A Previc está no caminho certo | Favorável a políticas econômicas...

Edição 355

Veterano do sistema de previdência complementar fechada, onde começou a militar 34 anos atrás na PreviSiemens, Carlos Henrique Flory é um dos ícones desse sistema. Ele trocou a direção da PreviSiemens pela Fundação Petros no ano 2000, onde ficou até o início do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi substituído pela gestão de Wagner Pinheiro. Voltou para São Paulo e assumiu em seguida o Iprem (Instituto de Previdência Municipal de São Paulo) e depois o Ipesp (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo), que tornou-se o germe do fundo de pensão dos servidores públicos do Estado de São Paulo, o Prevcom, do qual foi o primeiro presidente. Defensor de uma política econômica mais liberal, Flory diz que a Previc foi um órgão extremamente intervencionista nos últimos quatro anos, e que contraditoriamente, é num governo mais intervencionista como classifica o do PT que a Previc parece estar buscando reduzir a intervenção regulatória nos fundos de pensão, o que apoia. Veja a seguir os principais trechos da entrevista que concedeu à Investidor Institucional:

Investidor Institucional – Eu começaria perguntando a você, baseada nessa experiência longa que você tem dentro do sistema de previdência fechada, quais são as principais dificuldades que esse sistema enfrenta hoje?
Carlos Henrique Flory – Cada vez que a gente acha que está melhorando, que vai acertar, vem uma coisa nova e muda tudo, muda as regras, muda as pessoas. Então a cada quatro anos o setor público brasileiro perde a memória, o eleitor elege outro governador, outro prefeito, outro presidente, ou reelege e aí pode ir até a 8 anos, mas quando não reelege quem perde sai com toda sua equipe e os que chegam querem começar tudo de novo. Como se, dos que estavam lá, ninguém entendesse absolutamente nada do assunto. Eu diria então, para resumir, que falta uma estabilidade de longo prazo nas leis e regras. Não vou dizer quem está certo e quem está errado, mas durante os últimos quatro anos havia uma visão liberal de mercado, de deixar o mercado funcionar, e agora há uma outra visão, mais intervencionista. Então, eu me preocupo muito.

Está se referindo à Previc?
A Previc é o maior exemplo, mas só que ao contrário. Num governo liberal nós tivemos na Previc dirigentes que eram extremamente intervencionistas, baixavam legislação a torto e a direito. Era uma gestão que interferia muito, legislava muito, praticamente a cada semana saía um normativo novo. Agora num governo que se diz intervencionista entrou uma nova gestão na Previ que está querendo reduzir esse regulamento todo, que está dizendo que tem que diminuir a intervenção regulatória, diminuir o custo de atender a toda essa massa da estrutura do Estado voltada para isso, reduzindo algo que traz custos elevados para a entidade. Eu diria que na Prevcom, e as outras fundações não fogem disso, quase a metade do trabalho que nós fazemos é para prestar informação aos órgãos que se dizem reguladores.

Tem um excesso de órgãos reguladores?
Tem aqueles que realmente são reguladores, por lei, como o Conselho Fiscal, o Conselho Deliberativo e os órgãos de fiscalização dos patrocinadores, como o Tribunal de Contas do Estado, além da Previc com suas exigências diferentes, e às vezes até conflitantes, mas além disso tem também o Tribunal de Contas da União que quer exercer esse papel em entes que não são federais. Tudo isso causa um custo enorme para a entidade. Eu acho que deveria ter uma regulação que dissesse, na lei, que tipo de informação a instituição tem que prestar e a quem.

Não tem uma certa esquizofrenia nisso, um governo liberal com uma Previc intervencionista, e um governo intervencionista com uma Previc menos normatizadora?
Sim, muita esquizofrenia. E apesar de todo esse pretenso controle, de toda pretensa fiscalização, não conseguiram evitar os males que foram feitos em algumas fundações. Então, não adianta nada você criar governança, criar regras, capacitação etc se não tiver caráter. Sem caráter, não adianta você legislar em nada.

As regras deveriam ser mais perenes?
Sim, isso. Mais perenes. Deveriam ser definidas de uma forma tal que não é o fiscal de plantão que muda. Entendeu?

Qual a tua opinião sobre as orientações recentes da Previc?
Eu acho que está num bom caminho. O discurso do Ricardo Pena num evento na Câmara Americana foi no sentido de menos interferência, menos legislação. Foi o que ele falou o tempo todo, e vira e mexe ele citava o meu nome, o que muito me honra, mas eu quero parceria com a Previc. A mensagem que foi dada naquele dia para o mercado em geral foi muito positiva. Agora, uma coisa é o discurso e outra é a prática. Vamos ver!

Quais são os principais pontos que você viu de positivo no discurso?
Primeiro, essa questão de não ter tanta legislação. Nos últimos anos toda semana a gente tinha um normativo fresquinho saindo do forno. Não pode ser assim, não pode. A gente não tem estrutura para aguentar isso. Então, a promessa agora é que isso aí não acontecerá mais. Ele ainda disse que muitas daquelas regulações vão ser revistas.

São os casos do provisionamento de risco e da regra que obriga a vender os imóveis físicos até o ano 2030, por exemplo.
Sim, essas e outras que não me lembro agora. A regra do provisionamento de risco, por exemplo, era um absurdo. Quando eu aplico num fundo de renda fixa do mercado eu parto do pressuposto de que não só a estrutura da organização está cuidando disso como tem a CVM, tem o Banco Central, fiscalizando o banco. Acontece uma Americanas da vida e nós é quem somos responsáveis… Por que? Porque comprou debêntures da Americanas. Mas como é que lançou no mercado? Quem autorizou ela a lançar? Não fomos nós! E por que a CVM não fiscaliza?

Estão transferindo a responsabilidade?
Exatamente. Transferindo a responsabilidade e o custo. Porque para fiscalizar a gente tem que contratar uma consultoria, isso tem custo. Eles querem que a gente, como investidor, fiscalize aquilo que está nos portfólios dos nossos gestores e tenha que fazer provisionamento de risco. Ah, para com isso!

O sistema de previdência complementar fechado cresce basicamente entre servidores públicos, tornando-se mais ou menos semelhante aos sistemas dos Estados Unidos e países da Europa. Os fundos de pensão de funcionários públicos serão as grandes fundações do Brasil?
Bem, esse é o meu discurso desde que comecei a trabalhar nesse segmento. Nós sempre acreditamos, e dizíamos isso 15 anos atrás, que a previdência do servidor público equivale à previdência das estatais que começou lá nos anos 70, com Previ, Petros, Funcef e hoje são os maiores fundos de pensão brasileiros. Daqui a 40 anos, 50 anos, a previdência complementar do servidor público vai ser o que hoje representa para o sistema as fundações das estatais. Vai ser tão grande ou maior que a Previ, Petros e Funcef que temos hoje.

E o que seria necessário para esse caminho fosse mais rápido?
Eu diria que precisaria que dirigentes dos entes federativos, no caso do Estado de São Paulo os governadores e secretários, assim como dirigentes das patrocinadoras, tivessem uma visão de Estado e não do seu mandato. Porque todos os que vêm olham os seus quatro anos e não os próximos 50 anos. Muita coisa nós não conseguimos fazer porque cada dirigente que vem pensa só no seu mandato.

Que coisas vc deixou de fazer na Prevcom?
A inscrição automática, por exemplo, que nós propusemos mas foi vetada. Hoje a gente seria bem maior se a inscrição automática tivesse sido implementada. E a migração do RPPS para a Prevcom, que não conseguimos ainda implantar, também teria impulsionado muito a Prevcom. E tem outras coisas, que não me lembro agora.

Porque há essa resistência?
Porque para um ente federativo que não tenha previdência complementar, num primeiro instante a implantação representa o momento de custos, pois acima do teto do regime geral você passa a ter a contribuição do patrocinador. Mas daqui a 50 anos todo esse pessoal que ganha acima do teto vai sair da folha do Estado. Então é uma visão oportunista, de curto prazo, não impulsionar a previdência complementar. É a visão de um gestor de custos que não tem uma visão de Estado.

Os fundos de pensão enfrentaram nos anos mais recentes, e ainda enfrentam, dificuldades para rentabilizar seus ativos. Muitos planos BDs, inclusive, têm fechado com déficits. Como o participante vê o fundo de pensão nesse cenário de rentabilidades fracas?
O mundo do servidor público, o mundo dos planos CDs, esse não tem risco de déficit. Claro que tem um impacto no patrimônio do participante, porque ele acumula menos dinheiro, mas no longo prazo ele recupera. Não pode olhar um ano só, no longo prazo isso tende a se corrigir. Num ano não se bate a meta, no outro supera a meta. Na Prevcom, nosso histórico de rentabilidade dos últimos 10, 11 anos é de IPCA + 4%. Não é fácil um retorno de IPCA+4%, mas a gente entregou isso no acumulado desses anos.

A Prevcom oferece perfil de investimento ao participante?
Não. Eu sou contra isso. O participante não tem conhecimento, e nem condições de acompanhar o mercado, para decidir que perfil ele quer ou para mudar de perfil. Ele sempre vai querer trocar de perfil quando o perfil dele não deu certo no último ano. E ele troca por outro perfil que não vai dar certo no ano seguinte. Na minha opinião, ele vai estar quase sempre trocando errado, ou trocando seis por meia dúzia. O que eu sou adepto, e assim que possível e a gente vai implantar na Prevcom, é o Life Cycle, o ciclo de vida. À medida que o participante vai envelhecendo os investimentos dele vão ficando mais conservadores.

Mas cursos de educação financeira não ajudariam o participante a escolher bem dentre as opções disponíveis no perfil de investimento?
Quando a Previ Siemens criou os perfis de investimento, como o pessoal ali me conhecia, principalmente os aposentados, pois trabalhei lá trinta anos atrás, muita gente me ligou perguntando o que deveriam fazer. Eu dizia, meu amigo, você está com quase setenta anos, está aposentado, então você vai querer aplicar na Bolsa prá quê? Você tem que ficar na renda fixa e se possível na renda mais fixa de todas, que é uma NTN-B de longo prazo. A partir de uma certa idade não tem que aplicar na Bolsa, a não ser que entenda e trabalhe com isso.

Mudando um pouco de tema, foi lançado há pouco tempo a RendA+. Como você vê esse título competindo com a previdência dos fundos de pensão?
Eu não acho que isso seja uma competição para as fechadas, de jeito nenhum. O participante pode até ter contribuição na fechada, ter sua aposentadoria na fechada, e ter uma aplicação dessa como complemento. Eu acho que quem vai sofrer com isso serão as abertas.

As fechadas dos instituídos, dos planos família, essas também podem ser afetadas.
Estou falando da previdência fechada clássica, não do instituído, do plano família. Esse tipo de papel é para quem não tem acesso a um fundo de investimento dirigido por profissionais. Para quem não tem previdência em lugar nenhum, e está preocupado com a velhice, esse é um papel interessante. Mas se ele está ligado a uma instituição que tem uma previdência complementar, principalmente a fechada, eu acho que ele não vai prá esse papel não. Ele até pode ir, como se diz, por planejamento fiscal. Muitas vezes na minha vida, apesar de estar na Siemens e ser participante do fundo de pensão da empresa, muitas vezes eu entrei no PGBL prá aplicar em dezembro e sacar em março. Isso é planejamento tributário e não é previdência.