“A previsibilidade já não existe” | Quatro observadores de cenári...

Edição 104

David Gotlib (Deutsche Bank Investimentos); Robert Van Dijk (Bradesco Asset Management); Marcelo Giufrida (BNP Paribas) e Jorge Simino Jr. (Unibanco Asset Management)

O ataque terrorista a Nova York lança uma série de dúvidas sobre as economias mundiais, notadamente a dos EUA, com reflexos diretos sobre o Brasil. Para falar sobre o tema, reunimos quatro observadores de cenários de primeiro time. As opiniões, como era de se esperar, convergiram em muitos aspectos mas não em todos, como nota-se no acompanhamento da entrevista feita simultaneamente com David Gotlib, diretor executivo do Deutsche Bank Investimentos, Robert Van Dijk, diretor-superintendente da Bradesco Asset Management, Marcelo Giufrida, diretor vice-presidente do BNP Paribas, e Jorge Simino Jr., diretor executivo estrategista da Unibanco Asset Management.

Investidor InstitucionalQuais são as consequências dessa tragédia que aconteceu em Nova York?
David Gotlib – Depois do evento do dia 11, ouvi muitas pessoas dizendo que o mundo seria diferente a partir dessa data, e isso foi uma coisa que me deixou muito confuso. Passados alguns dias, em função dessa nova situação na qual parece que se perdeu um pouco da credibilidade do poderio que os EUA tinha até, acho que uma das coisas que fica claro é a certeza de que, a partir de agora, a previsibilidade não existe. Nós podemos acordar amanhã com notícias de situações que não tínhamos pensado ainda. Acho que deveríamos aceitar que, a partir de agora, toda a parte de modelagem, toda a parte de estruturação mais fundamentada precisa de um certo cuidado porque podem vir eventos que, em 24 horas, modificam as coisas. Em função disso, acredito que, primeiro, é provável que os EUA façam uma ação contra alguém numa intensidade forte; e, segundo, e essa é uma probabilidade menor que a anterior, poderá haver novos eventos.
Robert Van Dijk – Um pouco dentro do conceito que o David resumiu, acho que todos nós, observadores de cenários, hoje temos uma única certeza, que é a incerteza dos rumos que as relações internacionais poderão tomar nos próximos dias e, provavelmente, nos próximos meses. Essa incerteza se dá em vários campos, no campo das relações políticas, no campo das relações econômicas. Antes do dia 11 de setembro, acho que todos nós concordávamos, com maior ou menor ênfase em alguns pontos, de que havia uma desvalorização econômica mundial e também alguma perspectiva de recuperação desse processo de desenvolvimento econômico mundial a partir do ano que vem, já no primeiro semestre para alguns analistas mais otimistas e apenas no segundo semestre para outros analistas não tão otimistas. Hoje, eu acho que toda e qualquer previsibilidade que se queira fazer fica prejudicada, uma vez que a nossa maior certeza é a incerteza das reações a esse ataque a Nova York. A intensidade da reação norte-americana, quem serão os alvos dessa reação, como vão se estabelecer as relações políticas e econômicas a partir desse fato, isso tudo contribui para que o risco passe a ser, a partir de agora, algo predominante na cena das decisões de investimentos de todos os agentes.
Marcelo Giufrida – Acho que não tenho do que discordar dos colegas. Mas estive olhando uma coisa um pouco mais operacional, peguei alguns indicadores dos últimos anos, até a época da 2ª Guerra, e por eles a gente vê claramente que tem um excesso de reação do mercado quando acontecem eventos políticos internacionais. Se pegar, por exemplo, a 2ª Guerra, Pearl Harbor e tudo mais, nós vemos que entre o começo da 2ª Guerra e Pearl Harbor o mercado tinha caído 30%, e de Pearl Harbor para a frente o mercado entrou numa trajetória de alta que teve momentos de realização de lucros e subiu 100%. Quer dizer, o marcante mesmo é que o bombardeio à Pearl Harbor desencadeou uma recuperação. Obviamente que nem sempre a história se repete, mas existe uma certa tendência do mercado reagir primeiramente de uma forma negativa e depois se recuperar. Se olharmos outros episódios mais recentes, como a crise da Rússia, crise da Ásia, Guerra do Golfo e tudo mais, você percebe que primeiro tem uma queda, cuja média foi de 8% nos últimos principais eventos, e uma recuperação depois que se inicia o conflito, numa média de 4%, 7% e 13% para os períodos de 1 mês, 2 meses e 4 meses, até ultrapassando a primeira baixa original. Obviamente isso é olhar para o passado e não para o futuro, dado que essa crise parece ser a maior em termos da história americana. Mas o que temos a dizer é que há um espaço para uma queda, pois só para se alinhar com as Bolsas do resto do mundo os EUA teriam que cair uns 10%, mas depois poderia sobrar espaço para uma recuperação.
Jorge Simino Jr. – Gostei da abordagem do David, acho que temos que ser um pouco mais humildes e lembrar que estamos tratando com um evento não-econômico, e traduzir um evento não-econômico para a esfera do econômico e depois ainda transferir isso para a esfera do preço dos ativos é um negócio muito complicado, pois o grau de previsibilidade baixa tremendamente. Eu concordo com o Giufrida, acho que tem um excesso de reação negativa no começo, mas acho um pouco complicado saber se esse excesso é efetivamente um excesso, por dois motivos: primeiro, é muito difícil saber qual é a extensão da crise, porque embora seja certo que haverá uma retaliação não sabemos qual será a extensão nem qual a sua intensidade; e segundo, há dúvidas se poderá haver outra resposta, porque não sabemos se estamos falando de um grupo terrorista, de dois ou de três que entraram em acordo para promover essa ação, e portanto você pode ter uma segunda onda se a resposta for muito forte. Em resumo, estamos falando do terreno das dificuldades de previsibilidade e, sob esse ponto de vista, acho difícil dizer se uma queda de 10% ou 5% é pouco ou muito. Agora, do ponto de vista regional, que é a preocupação central, claro que essa crise dificulta as coisas para nós em várias frentes, dificulta muito em termos de balanço de pagamentos, tanto na faixa de transações correntes quanto na faixa de capital.

Investidor InstitucionalQuais serão os efeitos econômicos mais imediatos?
David Gotlib – Acho que a falta de previsibilidades sobre a crise vai detonar uma aversão ao risco de uma maneira generalizada. Em termos de mercado internacional, é provável que as bolsas continuem um processo negativo e, pessoalmente acredito bastante nisso, o dólar vai perder de uma forma significativa terreno para outras moedas, o franco suíço, o euro e mesmo o yen. Então, do ponto de vista internacional, eu veria um cenário muito negativo.
Robert Van Dijk – Eu diria que essa aversão à risco significa, evidentemente, flight to quality (vôo seguro) em algum sentido, e vai ser bastante interessante de entender o que vai significar esse flight to quality. Mas, de qualquer forma, para nós, se já tínhamos alguma dificuldade acho que o fluxo de capitais passa a ser mais comprometido ainda. Então, eu diria que vamos viver momentos onde a tônica será o conservadorismo dos investimentos, aplicações buscando flight to quality e os mercados emergentes prejudicados principalmente no que diz respeito a fluxo.
Marcelo Giufrida – Levando em conta a hipótese otimista, que haverá uma retaliação concentrada e não haverá outros atos terroristas, o gasto americano que vai ser feito na área militar e na área de reconstrução da parte de tecnologia de Nova York, se for aprovado esse budget de US$ 40 bilhões, entrará no setor da economia americana que está mais capenga e terá um efeito multiplicador muito grande. Obviamente, isso pode ser anulado se houver uma profunda queda da confiança do investidor, mas se o Fed realmente cortar os juros para evitar que o orgulho americano fique por demais abalado e os principais bancos de investimentos conseguirem acalmar o mercado, acredito até na possibilidade de um efeito expansionista na economia americana, que é o que todo mundo estava esperando antes. Então, apesar de vivermos muita preocupação pelo lado político, acho que o lado econômico não é de todo ruim. No aspecto regional, acho que a economia americana vai se fechar cada vez mais, devendo sobrar menos “migalhas” para os países emergentes de um modo geral. A nossa sorte é que estamos do lado certo do muro, no bloco dos países cuja situação da liderança americana é bem inconteste. Acho que esses sonhos de verão, de o Brasil ficar tentando resistir à Alca, isso acabou, os EUA vão querer um posicionamento muito mais claro dos paises aliados. O único problema nessa história toda é que o petróleo está do lado de fora do muro.
Jorge Simino Jr. – Eu não compartilho dessa visão, de dizer que “através de gasto militar pode ser que se consiga retomar o crescimento da economia americana”. Para mim, o vento é claramente negativo, só é difícil dizer o quão negativo ele é. Adicionalmente, eu tenho uma preocupação muito grande com a situação da Argentina, que só foi salva da beira do precipício no ponto em que as autoridades governamentais mais sênior dos EUA entraram em campo, a partir do John Taylor, e acho que nessa altura do campeonato a energia deles para esse tipo de assunto é muito, muito baixo. E a Argentina, na minha visão, vai voltar a estressar depois das eleições de 14 de outubro, só que eu não sei quanta energia receberá dos caras. Internamente, acho que a situação ficou bastante complicada do ponto de vista de precificação, seja de bolsa, seja de juros, até porque o mercado entrou numa onda de que “olha o Copom na próxima 4ª feira vai ter que subir os juros”. Subir juros para quê? Quem está mandando dinheiro para fora está absolutamente insensível ao custo de oportunidades, não adianta você botar a taxa em 23%, 24% ou 25%, não é isso o que move, isso só coloca dificuldade adicional para cumprir a meta inflacionária. E, só para a terminar, comentando a frase do Giufrida de que o petróleo está do outro lado do muro, acho que para nós o petróleo é um ponto importante e se subir, com esse tipo de taxa de câmbio, teríamos que fazer pelo menos mais duas tranches de reajuste.

Investidor InstitucionalO Brasil deve se preparar para um cenário de recessão, devemos esperar alguma coisa nesse sentido?
David Gotlib – Antes eu queria fazer um comentário sobre o posicionamento do Giufrida, sobre a possibilidade de recuperação. Acho que tem um fator que atrapalha um pouco essa possibilidade: os mercados, principalmente o americano, está numa situação onde os preços e os portfólios em equities são muito grandes, diferente do que era no passado. Então, esse é um ponto que tem que ser relevado porque se, por algum motivo, o investidor ficar preocupado e quiser diminuir ou resgatar, isso terá um efeito muito ruim. Sobre a recessão aqui dentro, acho que é uma possibilidade factível sim, porque a balança de pagamentos do Brasil tem que fechar, e sempre fecha de alguma forma, e uma forma de fechar é com uma desvalorização cambial aumentando naturalmente as exportações, então ela fecha de uma forma recessiva. Então, essa possibilidade se tornou factível sim.
Marcelo Giufrida – Acho que nós já estamos em recessão. Eu compartilho um pouco essa visão de que juros agressivos agora teria pouco efeito no sentido de conter a saída de capital mas teria muito efeito no lado do aumento do custo da dívida. Acho até que o próprio Banco Central tem essa visão, pois tentou e com algum sucesso nos últimos dois dias, conter a alta do dólar mediante a venda de títulos cambiais, que não vinha fazendo há muito tempo. Quer dizer, dentro das armas que dispõe, ele preferiu começar pela venda de papéis cambiais que é uma coisa que o FMI não gosta muito. Do outro lado, a inflação realmente é um problema, não só pela alta do petróleo que o Simino comentou como pela alta do dólar, que o David comentou. Tanto a alta do dólar como o próprio sistema de tarifas públicas joga a inflação num patamar acima da meta do ano que vem, e para que ela fosse atingida seria preciso, de um lado, contar com alguma deflação em outros grupos como alimentos, etc, o que não é impossível mas não é muito provável, ou com uma taxa média de dólar menor do que está agora. Então, um aumento de juros só se justificaria na atual conjuntura como uma tentativa de baixar a taxa de câmbio, e mesmo nessa visão não é consenso entre os analistas, pois já começa a surgir aquela famosa dicotomia de que os efeitos positivos da taxa de juros, a partir de um certo momento começam a deixar o investidor desconfiado.
Robert Van Dijk – Eu também acho que nós já estamos num processo recessivo. Alguns aspectos que eu queria comentar, e acho que o Simino colocou muito bem a questão da balança de pagamentos, que sem dúvida nenhuma é o ponto fundamental da nossa problemática. Lembrando um pouco o nosso saudoso professor Mário Henrique Simonsen, “a inflação fere, mas o câmbio mata”. Poderemos, eventualmente, até conviver com algum processo inflacionário maior do que aquele inicialmente imaginado mas precisamos usar a instrumentalização mais adequada para fazer frente a esse momento. Certamente, esses episódios acentuam alguns fatores de preocupação que já estávamos vivendo. A Argentina continua sendo um fator de preocupação, a chuva é outro e, de qualquer forma, esse não é do nosso domínio e torcemos para que São Pedro continue nos presenteando com chuvas, pois todos os experts dizem que nós temos que ter um índice médio de chuvas que atinja, pelo menos, 70% da média histórica dos últimos 5 anos, e temos ainda o ano eleitoral que a cada dia que passa se torna mais presente e mais vivo. Tudo isso alinhado levam àquela visão que eu disse anteriormente, que a tônica que vai preservar é o conservadorismo, são evidentemente momentos de decisão onde você abre mão de rendimento pela segurança.
Jorge Simino Jr. – Acho que a possibilidade de entrar em recessão, e só para qualificar não acho que seja uma recessão profunda mas só uma queda maior da atividade, acho que ela é real e bastante concreta. A minha expectativa sobre política monetária e meta de inflação é que o Banco Central não faça uma leitura ortodoxa do modelo, mesmo porque o modelo tem regras que permitem a ele esclarecer que a ultrapassagem da meta se deve a fatores absolutamente excepcionais, ou seja, o momento em que estamos vivendo é claramente uma situação historicamente prá lá de excepcional. Se a meta é 3,5% para o ano que vem, e não tem a menor chance de fazer 3,5%, a discussão é se será 4,5%, 5% e pode ser até mais, a preocupação do Banco Central deveria ser explicar o porque da ultrapassagem e não tentar lutar para colocar a inflação próxima da meta, porque primeiro vai ser inócuo do ponto de vista de balança de pagamentos, vai levantar preocupação com a dívida como o próprio Giufrida já falou, e segundo vai nos levar para um patamar da atividade econômica muito ruim, que certamente trará reflexo para o lado eleitoral. Para o candidato do governo ganhar o país não precisa estar crescendo 5% ao ano, mas com queda de 3,5% do PIB não tem chance nenhuma.

Investidor Institucional – Os organismos internacionais, fundamentalmente, FMI, poderiam ter uma postura mais flexível com relação a essa questão de metas inflacionárias, considerando a excepcionalidade dessa situação?
Jorge Simino Jr. – Eu creio que sim, porque como já disse anteriormente, a situação me parece prá lá de excepcional. Tudo bem nós alguns problemas internos, mas a partir do dia 11 de setembro, pegando a primeira frase do David, o mundo ficou diferente.
David Gotlib – Eu acho que isso é que nem uma doença, depende da gravidade. Você vai correr e pode sentir dor nos joelhos mas, se de repente você está com uma doença mais forte, a dor dos joelhos você nem lembra. Eu acho que eu não saberia nem responder, e vou voltar ao que o Simino comentou sobre a Argentina: se a Argentina tivesse que fazer o pacote de US$ 8 bilhões com o FMI agora, ela nem conseguiria chegar em Washington. Então, enquanto esse cenário se mantiver, quem vai ter cabeça para discutir a inflation target no Brasil, se era 6% e foi para a 7%? Talvez eu esteja errado, mas acho que vão ter tantos outros problemas, como por exemplo em quanto vai estar a taxa de câmbio aqui, nesse cenário? Sabe, ficou imprevisível, o Armínio pode ir lá e dizer “somos todos seres humanos, ninguém faz milagres”. Se tiver uma guerra, ou o nome que se queira dar pois eu nunca vi uma guerra sem um local específico, você vai atacar o quê? Aquele pedacinho ali, onde está um fulano que teoricamente tem que ser eliminado! É muito difícil isso! A gente não pode esquecer a Guerra do Vietnã, que tinha um local e os EUA terminou aquilo porque foi uma dor de cabeça.
Robert Van Dijk – Acho que quando eu disse que a única certeza que nós temos são as incertezas com as quais vamos ter que conviver, são justamente as dificuldades de avaliarmos num contexto político e num contexto econômico todas essas variáveis que cercam o episódio, e nisso eu concordo com o David.
David Gotlib – Perfeito, eu estou 100% de acordo com você, concordo plenamente. É difícil de responder… não sei responder.
Rober Van Dijk – Essa dificuldade eu compartilho em número, gênero e grau com você, David.

Investidor Institucional – Como fica o lema lançado pelo presidente Fernando Henrique, “exportar ou morrer”. As exportações estão irremediavelmente comprometidas?
Jorge Simino Jr. – Primeiro, a exportação não sai da pauta, só que no curto prazo ela ganha uma dificuldade adicional. Aliás, o ministro Celso Lafer lembrou recentemente que a gente tem relações comerciais com os países árabes desde a década de 70, e se o conflito se espalha, seja de que forma for, certamente no curto prazo a gente terá um problema a mais.
David Gotlib – Deixa eu aproveitar o teu gancho, Simino. Me veio uma imagem na cabeça, e acho que todos nós aqui temos uma certa idade para lembrar do que vou falar, não sei se vocês se lembram daquelas fitas cassetes que enrolavam inteira com aqueles gravadores vagabundos que a gente tinha, então você tirava a fita cassete do gravador e pegava aquele monte de coisa e dizia “eu vou conseguir colocar isso em ordem”! Mas, depois de meia hora, você pegava a fita e jogava no lixo! Então, as coisas estão completamente confusas, enroladas. Sobre exportação, eu vou colocar um problema ainda maior: o que é que vai acontecer com a China? Ela depende da exportação para respirar!