afetar a indústria de fundos?
LFF – Eu acho que não. Hoje nós estamos num período muito mais estável do que estávamos há um mês atrás.