A meta é aumentar a transparência | Novo presidente da Caixa, Val...

Edição 116

Valdery Frota de Albuquerque, da Caixa

O ex-diretor de finanças e mercado de capitais da Caixa Econômica Federal, Valdery Frota de Albuquerque, assumiu a presidência da instituição na primeira quinzena de abril, quando Emílio Carrazzai deixou o posto por conta da briga do PFL com o governo. Com 38 anos, economista pós graduado em Política Econômica pela Universidade de Brasília, Albuquerque quer caracterizar sua gestão como um exemplo de transparência. “A transparência vai ser a tônica do período em que permanecerei na presidência da Caixa”, diz ele.
Entre outras coisas, nessa entrevista à Investidor Institucional Albuquerque conta que a Caixa encomendou um rating à uma agência de classificação de riscos, irá seguir as mesmas regras de funcionamento de uma empresa aberta (com publicação de balanços trimestrais, inclusive) e que se tornou diller do Banco Central. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:

Investidor Institucional Quais serão suas prioridades na presidência da Caixa?
Valdery Frota de Albuquerque – Acho que, se eu pudesse definir em poucas palavras, seria o seguinte: nós queremos consolidar o programa de reestruturação patrimonial e garantir o equilíbrio econômico operacional de longo prazo da empresa, conciliando isso com a missão da Caixa Econômica Federal que é distribuir programas sociais e ampliar a bancarização da população.

IIEsses programas sociais não podem comprometer a meta do equilíbrio econômico?
VFA – Veja, o que acontecia antes é que a Caixa assumia todo o risco de um programa de política social, mas sem a devida e a adequada remuneração, e isso gerava perdas. O que pretendemos é que, ao assumir esses programas, os subsídios estejam explicitados. É perfeitamente factível a Caixa continuar distribuindo esses programas sociais sem que isso venha a onerar o Tesouro, como acionista.

II Isso é mesmo possível?
VFA – Nós já vínhamos fazendo isso desde o segundo semestre. De que forma? Primeira coisa: explicitamos todos os custos, todos os riscos e todos os subsídios implícitos que existiam nas operações da Caixa. Posso dar um exemplo: a Caixa toma recursos do FGTS e empresta à população de baixa renda, que é na verdade o público-alvo da política habitacional. Só que a Caixa tomava recursos a TR mais 6%, por exemplo, e emprestava a TR mais 8%, mas esse acréscimo de 2 pontos percentuais não era suficiente para cobrir os custos e os riscos dessa operação.

IIComo vai ser feito agora?
VFA – No ano passado foi feito o que chamamos de reprecificação de toda essa operação. Do ponto de vista do custo administrativo, foi negociada com o FGTS uma tarifa para a manutenção desses contratos. Por quê? Porque geralmente a prestação média é muito pequena, cerca de 50 a 100 reais, que não é suficiente para pagar sequer os custos administrativos. Então, o primeiro ponto, uma negociação com o Conselho Curador do FGTS para ter uma tarifa realista e para que não tivéssemos prejuízo. O segundo ponto é a explicitação do risco. De que forma isso é feito? Através da criação de um programa chamado Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, com subsídio explicitado no Orçamento Geral da União e acessível às instituições interessadas em financiar a baixa renda. O orçamento desse programa para 2002 é de R$ 350 milhões.

IIA Caixa vai se habilitar a esses recursos?
VFA – Sim, a Caixa vai se habilitar junto ao Tesouro Nacional e à Secretaria de Desenvolvimento Urbano para operar esse processo. Então, o risco de crédito dessas pessoas, que era muito alto, vai ser compensado pela operação de política pública que explicita o subsídio no orçamento.

IIMesmo sem dar lucro, o subsídio da operação está explicitado?
VFA – Exatamente. Não dá lucro, mas é importante deixar claro que a operação não vai gerar prejuízo para a Caixa.

IINo ano passado a Caixa sofreu uma reestruturação financeira que zerou seus prejuízos. Dá para contar como isso foi feito?
VFA – O programa consistiu, basicamente, num conjunto de operações estruturadas que equacionou a questão patrimonial da Caixa. O que foi isto? Houve troca de créditos entre a Caixa e a União, houve uma venda de créditos com a assunção de passivo para a Empresa Gestora de Ativos (Engea) e houve também uma transferência de risco do FGTS para a União. As operações do FGTS contratadas até 29 de junho do ano passado tiveram o serviço assumido pela União e a partir dessa data continuaram com o risco do agente operador, que no caso é a Caixa. E, finalmente, para concluir toda essa operação, foi feita uma capitalização de cerca de R$ 12 bilhões na Caixa.

IIQuando tudo foi finalizado?
VFA – O dia fundamental foi 29 de junho. Foi uma megaoperação, de quase R$ 80 bilhões, e tomou todo o segundo semestre de 2001. Agora, o que podem acontecer são alguns ajustes finos, mas nada relevante do ponto de vista do programa de reestruturação patrimonial. Hoje, a Caixa é uma instituição financeira com R$ 100 bilhões em ativos, em grandes números. Desses, cerca de 70% são títulos federais advindos exatamente da troca dessas operações de crédito de difícil recuperação pela União ou pela Engea, e os outros 20% de operações de crédito, tanto comercial quanto habitacional.

IIComo será daqui para a frente, em termos de mercado?
VFA – Na área comercial, os nossos principais pontos serão: prestação de serviços de transferência de recursos, de fundos, de dinheiro mesmo, pois isso gera tarifa para nós; incrementar fortemente as operações de crédito pulverizado, tanto para pessoas físicas com crédito pré-aprovado quanto para micro, pequenas e médias empresas, sem abrir mão da avaliação do risco de crédito, mas buscando uma avaliação de risco de crédito que seja eficiente, rápida e segura. Nós não vamos fazer as grandes operações, as operações de crédito muito elevado, isso não queremos fazer.

IIUm dos grandes trunfos da Caixa é sua rede de agências? Essa rede pode ser utilizada para distribuir produtos de outras instituições?
VFA – Vamos incentivar muito a distribuição pelas agências de letras hipotecárias, de instrumentos de dívida de forma geral, permitindo aos nossos clientes a diversificação e o acesso ao mercado de capitais. Agora, no que concerne a fundos de outras instituições, ainda estamos avaliando. Estamos fazendo um projeto para ser avaliado adequadamente para verificar se isso, do ponto de vista da instituição, faz sentido ou se nós devemos manter os nossos fundos e os nossos produtos apenas e eventualmente trabalhar com parceiros via FIFs e FACs.

IIA imagem da Caixa está mudando um pouco, de uma instituição sem foco na área de investimentos para uma instituição que está disputando cada vez mais esse mercado. Qual a direção da Caixa, nessa área?
VFA – Um item importantíssimo da nossa agenda é o incentivo ao mercado de capitais. A Caixa, de uma forma não sistematizada, de uma forma até desconhecida, tem liderado a democratização do mercado de capitais no Brasil. Nós somos responsáveis por mais de 50% da distribuição da Petrobras e por mais de 60% da distribuição da Vale do Rio Doce. Nós também estamos distribuindo em nossa rede outros instrumentos de dívida, como as letras hipotecárias, sendo que hoje mais de 30 mil clientes de renda elevada aplicam conosco em letras hipotecárias. E também estamos distribuindo instrumentos da dívida soberana, o chamado tesouro direto, com mais de 3 mil operações feitas. Além disso, também estamos distribuindo fundos imobiliários na nossa rede.

II É o outro lado da imagem social da Caixa?
VFA – É, é o outro lado. Na verdade, nós entendemos que a taxa de juros tem uma tendência de queda e que isso vai alavancar o mercado de capitais daqui para a frente. A Caixa quer ter um papel importante nesse novo cenário, fazendo a distribuição desses produtos ao público em geral.

IIÉ também uma preparação para enfrentar a queda dos depósitos da poupança, que muitos dizem que acontecerá?
VFA – Estamos diversificando cada vez mais, mas não com este objetivo. A poupança continua sendo um produto de primeira linha para a Caixa, assim como para as pessoas que nela aplicam. Não entendemos que os investimentos em poupança vão diminuir, só neste ano já captamos cerca de R$ 640 milhões até agora (11 de abril).

IISão R$ 640 milhões positivos neste ano?
VFA – Exatamente. Nós também temos aplicadores de poupança de valores elevados. São pessoas conservadoras, tradicionais, que em primeiro lugar acreditam na caderneta de poupança; em segundo lugar estão muito preocupadas com a segurança e vêem a poupança como um porto seguro. Essas pessoas ainda estão assimilando a idéia de um fundo rodar com quota negativa, mesmo sendo um fundo de renda fixa. Então, até agora, a nossa percepção da poupança é absolutamente positiva, e não vai ser essa mudança do imposto de renda que irá alterar esse comportamento, até porque vai ter uma compensação.

IIA atuação da Caixa junto aos clientes institucionais tem sido bastante incisiva ultimamente. Qual o papel desse tipo de cliente no portfólio da Caixa?
VFA – Esse é um cliente preferencialíssimo. Vamos buscar o fortalecimento ainda maior do nosso relacionamento com os fundos de pensão e com os investidores institucionais de forma geral. Começamos a trabalhar com os fundos de pensão em 1995 e, de uma forma mais sistematizada, a partir de 1999/2000, quando criamos a gerência de relacionamento com investidores institucionais. Demos um salto muito grande, obviamente não só pelo relacionamento mas também porque acertamos no produto, com as letras hipotecárias indexadas a índice de preços. Elas são oferecidas em leilão aberto aos fundos de pensão, às seguradoras, às sociedades de capitalização, à previdência aberta e dão hedge a eles, aos seus passivos.

IIComo você vê os regimes próprios de estados e municípios?
VFA – Nós fomos pioneiros nesse mercado, oferecendo consultoria na estruturação dos regimes próprios, contribuindo de uma forma muito direta e dando sugestões para a regulamentação. E, também para eles, as letras hipotecárias representam uma proteção do seu patrimônio, os ativos de base imobiliária são muito importantes para eles.

IIAgora, falando como empresa patrocinadora de um fundo de pensão, a Funcef, qual sua opinião sobre o RET?
VFA – Antes você tinha uma situação muito mal resolvida com relação à tributação dos fundos de pensão e a Medida Provisória 2.222 trouxe uma definição muito clara com relação à questão. Ela regularizou e permitiu uma forma de escalonamento do pagamento dessa dívida tributária por parte dos fundos de pensão. Então, acho que o RET, nesse particular, contribuiu com esse equacionamento e foi uma alternativa para que as entidades pudessem se regularizar.

IIA Funcef está criando um plano de contribuição definida. Na sua opinião, o CD é melhor que o BD, do ponto de vista do patrocinador?
VFA – Com toda certeza, mas não só do ponto de vista do patrocinador. Também do ponto de vista do participante ele é melhor. O plano de contribuição definida é muito mais transparente e, no nosso caso, é atrelado ao INPC, um índice de preços de domínio público, que tem uma regra clara e permite encontrar no mercado hedges ativos para proteger a fundação das oscilações. Já os planos de benefício definido são vinculados aos salários, não possuem uma regra clara, geram uma confusão muito grande e inviabilizam as políticas de recursos humanos da empresa. O sujeito que era gerente vira superintendente, aí tem um aumento de salário e pede isonomia e isso acaba gerando um passivo muito grande para o fundo e, em última instância, para a patrocinadora. Então, fica um jogo realmente pouco transparente. A contribuição definida é clara, é transparente, é facilmente perceptível pelos participantes, de fácil fiscalização pelos participantes no que concerne aos eventuais descasamentos que venham a acontecer.

IIAlgumas fundações têm estabelecido parcerias com as suas patrocinadoras, para investir em projetos delas. É o caso da Petros, com a Petrobrás, e da Valia, com a Vale do Rio Doce. A Caixa mesmo, na época da Sasse, tinha investimentos junto com a Funcef? Que possibilidades você vê para parcerias desse tipo, hoje?
VFA – Em primeiro lugar devem estar muito claras as responsabilidades. A governança e a relação recíproca entre a patrocinadora e a patrocinada precisam ser exaustivamente esclarecidas para a sociedade; acho que a Secretaria de Previdência Complementar, baseada na Lei 108/109, tem feito um excelente trabalho no sentido de deixar essa relação clara. Então, uma vez que isto esteja claro, uma vez que eventuais conflitos de interesses e riscos potenciais para a patrocinadora estejam explicitados, essas parcerias são possíveis. E, é claro, queremos ter o melhor relacionamento possível, tanto do ponto de vista de patrocinadora e fundação, quanto como parceiros, para maximizar negócios. Mas não podemos misturar as coisas, não podemos fazer algum negócio em conjunto que a fundação ou os participantes entendam, de boa fé, que o risco deva ser coberto pela patrocinadora. Resolvido isso, acho que a sinergia entre a fundação e a patrocinadora deve ser máxima, total.

IIQuer dizer, amigos, amigos, negócios à parte?
VFA – Veja, a Caixa é uma empresa de capital fechado, com um único acionista, a União. Então, o que nós queremos fazer? Primeiro coisa, aumentar o nível de transparência da empresa junto ao seu acionista, e a própria reestruturação patrimonial permitiu isso ao tirar uma fotografia muito forte da Caixa. Segunda coisa, essa em relação ao órgão regulador, estamos num programa voltado para o controle interno de governança corporativa. Terceira coisa, nós queremos aumentar a transparência junto aos analistas de mercado, tanto do mercado doméstico como do internacional, e para isso estamos contratando uma empresa para mensurar o rating fundamental da Caixa.

IIQuando sai o rating da Caixa?
VFA – Nós contratamos a empresa agora, nesta semana, eu diria que até junho nós devemos ter esse rating, publicado. Outra coisa, nós vamos passar a emular uma companhia de capital aberto, vamos passar a publicar balanços trimestrais e fazer apresentações junto a Abamec, por exemplo.

IIQuando começa?
VFA – Provavelmente a partir de maio.

IIPorque isso?
VFA – A gente quer ter, cada vez mais, a sociedade enxergando a Caixa Econômica Federal como a melhor empresa de capital fechado do País. A idéia é que a Caixa tenha um verdadeiro controle social, no sentido mais legítimo da palavra. Inclusive, a Caixa foi recentemente credenciada como diller do Banco Central, em função dos controles internos de governança corporativa.

IIQual será a ênfase da sua direção?
VFA – A transparência vai ser a tônica do período em que permanecerei na presidência. Temos que ter, na verdade, transparência e eficiência, quer dizer, buscar uma competitividade muito forte no mercado. Temos que dar respostas àquilo que a sociedade brasileira, em última instância, fez alocando recursos orçamentários aqui dentro.