O Brasil tem dado passos na direção certa para ajustar sua economia, fazendo as reformas e gerando um ambiente mais propício aos investimentos para os próximos anos. E, como curiosamente tem acontecido ao longo das últimas décadas, o Brasil parece estar entrando numa fase de crescimento econômico num momento em que o mundo desenvolvido, diga-se Estados Unidos e Europa, entram num ciclo de baixo crescimento e redução de suas taxas de juros.
Para o economista-chefe do Santander Asset, Eduardo Yuki, o principal impacto global do corte dos juros pelo FED americano será a ampliação da liquidez global. Ou seja, um mundo mais líquido, com mais condições financeiras para estimular investimentos ao redor do planeta, deixando alguns emergentes mais atrativos. O Brasil é um desses, diz o economista do Santander Asset. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Yuki à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual sua expectativa para o PIB deste ano?
Eduardo Yuki – No começo do ano nós projetávamos um crescimento econômico mais forte para 2019, mas neste momento nossa projeção é de apenas 0,6%. A economia brasileira tinha alguns impulsos para reacelerar nesse ano, mas isso não aconteceu.
II – Quais foram esses impulsos que decepcionaram?
EY – Pelo lado das famílias, a gente projetava um crescimento de massas de salários e também uma geração de empregos, que não era nada espetacular mas estava acontecendo. Além disso, o mercado de crédito para pessoa física estava fluindo, a concessão de crédito para pessoa física crescia cerca de 10% ao ano, o que é saudavel e positivo. E pelo lado das empresas, a gente via as empresas de capital aberto operando com boa lucratividade ou margem operacional já adequadas e níveis de caixa elevados, o que sugeriria a possibilidade de realizarem investimentos. Nada disso aconteceu, não vimos nenhuma aceleração significativa do consumo das famílias e tampouco um incremento dos investimentos das empresas
II – Porque deu errado?
EY – Primeiro, eu colocaria a existência de choques exógenos, inesperados, como a tragédia de Brumadinho, em que o setor extrativo mineral teve prejuízos importantes que impactaram a produção industrial e o PIB brasileiro. Também tivemos um cenário internacional mais adverso, com mais incerteza e mais volatilidade gerada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China. E além disso, é importante destacar, houve uma queda da confiança dos empresários a partir de fevereiro, o que ajudou na postergação dos investimentos.
II – Quais seriam as condições necessárias para a retomada do crescimento?
EY – Vamos dizer que, do ponto de vista estrutural, aquilo que o Brasil consegue crescer hoje estruturalmente, nosso potencial não é muito forte. Para um país crescer ao longo do tempo precisa ter três fatores: boa produtividade, taxas de investimento boas e um ritmo de expansão da mão-de-obra importante. A produtividade no Brasil hoje está aquém da desejada, nossa taxa de investimento é baixa, é só olhar os dados do IBGE, e o ritmo de crescimento da mão-de-obra vem desacelerando ao longo do tempo, embora isso seja uma questão natural da nossa demografia. Somando os choques externos, os choques exógenos e um crescimento potencial um pouco menor, o Brasil não tem condições de crescer a taxas elevadas hoje.
II – A aprovação da reforma da previdência não ajuda a mudar esse quadro e retomar o caminho do crescimento?
EY – Entendemos que sim, que a economia deve começar a melhorar já neste segundo semestre. A aprovação da reforma da Previdencia ajuda a melhorar a confiança dos empresários e dos consumidores, e isso, gradualmente, deve melhorar os investimentos das empresas em máquinas e equipamentos. Também deve acelerar a contratação de novos trabalhadores, aquecendo o mercado de trabalho, e com isso gerando um ano de 2020 melhor do que foi o de 2019.
II – O BC tem sinalizado com uma inflação baixa e a possibilidade de cortar juros. Como vocês estão trabalhando essa perspectiva de corte de juros pelo Copom?
EY – Nosso cenário-base é que a taxa Selic encerrará este ano em 5,75%. Ou seja, hoje está em 6,5% e passará para 5,75%. Entendemos que o espaço para o estímulo adicional do Banco Central não é muito grande, basicamente porque a taxa de juros no Brasil já está num patamar estimulativo. A concessão de crédito para pessoa física, que vem crescendo ao redor de 10% ao ano, também é um reflexo de um nível de juros estimulativos. Além disso, a nossa projeção de inflação para o ano que vem está ligeiramente acima da meta, nós projetamos o IPCA de 2020 em 4,3%. Diante dessa projeção, e do nosso entendimento de que os juros já estão em patamares estimulativos, o espaço que o BC tem hoje para estimular a economia não é tão significativo quanto foi o ano passado.
II – Além da reforma da previdência, que outros pontos são essenciais para a retomada da confiança e a volta dos investimentos?
EY – Todas as reformas que estão na pauta do Congresso são muito importantes para o País, cada uma com suas especificidades. No caso da Previdência, a reforma é importante para manter o governo solvente no médio prazo, e nossa expectativa é de que seja aprovada em segundo turno na Câmara agora no começo de agosto e depois no Senado. Com relação à reforma Tributária, o ponto mais interessante é que já existe consenso na sociedade de que nós precisamos realizar essa reforma para simplificar o sistema, para que haja uma redução de custos nas empresas e, consequentemente, uma onda de produtividade gerando mais emprego e mais crescimento. A agenda do Governo é muito positiva, é uma agenda de reforma da previdência, reforma tributária, simplificações, desburocratização, aumento de produtividade, concessões, algumas privatizações. Então, achamos que a agenda do governo é bastante positiva.
II – Há uma divergência em torno da melhor opção para a reforma tributária, se deveria seguir um modelo igual à CPMF, tributando a movimentação financeira, ou um modelo como o do IVA, tributando o consumo. Qual sua posição?
EY – Nós não temos uma posição. Estamos analisando as duas possibilidades, para que possamos tomar as melhores decisões para nossos clientes.
II – Mudando para o cenário internacional, o FED também tem sinalizado que vai reduzir taxa de juros. Como isso impacta a economia brasileira?
EY – A gente acredita que o FED vai começar a reduzir os juros nos Estados Unidos já no final deste mês de julho, e o principal impacto para o mundo é a ampliação da liquidez global. Ou seja, um mundo mais líquido, com mais condições financeiras para estimular investimentos ao redor do planeta, deixando alguns países emergentes mais atrativos. O Brasil é um desses casos. O Brasil é um país com reformas importantes em andamento, o que deixa o cenário mais positivo em um ambiente em que a taxa de juros mundial diminui. É importante ressaltar que não é só o FED que está com um discurso mais favorável a estímulos monetários, os diversos bancos centrais do mundo estão fazendo isso. O Banco central europeu também está com um discurso de que pode voltar a estimular sua economia e o BC chinês já está reduzindo compulsório desde o ano passado, que é uma forma de estímulo. Essa conjunção de bancos centrais estimulando as suas economias gera mais liquidez para o mundo, o que favorece os países emergentes que estão fazendo a lição de casa, como é o nosso caso.
II – Você diria que juros baixos são a nova cara do mundo?
EY – Eu acho que, neste momento, sim! A nossa leitura é que existem fatores temporários e fatores estruturais trabalhando em conjunto para que isso aconteça. O fator temporário que tem gerado isso é a guerra comercial. A guerra comercial entre EUA e China tem gerado um ambiente global um pouco mais incerto, tem gerado uma baixa na demanda por ativos e uma desaceleração importante das exportações chinesas, o que deve impactar o setor industrial americano. Então esse fator conjuntural ajuda nesse ciclo de redução dos juros do mundo. Mas existem também outros fatores estruturais, e um desses fatores que as economias estão começando a avaliar com um pouco mais de cuidado é a questão demográfica, que podem estar alterando as condições de juros no mundo, e outro fator é o aumento da competição no mundo. Quando você tem um aplicativo que consegue comparar preços, isso ajuda a deixar a inflação mais contida no mundo. Isso ajuda a entender porque a inflação ao redor do mundo tem se comportado de maneira bastante favorável.
II – Há o perigo de que essas tecnologias tragam deflação, como acontece no Japão?
EY – Acho que não. O caso do Japão é bastante específico, tanto é que se você olhar o crescimentodo do PIB per capta japonês é igual ao americano ao longo do tempo. O que acontece no Japão é que a população está diminuindo, você tem uma parte da população com uma taxa de natalidade baixa, então isso faz com que você, com o crescimento próximo de 1% tenha um PIB per capta próximo de 2%. Nos Estados Unidos, se você crescer 3% com um crescimento populacional de 1%, você tem o mesmo crescimento de PIB per capta do Japão. Então, as pessoas precisam ter muito cuidado ao comparar o caso japonês com o que está passando no resto do mundo. O caso do Japão é muito específico, é um caso de queda de população, e isso tem os seus desdobramentos sobre a demanda total da economia, consequentemente, sobre as condições de preços e produção.
II – Voltando ao impacto das novas tecnologias nos níveis de preço, elas gerariam um controle maior sobre a inflação?
EY – Acho que sim, não estamos falando de um mundo em deflação e sim de uma inflação um pouco mais contida, tanto é que se você olhar a inflação americana, o CPICOR, que é o núcleo de inflação, nos últimos doze meses ficou em 2,1%, que é um nível de inflação Ok. Não é uma inflação alta, mas também não é deflação.
II – Com relação ao conflito da China com os Estados Unidos, isso pode afetar o crescimento chinês?
EY – Desde o ano passado, nós temos uma projeção de crescimento chinês um pouco abaixo do consenso. Para este ano, a gente espera que o PIB da China cresça 6% e o consenso está em torno de 6,2%, 6,3%. De onde vem a diferença da nossa projeção? É que nós já tínhamos incorporado em nossas estimativas a guerra comercial com os Estados Unidos, que prejudica o setor exportador chinês, e isso já está acontecendo. As exportações chinesas já estagnaram nos últimos 12 meses, pararam de crescer. Somando-se a isso, entra um fator estrutural importante. O governo chinês já vem, há algum tempo, tentando rebalancear sua economia, dando mais peso ao consumo das famílias ao invés do consumo das empresas, dar um pouco mais de atenção ao setor de serviço ao invés do setor industrial.
II – Como isso impacta a economia chinesa?
EY – Todo processo de transformação estrutural acaba gerando um pouco de desaquecimento na atividade. Essa reestruturação da economia já estava sendo feita através de um pouco mais de controle sobre crédito, ela já estava na nossa conta. Para o ano que vem, entendemos que esse fator cíclico, que é a guerra comercial, tende a persistir em alguma magnitude. O choque aconteceu este ano, mas a parte estrutural vai continuar no ano que vem, ou seja, a China está de desenvolvendo e vai passar a ter uma cara, uma estrutura mais parecida, ao longo do tempo, com os países desenvolvidos e, nesse contexto, achamos natural que o ritmo de crescimento chinês desacelere.
II – Mas ainda se mantém bem acima dos países desenvolvidos?
EY – Num país pequeno como era a China vinte, trinta anos atrás, era fácil crescer a taxas de 10%, mas agora é mais difícil crescer 6% ou 7% em cima de um PIB muito maior. É uma contribuição em qualidade de vida, em quantidade monetária, muito mais do que lá atrás.
II – Quais os impactos diretos para os produtos brasileiros da guerra comercial dos Estados Unidos com a China?
EY – Para o Brasil, a consequência da guerra comercial ainda é moderada em termos de impacto direto. O que exportamos hoje é minério de ferro, produtos agrícolas, e a China continuará demandando esses produtos. Esse impacto para nós é mais comedido.
II – Nossa pauta de exportações para a China poderia mudar, agregar novos produtos que antes a China comprava dos Estados Unidos?
EY – Acho que sim, mas naquilo que produzimos bem, que temos alta produtividade, que são as commodities agrícolas, carne, soja. A demanda por proteína tende a ser um fator importante para o Brasil. Eu não vejo esse desaquecimento chinês, ao longo do tempo, como um problema para o Brasil neste momento.
II – Quer dizer que, apesar do fraco crescimento do PIB neste ano você está otimista?
EY – Eu diria que sim, olhando pra frente nós temos uma visão mais confiante de uma retomada da atividade econômica, que não acontecerá como uma explosão mas será de forma gradual com a aprovação das reformas e fazendo a lição de casa. O Brasil está no seu ritmo com as reformas, a redução de juros também deve ajudar, assim como medidas que o governo que deve anunciar em breve, provavelmente a liberação do FGTS.