Edição 56
Um novo código de auto-regulação está sendo elaborado pela Anbid com objetivo de eliminar os pontos cinzentos da legislação
A indústria de fundos tem voltado a crescer, após as crises do final do ano passado (crise da Rússia) e início deste ano (crise cambial do Brasil). O volume de recursos dessa indústria somava R$ 165 bilhões no início de maio, e segundo o presidente da Associação Brasileira dos Bancos de Investimento (Anbid), Pedro Henrique Mariani, ainda deve crescer muito mais. Na entrevista abaixo, ele fala sobre o crescimento do setor, as novas regras para os fundos de investimento e a “chinese wall” para segregar os recursos dos investidores comuns dos recursos dos controladores da instituição e das suas coligadas. Ele sugere que esses recursos da instituição e de seus controladores sejam administrados em fundos exclusivos. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista: Investidor Institucional – Qual o cenário da indústria de fundos, hoje? Pedro Henrique Mariani – Os saldos continuam crescendo e, se a gente olha para o resto do mundo, o Brasil ainda tem muito a evoluir. Você compara os nossos R$ 165 bilhões com os US$ 5 trilhões americanos, e percebe que há uma possibilidade ainda muito grande de crescimento.
Nas recentes perturbações que ocorreram, a indústria de fundos esteve muito bem. Existem problemas isolados, mas não acho que isso seja consequência de imperfeições do mercado brasileiro ou que ele seja muito pior do que o mercado americano, ou europeu.
II – As perdas de investidores em alguns fundos de derivativos pode ter comprometido a imagem da indústria, como um todo?
PHM – Não acho. Acho que faz parte de um processo de amadurecimento.
Os problemas ocorridos fazem parte desse processo de adquirir maturidade. A indústria de fundos está se desenvolvendo, de fato, apenas nos últimos 5 anos e dentro de uma economia instável, que apresenta situações novas e não previstas em alguns instrumentos. Assim, embora possamos ter tido individualmente problemas graves, como as decepções e os sustos que se têm ocorrido no mercado, em geral a indústria de fundos tem se comportado muito bem.
II – O governo, ou a própria indústria de fundos, não deveria criar novas regras para forçar esse amadurecimento mais rápido?
PHM – Claro que o BC e a CVM tem muito a contribuir e estão o tempo inteiro atentos em cada um dos episódios, buscando aprimoramento. Acho que também a Anbid, especificamente, tem um papel muito importante que é o de procurar se antecipar aos problemas. Estamos, neste ano, desenvolvendo um código de auto regulação para administração de recursos em geral, com o objetivo de poder antecipar problemas em relação às entidades reguladoras.
II – Quais as principais características desse código de auto regulação?
PHM – Estamos no seu início, mas creio que a principal preocupação é eliminar pontos cinzentos na valoração dos ativos, na precificação do mercado. Precisamos estabelecer critérios de precificação em geral, porque você pode estar falando de precificação a mercado e ter determinadas dúvidas de como precificar. Além disso, outro ponto muito importante é o esclarecimento ao investidor, ou seja, dar a ele as informações necessárias para que ele tenha elementos para tomar sua decisão. A gente se preocupa tanto em relação ao formalismo do fundo, no sentido do seu estatuto, dos critérios do estatuto, quanto em relação à questão de propaganda.
II – O fato de muitos investidores, depois de perderem dinheiro, falarem que não tinham sido alertados sobre os riscos do fundo preocupa a indústria?
PHM – Sim, claramente é um fator de preocupação. Mas acho que é muito importante se separar o joio do trigo. Existem casos em que a postura de um investidor que se sentiu lesado é convincente, mas também existem casos em que há um mero oportunismo, ou seja, não achamos que tenha se caracterizado uma falta de esclarecimento sobre os riscos. O que queremos é que os estatutos e os procedimentos de vendas eliminem as situações cinzentas. Que o estatuto deixe muito claro, principalmente nos fundos mais arricados, o nível de risco do investimento e que um documento seja assinado pelo cliente. Com isso, a instituição poderá provar que o cliente tinha conhecimento dos riscos que corria.
II – Alguns bancos já estão pedindo aos clientes para assinarem documentos desse tipo, dizendo que receberam o estatuto, leram e entenderam os riscos, principalmente para os fundos mais arriscados.
PHM – Em primeiro lugar, precisamos definir o que é exatamente esse fundo de maior risco. É isso que estamos fazendo, em conversas com o Banco Central. Se no caso do investidor profissional o banco pode ter um pouco mais de tranquilidade para demonstrar que esse é um investidor que tem conhecimento de todos os riscos envolvidos, no caso de investidores que não são claramente profissionais o assunto torna-se mais complicado.
II – A assinatura desse documento deve ser generalizada?
PHM – Acho que sim, acho que esse documento deve ser generalizado, para inibir episódios como os que ocorreram, de pessoas que enquanto estavam ganhando não alegaram nada, se consideraram muito satisfeitas, e ao perderem alegaram que desconheciam as regras do fundo.
II – E essa idéia de colocar tarja preta sobre alguns fundos mais arriscados?
PHM – Eu creio que a questão não deveria ser a tarja preta, mas sim a necessidade da assinatura do estatuto, ou seja, no caso dos fundos que tem um risco maior seria necessária a assinatura do investidor no seu estatuto, que conteria uma definição muito clara do tipo de risco assumido.
II – Isso deveria ser uma exigência do Banco Central?
PHM – Acho que sim, mas também acho que cada banco também deveria ter a iniciativa de já propor isso aos seus investidores.
II – O problema é que os pequenos temem perder os clientes, fazendo este tipo de exigência.
PHM – Acho que isto faz parte da competição. Os pequenos têm vantagens e desvantagens, assim como os grandes também têm vantagens e desvantagens.
II – Sobre a “chinese wall” no episódio da mudança do câmbio, como o sr. classifica a atuação de alguns bancos?
PHM – Eu não vi nenhuma situação grotesca, apesar de ser um dos ítens da CPI. A “chinese wall” surgiu com muita ênfase, a partir da crise da Ásia de 97, quando o Banco Central passou a exigir um diretor responsável etc.
Mas, de fato, não foi uma “chinese wall” radical, como é a “chinese wall” americana, que obriga uma separação física e tudo o mais. Aqui, só teve uma separação de responsabilidades. No fundo, eu acredito que a “chinese wall” não é uma garantia definitiva sobre nada, sobre a não comunicação entre as áreas da instituição financeira, mas a ética da instituição sim, essa é uma garantia definitiva.
II – A “chinese wall” seria dispensável?
PHM – Eu acredito que a ética do administrador supera qualquer “chinese wall”. A Chinese Wall tem que existir, e o BC está certo de tentar aprimorá- la, mas eu considero que a questão fundamental é a escolha do seu administrador, um administrador ético.
II – A exigência do Banco Central, impedindo as empresas de asset de administrarem dinheiro dos seus controladores ou empresas coligadas, é viável?
PHM – O Banco Central já está revendo isso. Eu creio que virá alguma coisa mais racional. Creio que a preocupação com esse tema surgiu, basicamente, dos episódios que mostraram a falta de transparência na prioridade de saques de fundos. Ou seja, de que um determinado investidor, que é participante do grupo gestor, tenha algumas vantagens sobre o investidor comum. Mas acho que o que saiu na resolução foi radical demais. Até resolveria o problema, mas em compensação complicaria tremendamente a operacionalização de, praticamente, todos os grupos financeiros, que em geral tem companhias ligadas, pessoas ligadas.
II – Qual seria a solução para evitar esses privilégios de pessoas e empresas ligadas à empresa gestora?
PHM – O caminho correto seria o fundo exclusivo, colocar os investimentos dos controladores e empresas coligadas em fundos exclusivos, o que não geraria o conflito de interesses. Isso dissiparia dúvidas sobre um possível favorecimento. Apesar de que, volto a dizer, a escolha efetiva de uma empresa administradora com uma posição ética é a grande defesa, realmente.
II – Segundo a Atlantic Rating, quase todos os bancos ganharam na crise cambial. A desvalorização do real era uma barbada?
PHM – Bem, ela era esperada. Mas não sei se tantos bancos ganharam na desvalorização. Alguns, como é o caso típico das instituições estrangeiras, podem até ter ganho em real, mas ao converterem para suas moedas originais podem até ter perdido.
II – O sr. acha que pode ter havido vazamento de informação privilegiada no caso da desvalorização cambial, e que o controle dessas informações deveria ser mais rígida?
PHM – Até agora eu não vi nada de grave. Obviamente, informações de governo têm que ser mantidas sob sigilo, na medida em que afetam o mercado, e se alguém as têm antecipadamente leva vantagem sobre os demais. Mas, de tudo o que eu vi até agora, nada confirmou que tenha havido esse vazamento de informações. Atualmente, a equipe econômica que aí está parece que tem uma clara preocupação nesse sentido.
II – Como o senhor avalia o futuro da indústria de fundos, levando em conta a indefinição da tributação sobre os investidores institucionais, mais especificamente sobre os fundos de pensão?
PHM – A regra de tributação da indústria de fundos está clara, exceto na questão dos investidores dos fundos de pensão, onde ainda existe um conflito entre a Receita Federal e a Abrapp e seus associados. A questão de que um investimento de longo prazo, para aposentadoria, só sofra tributação na hora em que for diferido, quando o interessado tenha acesso a ele, me parece lógica. Por outro lado, entendo a posição da Receita Federal, que tem sido radical no outro sentido dado a sua necessidade de arrecadação. Mas a lógica seria de um diferimento, sem dúvida.
II – Os investidores estão se tornando cada vez mais exigentes em conhecer o risco do seu investimento. A indústria de fundos está preparada para avaliar, ela mesma, com critérios mais objetivos os riscos?
PHM – A Anbid tem como política, na questão da administração de recursos, a plena transparência. A análise do risco cabe à cada instituição, a cada investidor ou a cada grupo de investidores. Mas a Anbid tem total consciência sobre a importância de disponibilizar informações ao investidor. Estamos, inclusive, num processo de fazer um grande censo, o qual permitirá atualizar rápida e sistematicamente as informações sobre os fundos. A partir daí, vamos desenvolver nossos índices internos, mas entendemos que cada investidor, cada grupo de investidores, cada instituição vai encontrar análises de risco que lhe sejam mais confortáveis.
II – Essa base de dados é a pesquisa que a Anbid já faz?
PHM – Sim, é essa, que vai ser apri-morada agora, com mais informações.
II – Que tipo de informações?
PHM – Por exemplo, a própria taxa de administração, atualmente não é divulgada. Queremos ter essa informação dentro de nossa base de dados também, além do histórico de rentabilidade, quem são os administradores, quem são as pessoas físicas que administram os fundos.
II – As novas regras que o Banco Central e a CVM estão estudando implantar sobre a indústria de fundos, poderá afetar o seu desenvolvimento?
PHM – A CVM está terminando uma nova regulamentação para a indústria de fundos de renda variável, que inclusive contou com sugestões da Anbid, mas ainda não li o resultado final e por isso não posso falar.
II – Essas sugestões foram no sentido de definir novos perfis de fundos, perfis mais específicos?
PHM – Sim, estamos fazendo isso, principalmente em relação aos fundos controlados pelo Banco Central, que são os fundos de renda fixa. Esses fundos poderiam deixar de abrigar os derivativos, que passariam a apresentar-se de forma separada.
II – O que o Sr. acha da proibição da cobrança da taxa de performance nos fundos de investimentos?
PHM – Acho que uma taxa de performance bem estipulada interessa as duas partes. Sabemos que uma taxa de performance cobrada diariamente sobre tudo o que você ganha, mas sem devolver diariamente sobre tudo o que você perde, é tudo o que um gestor de recursos deseja de Papai Noel.
A mania das taxas de performance levou à prática de taxas de performance com memória muito curta e isso, obviamente, não tem sentido. Mas acho que você pode fazer contratos baseados em performance com memórias mais longas.
II – Performances sobre os ganhos de longo prazo?
PHM – Exatamente. Você deve considerar os ganhos e as perdas em um período mais longo, de forma a estabelecer a performance do investimento. Isso estimula o desempenho do administrador, na medida em que ele realmente acrescenta patrimônio no médio e longo prazo ao seu cliente.