R$ 30 bi entram em campo

Edição 206

Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral

A iniciativa privada deve contribuir com boa parte das dezenas de bilhões de reais que os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 demandarão somente em investimentos em infra-estrutura. De partida, ainda sem os projetos a serem tirados do papel estarem definidos pelas doze cidades- sede, o Núcleo de Logística e Infra-estrutura da Fundação Dom Cabral já estima um aporte de R$ 30 bilhões em estádios, hotelaria e mobilidade urbana. “Isso sem contar as obras para melhorar o acesso aos aeroportos, um grande gargalo em todos os terminais do País”, afirma Paulo Resende, diretor do núcleo.Em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, ele indica que fundos de pensão, consórcios formados por empresas, fundos de private equity e estrangeiros estão entre os investidores que mais devem participar dos aportes destinados a infra-estrutura para o campeonato mundial de futebol. Resende aponta ainda os setores que têm maior potencial de atratividade por conta dos altos retornos, e comenta a disparidade entre os pontos de largada de cada uma das cidades-sede na corrida para deixar tudo pronto para a Copa no Brasil. “Vai haver uma pressão sobre os organizadores das cidades com menos infra-estrutura para andar mais rápido”, alerta.Ainda neste segundo semestre de 2009, representantes do Núcleo de Logística e Infra-estrutura da Fundação Dom Cabral desembarcarão na Alemanha, sede da última Copa, e na África do Sul, onde será realizado o próximo campeonato mundial de futebol, para fazer um diagnóstico completo dos preparativos para a Copa naqueles países e traçar um paralelo com o que está sendo feito por aqui. “Vamos trazer um dossiê de acompanhamento das obras já terminadas, no caso da Alemanha, e do andamento dos términos, no caso da África do Sul”, conta Resende. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Investidor InstitucionalCom base no acompanhamento que vocês vêm fazendo na Fundação Dom Cabral, qual o volume de recursos destinados a investimentos em infra-estrutura para a Copa de 2014?
Paulo Resende – Estamos calculando algo como R$ 30 bilhões, considerando até os estádios. Neste montante estão ainda os investimentos em hotelaria e mobilidade urbana, incluindo rede de transportes, estacionamentos, pátios ou estações de transbordo de passageiros, metrô e corredores de ônibus. Mas essa é somente uma expectativa, porque os projetos específicos ainda não foram desenhados pelas doze cidades-sede.

IIO que essas capitais já têm definido?
PR – Muito pouca coisa. Os passos até agora foram: uma vez escolhidas as cidades-sede, cada uma delas montou um comitê gestor da Copa; esses comitês acabaram de ser formados nas cidades-sede e estão fazendo, nesse momento, um levantamento de todos os projetos de infra- estrutura em andamento, os já planejados e os novos. Com isso, os comitês estão definindo os setores que vão receber prioridade. No caso de Belo Horizonte, por exemplo, já foi decidido que uma área prioritária é a metroviária. No que se refere aos corredores de ônibus, por sua vez, já há vários projetos em andamento, por isso o comitê vai acompanhar esses projetos, mas não haverá priorização de investimentos para o segmento. Em São Paulo, já se descobriu que a questão do estacionamento nos arredores dos estádios é um gargalo, como no caso do Morumbi. Dessa forma, está se definindo que estacionamento, em São Paulo, é um setor a ser investido. No entanto, linhas de metrô já estão sendo implementadas na capital paulista, então o trabalho é só acompanhar essa implementação.

IIAlgumas cidades precisam de mais investimentos do que outras?
PR – O comitês gestores estão descobrindo que, entre as cidades-sede, existe uma diferença muito grande na presença e na qualidade de infra- estrutura. Algumas vão começar do zero e outras estão em um estado relativamente avançado na preparação para a Copa. Há cidades em que o estádio atual não pode nem ser reformado, é preciso construir outro; há capitais em que não tem metrô, não tem corredor de ônibus, não tem hotelaria, e até mesmo com a questão do saneamento básico é preciso ter cuidado. Essas cidades, e Manaus é uma delas, estão partindo do zero. Essa diferença entre os estágios das sedes será, na minha opinião, o grande gargalo no planejamento para 2014, porque vai gerar uma pressão sobre os organizadores das cidades com menos infra-estrutura para andar mais rápido. Não é uma boa situação. O ideal seria que nós tivéssemos todo mundo partindo mais ou menos do mesmo ponto, mas no caso brasileiro é impossível.

IISerão necessários investimentos em aeroportos também?
PR – Sob o ponto de vista do terminal aeroportuário em si, foram feitos bons investimentos no Brasil nos últimos anos, e a estrutura de hoje aguenta até a Copa. Claro que é preciso andar mais rápido com as obras de Congonhas [em São Paulo] e do Santos Dumont [no Rio de Janeiro], mas esses são projetos em andamento, que ficariam prontos de todo o jeito antes de 2014. A grande preocupação é com o que vai além dos terminais: serão necessários investimentos na operação aeroportuária, incluindo despacho de malas, esteiras, logística e aumento da capacidade das pistas, além da capacitação de operadores de torre de controle e controladores de vôo.

IIE o acesso aos aeroportos?
PR – Esse é um caso seríssimo em todos os aeroportos do Brasil, e as obras necessárias para sanar o problema não entram na conta dos R$ 30 bilhões. Isso demanda muito dinheiro, porque todos os aeroportos do Brasil, sem exceção, não contam com acesso metroviário ou ferroviário, mas só rodoviário. Esse é um grande gargalo. Alguns comitês gestores de cidades-sede estão começando a elencar projetos nesse sentido, que são completamente novos. Não tem nada planejado ou em construção.

II E nesse caso nada foi orçado ainda pelas cidades-sede?
PR – Não, porque elas estão em dúvida sobre que caminho escolher. As alternativas são: onde tem metrô, expandir a linha até o aeroporto; construir uma via exclusiva para trem de superfície que ligue somente o estádio ao aeroporto; ou ampliar a capacidade atual de rodovias e avenidas. As cidades ainda não decidiram o que fazer. Por isso que não dá para se ter uma idéia exata do valor total de investimento, uma vez que dependendo da alternativa pode encarecer muito ou não. Só vale lembrar que existem alternativas definitivas e outras que são paliativas e servem só para a Copa.

II O governo consegue dar conta de todos esses investimentos sozinho?
PR – Não só não consegue como não quer. O governo federal, por exemplo, já sinalizou que nem vai entrar no que não for obra do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. E os governos estaduais não têm dinheiro para tudo isso.

II Que obras do PAC vão acabar servindo para a Copa?
PR – Basicamente as melhorias em aeroportos – em que são contempladas obras nos de Manaus, Cuiabá e Recife, além do Santos Dumont e de Cumbica – e os investimentos em saneamento básico.

IIDos R$ 30 bilhões em investimentos estimados inicialmente, quanto deve sair dos cofres públicos e quanto deve vir da iniciativa privada?
PR – Nós temos uma projeção em percentuais. Hoje, estamos falando em 60% da iniciativa privada, caso os investidores se interessem por estádios, e 40% do governo. Se a iniciativa privada de fato não se interessar por estádios, essa relação se inverte, ficando 60% com o poder público e 40% com os investidores.

II Que tipo de investidor está entre os grandes interessados nos projetos de infra-estrutura relacionados à Copa de 2014?
PR – Fundos de pensão, consórcios formados por empresas, fundos estrangeiros e de private equity. Tem lugar para todo mundo.

IIDesses investimentos em setores que já é sabido que vão receber recursos, quais interessariam mais à iniciativa privada?
PR – Acho difícil um investidor privado colocar dinheiro em estádio. A manutenção é muito cara e, no Brasil, os gestores têm encontrado muitas dificuldades em transformar os estádios em espaços multiuso, que é o que faz com que o empreendimento tenha um aumento de receita interessante e uma boa margem. O espaço multiuso não encontrou um terreno muito fértil no País. O Engenhão [Estádio Olímpico João Havelange, na capital fluminense], por exemplo, foi oferecido para a iniciativa privada logo depois dos Jogos Panamericanos de 2007 e ninguém quis. Ele tem um custo mensal que pode chegar a R$ 2 milhões, sendo que o custo de manutenção hoje é de R$ 1 milhão justamente porque não se trata de uma arena multiuso. O Botafogo está com o Engenhão, mas conta com um subsídio da prefeitura do Rio e paga um aluguel simbólico. Esse é um exemplo claro da falta de interesse privado em estádios.

IIE onde estaria o interesse?
PR – Em estacionamentos, por exemplo, que é um setor bastante lucrativo. O investimento em hotelaria também passa a ser interessante pelo fato de algumas cidades brasileiras estarem se transformando em espaços importantes para a realização de eventos. É bom que se veja também que o aporte em infra-estrutura hoteleira nas cidades-sede que têm um potencial turístico grande conta com uma atratividade ainda maior – estão contempladas entre as cidades-sede a região amazônica, as praias do Nordeste, o Pantanal. Por fim, um caso a se analisar com mais profundidade, uma vez que os investimentos demandam desembolsos de maior vulto, é o transporte coletivo. Acredito que no que tange corredores de ônibus o investimento tem retorno garantido. No metrô, já tenho minhas dúvidas, mas ainda assim cidades como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre garantem, com um alto grau de certeza, a rentabilidade para quem investir em metrôs.

IIOs comitês gestores já estabeleceram os moldes da participação privada nos investimentos para a Copa?
PR – Não, esse é ainda um próximo passo. Ainda precisam ser definidos os projetos específicos. Depois disso, os comitês vão analisar quais são os marcos regulatórios e a política de concessão, para aí sim estabelecer o que vai ser feito via Parceria Público-Privada (PPP), o que vai ser só público e o que vai ser só privado.

IIExiste uma estimativa de quando essa parte deve estar pronta?
PR – O que manda, nesse caso, é o tempo da engenharia das obras. 
Nossa projeção é de que os projetos específicos devem ser definidos até a metade do ano que vem, para o modelo de parceria ser estabelecido no máximo até o final de 2010, quando já deveriam ser abertas as concorrências para os interessados em participar dos projetos.

IINa sua opinião, existe algum formato para a participação da iniciativa privada que funcione melhor?
PR – Isso vai depender muito do setor. Uma PPP é um modelo muito razoável para a exploração de estacionamentos, por exemplo. No caso de ônibus e metrôs, um formato viável é o que impera hoje em São Paulo, de concessão mesmo. Já no que se refere aos hotéis, funcionaria bem um modelo em que o governo apoiasse os projetos, por meio de um ambiente administrativo favorável às obras, mas em que tudo ficasse efetivamente por conta da iniciativa privada, porque é ela que vai operar os empreendimentos. O formato ideal depende do setor. Eu acredito que o Brasil não precisa inventar a roda, basta que se aproveite os modelos que já existem. O que o poder público brasileiro não pode criar nesse momento é instabilidade administrativa e regulatória. O investidor precisa de estabilidade. É preciso lembrar que passaremos por eleições municipais em 2012. Já imaginou se não se tem estabilidade administrativa e a nova prefeitura vira e fala: “olha só, você investidor que está junto conosco no metrô, pode esquecer que o metrô é meu.”? Isso não pode acontecer.

IIDo jeito que os preparativos estão caminhando, vai dar tempo de ficar tudo pronto?
PR – Muito difícil, principalmente no que se refere às obras de infra- estrutura urbana, como metrôs e corredores de ônibus. Para estádios, estacionamentos e hotelaria, dá tempo sim, porque são construções muito modulares que envolvem muito pouca desapropriação. Agora, é diferente o caso das obras de mobilidade urbana, que demandam movimentos de desapropriação. Esses movimentos são muito imprevisíveis em termos de tempo.

IIVocês chegaram a visitar a África do Sul, sede da próxima Copa, ou a Alemanha, onde foi a realizada a última, para ver como os preparativos foram conduzidos e fazer um paralelo com o Brasil?
PR – Vamos para os dois países agora no segundo semestre para trazer um dossiê de acompanhamento das obras. No caso da Alemanha, veremos as obras terminadas, e na África do Sul, acompanharemos os términos. No que se refere aos investimentos, faremos um mapa do que foi realizado exclusivamente pela iniciativa privada, o que foi conduzido via parceria e o que contou apenas com recursos públicos. Estamos conduzindo todo esse estudo de acompanhamento dos preparativos das cidades-sede da Copa de 2014 dentro do Núcleo de Logística e Infra- estrutura da Fundação Dom Cabral. Vamos monitorar as obras até o fim e, sem dúvida nenhuma, apresentaremos nossos levantamentos para todas as cidades de uma forma colaborativa, mas ao mesmo tempo fiscalizadora.