2002, ainda um ano de ajustes | Líderes de três grupos financeiro...

Edição 110

Demósthenes Madureira de Pinho Neto (Dresdner Bank); Claudio Stocco Lellis (Banco BNL do Brasil) e Roberto Apelfeld (Citigroup) 

Reforma tributária, ajuste fiscal, equilíbrio da balança comercial estão entre as tarefas que Brasil terá pela frente na visão de Demósthenes Madureira de Pinho Neto (Dresdner Bank), Claudio Stocco Lellis (Banco BNL do Brasil) e Roberto Apelfeld (Citigroup). “A pressão para cumprir a meta em 2002 será grande e vai gerar uma política monetária mais conservadora”, acredita Demósthenes Madureira. Já Claudio Lellis não acha que a guerra maior do BC seja contra a inflação. “O conservadorismo do BC está muito mais calcado no reconhecimento da nossa vulnerabilidade externa”, diz. Roberto Apelfeld, por sua vez, diz que as ações brasileiras estão muito mais sensíveis às variações nas taxas de desconto do que na competência ou na qualidade de gestão das companhias. “O aumento da aversão ao risco dos investidores internacionais eleva a aversão aos títulos de mercados emergentes. Mas, o custo de oportunidade de investir nos títulos de países emergentes também aumentou”, garante.

Investidor Institucional Qual a avaliação de vocês sobre os fatores internacionais que travaram as perspectivas econômicas brasileiras em 2001?
Demósthenes Madureira de Pinho Neto – Entramos em 2001 numa fase de euforia, todos achavam que seria o ano do Brasil. Daí, vários fatores internacionais surpreenderam a todos. Tivemos a Argentina, que afetou muito os emergentes, e antes dela os Estados Unidos. Para 2002, estamos vislumbrando um cenário internacional bem mais positivo, pois os dois principais fatores que travaram 2001 estão, em parte, resolvidos. De um lado, a crise da Argentina está quase que inteiramente precificada nos principais ativos, embora não seja possível garantir que a situação não piore ainda mais, e de outro a recuperação da economia americana deve se dar, pelo menos uma boa parte das pessoas acredita nisso, no máximo no segundo trimestre do ano que vem. Eu, particularmente, tendo a ser um pouco mais otimista nessa questão, acho que você pode começar a assistir a uma recuperação dos Estados Unidos no começo do segundo trimestre, não necessariamente no fim.
Claudio Stocco Lellis – Eu confesso que não consigo ter opinião nenhuma em relação à economia americana. Não vejo nenhum sinal de recuperação mas também não acredito que ela vá ficar paralisada por tanto tempo. Ela vinha num processo de queda, se você olhar o gráfico ele é bem sintomático, na hora que virou a curva para crescer Bin Laden foi lá e acertou na mosca, exatamente no instante da reversão da curva. Então, a expectativa que eu tenho é que daqui a pouco a economia americana volte a ter uma reversão e comece a crescer, até pela própria característica de consumo que o americano tem. Já com relação à Argentina, eu tenho um pouco de medo. Concordo que está bem precificada, só uma coisa acho que não está precificada, que é um default. Mas eu não acredito nisso, não é conveniente para os bancos terem que passar por um default agora, cabe mais um acordo. O BNL tem um banco muito maior na Argentina do que no Brasil, então temos preocupações muito fortes com a Argentina. O banco não está dizendo que não vai investir no Brasil, mas ele quer olhar o que vai acontecer com a Argentina. Acho que isso é mais ou menos a cabeça do investidor, ele vai ficar olhando para tomar uma decisão depois.
Roberto Apelfeld – Acho que quase todos, senão todos, entramos em 2001 esperando um ano bastante tranqüilo. Obviamente ninguém pode prever crises, porque se alguém pudesse elas não existiriam. No caso da Argentina, acho que ela passa por uma situação que a gente não entende muito bem, que é o efeito do contágio. É um pouco difícil a gente explicar porque em fevereiro, março, o Brasil sofria um contágio muito grande da Argentina, e há pouco tempo atrás parece que os dois países se descasaram. Esse é um efeito que a gente entende muito pouco, e tem muito a ver com o fluxo dos investimentos internacionais, de como os investidores internacionais, muitas vezes por estarem baseados em Londres, Nova York, Flórida etc, percebem as diferenças entre Brasil e Argentina. De qualquer jeito, o Brasil sofreu bastante com isso, pois o aumento da aversão ao risco dos investidores internacionais eleva a aversão aos títulos de mercados emergentes, que por sua vez determinam os níveis dos riscos dos países emergentes. Mas, o custo de oportunidade de investir nos títulos de países emergentes também aumentou, e o que vimos é que esse último efeito dominou o primeiro. Então, o ano passado foi muito bom para os mercados emergentes como um todo, exceto para Turquia, Argentina e Brasil. Então, obviamente, o risco-Brasil foi uma grande barreira segurando o nosso mercado.

Investidor InstitucionalDo ponto de vista das nossas dificuldades internas, quais os problemas que mais pesaram em 2001?
Pinho Neto – A minha percepção é que a nossa parte macroeconômica está mais ou menos em ordem. Nós já vemos hoje um começo de recuperação vigorosa da balança comercial, com as exportações crescendo e as importações apresentando uma variação negativa importante, e o ajuste fiscal tem sido mantido e acho que vai ser mantido em 2002. Agora, quando eu digo que a parte macroeconômica está mais ou menos em ordem é porque em 2001 não se cumpriu a meta inflacionária, e a meu ver o Banco Central não vai tolerar de jeito nenhum não cumprir novamente em 2002, até porque você desmoralizaria o regime. Você cumpriu no primeiro ano, em parte porque pegou só a metade, não cumpriu no segundo e agora está entrando no terceiro ano. A pressão para cumprir a meta em 2002 vai ser grande e vai gerar uma política monetária mais conservadora do que muitos gostariam, o que fará o nível de crescimento econômico ser menor do que seria sem esse problema da meta.
Lellis – Vamos voltar à mesma data do ano passado, quando se falava de PIB de 4% a 5%, juros de 14%, dólar a R$ 2,05 ou R$ 2,10 no máximo. Naquele momento, nós não enxergamos que um dos pilares da economia brasileira, que seriam as contas externas, não estava bem. As contas externas talvez sejam, dos fundamentos da economia brasileira, o que menos evoluiu nos últimos tempos, mas como tudo estava correndo bem no mundo você cobria isso com uma relativa facilidade. Porém, isso dependia de tudo continuar correndo bem, pois nós não teríamos condições de reverter rapidamente o quadro, o que ficou claro quando começou o ano num ritmo de atividade econômica muito intensa, acima do que prevíamos. Janeiro e fevereiro foram meses de ritmos bastante fortes e começou a aparecer um déficit preocupante da balança comercial, refletindo que mais PIB significava mais déficit, e mais déficit significava mais necessidade de recursos externos para fechar as contas. Então, a nossa ferida começou a ficar exposta e a Lei de Murphy funcionou, primeiro com a explosão da plataforma da Petrobrás, que significou US$ 450 milhões a mais de importações, e depois com a crise da Argentina, que já tínhamos condições de ter detectado desde o começo do ano mas estávamos míopes pela euforia que o mundo todo vivia, puxada pelo mercado norte-americano. E aí chegou a crise de energia, que talvez tenha sido a salvação das nossas contas externas, pois o superávit comercial que temos hoje é muito mais proveniente da redução da atividade econômica do que do próprio aumento das exportações. O câmbio acabou ajudando, mas eu tenho a impressão de que o apagão e a crise da Argentina pesaram mais, até porque você não teve um aumento expressivo de exportações, o que houve foi uma queda das importações em decorrência da redução das atividades econômicas.

Investidor InstitucionalQuer dizer então que se o Brasil crescer em 2002 será um desastre?
Lellis – Eu acho que seria até bom se o ano de 2002 não fosse de grande crescimento, porque senão as nossas feridas vão aparecer. Acho que está muito claro que o ritmo da atividade econômica brasileira está limitado pelo déficit das contas externas e pela quantidade de energia que você tem para produzir. Então, nós temos esses dois problemas que a gente não resolve no curto prazo, e que vão nos obrigar a um ritmo de atividade reduzido não só para 2002, mas também para 2003 e 2004. Então, a perspectiva de crescimento para 2002 deve ser moderada, acho que 2% de PIB é um número bom, é um número em que não nos coloca em risco no ano que vem.
Pinho Neto – No máximo, estourando, cresce 2,5% em 2002, mas acho que está muito mais para 2%.
Apelfeld – Estou um pouco mais otimista, acho que pode até passar dos 2,5% mas o máximo que achamos é 3%.

Investidor InstitucionalBem, acho que isso também depende do rumo que possa tomar o processo eleitoral. Como vocês vêem as eleições de 2002?
Pinho Neto – Essa será a grande questão de 2002. Ela vai determinar a volatilidade do mercado em função das pesquisas de opinião e da percepção sobre as chances dos candidatos. A pergunta que se faz hoje é se 2003 significará uma ruptura ou uma continuidade de tudo que temos assistido nos últimos 7 anos. Se o cenário for de continuidade, eu acho que nós poderemos ter um ano muito bom, se o cenário for de ameaça à continuidade acho que nós vamos ter muita volatilidade. Hoje, quando você examina as pesquisas, é muito grande o percentual das amostras que consideram o governo de regular para cima. Você está falando de 70% das amostras que consideram o governo regular, bom ou excelente e é muito difícil trabalhar com um cenário em que esses eleitores desembarquem num aventureiro, principalmente num segundo turno. Então, ou a oposição vem buscar esses 70% com um discurso de continuidade, mesmo mudando o foco, ou esses 70% vão buscar algum candidato que represente os seus principais anseios. O único risco, e que acho que isso já está se desenhando, é você ter uma fragmentação na base aliada, já que é muito difícil você convencer um candidato que está correndo com 20% de preferência do eleitorado a não se candidatar ou a se candidatar a vice.
Lellis – Eu tenho muito mais preocupação com o lado das contas externas do que com o lado da eleição, acho que hoje em dia não há mais aquela preocupação que um Lula poderia confiscar ou que um outro Collor poderia fazer alguma coisa parecida. Acho que hoje o Brasil é visto como um país que respeita regras, que tem leis, é mais difícil romper contratos porque nós criamos muitos mecanismos de defesa a partir do Collor. Então é muito mais difícil pensar em rupturas nesse nível. Fica a preocupação exatamente nisso: vamos ter uma continuidade de política econômica? E acho difícil, por mais que o discurso seja diferente, que você pense em alguém que faça uma mudança radical, pode ter um pouco mais de lado social, um pouco mais de incentivo aqui, ali, mas mudança radical eu não vejo que nenhum candidato tem condições de fazer, até porque as próprias medidas provisórias estão perdendo força. E também acredito na cultura do brasileiro, num momento difícil ele vai votar no Collor mas não vota no Lula.
Apelfeld – Sobre eleições, acho que será um fator que fará com que os investidores internacionais estejam medindo cada declaração dos candidatos, cada resultado de pesquisa, fazendo oscilar o risco-país, provocando oscilações em bolsa, oscilações no mercado doméstico de juros de longo prazo e de câmbio. Vale ressaltar, também, que se prevalescer um cenário de continuidade poderemos ter um ano bastante tranqüilo, com apreciação moderada dos ativos de renda variável e queda moderada das taxas de juros.

Investidor InstitucionalBem, já que o Roberto Apelfeld tocou no assunto, gostaria de saber como estão vendo as perspectivas para a renda variável em 2002?
Apelfeld – Já que fui citado, vou começar a rodada. Se você for olhar companhia por companhia, comparar o potencial de crescimento de lucros com as taxas de desconto que você tem hoje, existe um potencial de crescimento para a bolsa como um todo de aproximadamente 30%, 35%, segundo a estimativa de nossos analistas. Quando a taxa de desconto sobe, esse potencial baixa, e quando a taxa de desconto baixa, esse potencial sobe. Hoje você vê o comportamento de bolsa funcionando muito mais como um bond do que como renda variável. Por quê? Porque as variações das taxas de desconto são muito maiores do que aquelas que acontecem em cada companhia de uma maneira específica. Então, eu acho que o comportamento da bolsa vai depender muito, de novo, da taxa de desconto, que por sua vez depende não só das taxas internacionais mas também do risco-Brasil. Obviamente a situação de dívida pública, dívida sobre PIB que temos em 2002 é pior do que a dívida sobre PIB no final do ano passado, porque as taxas de juros se elevaram e isso afeta de certa forma o risco-país.
Lellis – Em termos de Bolsa o que mais preocupa no médio prazo é a falta de investidores estrangeiros. Depois da crise, ele não voltou mais para a renda variável no Brasil. Em primeiro lugar, Dow Jones e Nasdaq tem uma volatilidade de investimento de risco, então por que vir para o Brasil se eles já tem isso dentro de casa. O segundo fator é que a maioria das empresas brasileiras, ou muitas delas, já têm o capital aberto lá fora.
Pinho Neto – Como já foi dito, renda variável, no Brasil, não é renda variável. O que governa a renda variável é a percepção de risco-país. Obviamente que você tem, aqui ou ali, um ou outro investimento que pode performar bem melhor do que o índice, como foi Petrobrás em 2000 e agora está patinando um pouco por causa da queda do dólar e da transição para o imposto. A coisa que me intriga na bolsa é que, quando você olha, nós tendemos a olhar muito o risco-país, enquanto lá fora eles olham muito para múltiplos comparados internacionalmente e, do ponto de vista de múltiplos o Brasil está barato, não tem a menor dúvida que está barato. Então, se você tem uma queda de risco-país ao longo de 2002, apesar dos juros, eu acho que a bolsa pode mudar de patamar.

Investidor InstitucionalE os outros investimentos? Se a taxa de juros voltar a cair, como começou a cair no início de 2001, os investidores institucionais podem sair em busca de investimentos alternativos, do tipo que embute mais risco de crédito ou mais risco de mercado, como forma de se equilibrar atuarialmente?
Pinho Neto – Todo mundo que, no começo de 2001, fugiu para risco de mercado como forma de se equilibrar atuarialmente enfrentou, em maior ou menor escala, surpresas quando o Banco Central começou a subir juros daquele jeito. Então, acabou saindo machucado. Me chama a atenção que, no Brasil, hoje em dia você ainda tem muita resistência a tomar risco de crédito, que é um risco que nós talvez conseguimos quantificar melhor do que risco mercado. Você olha e vê, você examina aquilo, você sabe mais ou menos o risco que está tomando e quase sempre isso é adequadamente precificado. Mas ainda existe uma resistência muito grande dos institucionais a tomarem esse tipo de risco. Acho que essa pode ser uma área em que, na medida em que os juros caiam, comece a receber migrações. Além disso, você tem agora alguns produtos de securitização de recebíveis ressurgindo, como empresas de securitização na área imobiliária.
Apelfeld – A migração vai depender muito da trajetória da taxa de juros. Com as taxas atuais, o próprio governo vai ter incentivos para alongar o perfil da dívida, criando uma verdadeira estrutura em termos de taxa de juros, o que vai ser muito saudável. Esse mercado ainda é pouco precificado e acho que a gente vai precisar ter um mercado secundário ativo para que realmente ele possa tomar rumo. Os players do mercado vão ter que estar se organizando, até em benefício próprio para estarem lançando novas emissões, etc. Vejo um pouco mais de procura por risco de crédito em 2002, isso obviamente dependendo do que acontecer em termos de estabilidade de patamares de taxas de juros, mas vejo um pouco mais de investimentos em renda fixa de médio prazo.
Lellis – A gente já percebeu uma busca dos hedges naturais, os papéis em IGP foram bastante procurados e acho que isto é uma tendência que ainda continua. Quanto à renda variável, ela tende a retomar a longo prazo na medida em que os juros forem caindo; project finance ainda é uma coisa difícil de ser analisada, ou seja, você consegue ver o institucional trabalhando no segmento da sua patrocinadora, a Petros com a Petrobrás, porque ela tem esse conhecimento técnico da Petrobrás, mas ainda é uma coisa difícil de avaliar. Mas eu acho que a tendência é você ir cada vez mais para as aplicações de longo prazo que possam te dar um retorno melhor e sair mais das operações tradicionais do mercado financeiro.

Investidor InstitucionalA reforma tributária é uma questão sempre presente nas discussões sobre conjuntura, sendo apontada como a responsável pelo fraco crescimento do nosso mercado de capitais. Agora, a tributação sobre a renda variável vai, inclusive, aumentar. Como vocês vêem essa questão?
Apelfeld – Acredito que a maneira como a tributação é feita no país é extremamente extorcionista, não sei se esta palavra existe, mas tem um custo para a sociedade muito grande. A tributação no mercado de renda variável é um problema sério, acho que a gente precisa de um mercado de capitais forte para que as empresas possam se capitalizar e para que isso sirva também como instrumento de incentivo à poupança nacional. Aqui você tem, por exemplo, um percentual ínfimo de ações nas mãos dos investidores privados, dos clientes de varejo, comparado a qualquer mercado um pouco mais desenvolvido, e o aumento da tributação aos ativos de renda variável vai ser extremamente frustrante. Fora isso, a gente não consegue medir o custo social que cada nova medida vai impondo e as distorções que vão ocorrendo na economia, porque os agentes econômico vão sempre tentando se esquivar e ser criativos. Então, se perde muito tempo tentando “driblar” cada nova medida no lugar de se produzir.
Lellis – O sistema tributário brasileiro é um dos bloqueadores de um crescimento maior da economia, principalmente no setor de exportação, e acho que precisaria passar por uma reforma. Só que eu não vejo isto acontecendo, porque eu entendo que o risco do governo ao submeter uma política de reforma tributária a um Congresso é bastante grande e com um nível de desconforto muito grande, de transferir para os estados e municípios dinheiro de responsabilidade do governo federal, repetindo mais ou menos o que aconteceu na última Constituição. Então, eu acho que a reforma tributária só virá na hora em que o governo tiver um problema maior de caixa. Então, você mantém um sistema totalmente ultrapassado e sem lógica, você não sabe mais o que incide sobre o que. Alguns setores, que são altamente alavancadores de mão de obra, como por exemplo a indústria automobilística, são altamente tributados. Se tivessem carros mais baratos você produziria mais com todas as vantagens sociais que adviriam disso. Olhando para o lado do mercado financeiro, acho totalmente absurdo você tributar a renda variável e a renda fixa com a mesma alíquota, uma tem risco o outro não tem. Além disso, ao estabelecer o mesmo custo para a aplicação de 31 dias e de 3 anos, você não desenvolve o mercado de longo prazo, você não cria estilo de um mercado de longo prazo.
Pinho Neto – A meu ver, se você tentasse fazer um sistema tributário que desincentivasse os mercados de capitais agressivamente, você não conseguiria fazer algo tão bem feito quanto o que temos hoje no Brasil. Quer dizer, você tem todos os mecanismos e instrumentos de poupança de longo prazo sendo tributados e, pior, a cada rombo que existe nas contas do governo a solução que se cria é tributar mais um desses que ainda não foi supostamente tributado. Então, instrumentos que em todo o lugar do mundo são vistos como alavancadores de investimentos, de crescimento no médio prazo, no Brasil são vistos como fontes de receita tributária. É muito difícil você ter um mercado de capitais que se desenvolva, enfim, que cresça até atingir a maioridade num ambiente como esse. Crescimento vem de investimento, investimento vem de poupança e o regime tributário vigente desestimula ao limite a poupança existente hoje no país. Nós demos sorte porque hoje a Argentina está na situação em que está, e o crédito desvalorizado aqui gera mais competitividade, porque senão a gente continuaria assistindo o que assistimos no começo da década: a Argentina trazendo muito mais investimento externo do que o Brasil por causa da simplificação tributária que lá existe.

Investidor InstitucionalQuer dizer, nuvens negras para o mercado de capitais. Mas não se fala sempre que o Brasil está barato, do ponto de vista das ações?
Apelfeld – Os estudos que temos visto, que fazemos com ajuda do pessoal nosso lá de fora, mostram que as ações brasileiras estão muito mais sensíveis às variações nas taxas de desconto do que às variações na competência, na qualidade de administração das companhias especificamente. Então, o risco-Brasil realmente foi determinante, primeiro para o mercado acionário e também porque ele é um grande limitador da queda das taxas de juros. Se a gente não tiver uma queda acentuada do risco-Brasil não vamos ter uma queda acentuada da taxa de juros no País e, principalmente, a ênfase do Banco Central será, em 2002, a meta inflacionária.
Lellis – Eu não acho que a guerra maior do BC seja contra a inflação. Eu acho que todo o conservadorismo do Banco Central está muito mais calcado no reconhecimento da nossa vulnerabilidade externa, e aí ele trabalha com juro mais alto e de olho no controle cambial. Veja, hoje eu vendo o meu fundo offshore muito mais fácil do que o meu fundo cambial, pois ele rende mais e talvez tenha o mesmo tipo de risco. Então, há pouco espaço para reduzir preços e isso leva a uma postura conservadora, cujo objetivo é defender as contas externas tanto do ponto de vista de investimentos quanto do ponto de vista de consumo, diminuindo as importações. Eu não sou tão otimista para os próximos 2 a 3 anos, acho que são anos de lição de casa, teremos que reduzir a nossa vulnerabilidade para poder crescer com mais sustentação.

Investidor InstitucionalQual a previsão de vocês para o câmbio em 2002?
Lellis – Eu acho que um patamar entre R$ 2,45 a R$ 2,50 é um bom nível para o dólar, é real, reflete a dificuldade que temos de fechamento das contas externas, que hoje é muito maior do que era no começo de 2001 e de 2000. Em relação a juros, acho que seria 18% na média do ano que vem, não vejo uma grande queda das taxas.
Apelfeld – Minha avaliação é que o câmbio deve ficar entre R$ 2,30 e R$ 2,50 em 2002, isso se não acontecer nenhum soluço, nenhuma complicação mais grave durante o ano.
Pinho Neto – A minha sensação é que o Banco Central quer que o câmbio se equilibre num nível nem muito depreciado, por um lado, e nem muito apreciado, por outro. Acho que um nível de R$ 2,40 a R$ 2,50 daria conforto para a balança comercial e, ao mesmo tempo, aliviaria um pouco a carga que a política monetária vai ter que aguentar no ano que vem. Acho que se o câmbio se equilibrar na faixa de uns R$ 2,40 em 2002 haverá espaço para uma queda das taxas de juros. Eu acho que esta questão dos juros está muito relacionada com o nível de equilíbrio do câmbio, se o câmbio se equilibrar nessa faixa eu acredito que, mesmo sendo cauteloso, o BC terá espaço para perseguir uma política de redução de juros um pouco mais ousada, principalmente no segundo semestre, desde que as estimativas de inflação estejam sob controle. A questão da inflação é importante, não pelo que ela representa em si, porque 6% ou 7% em relação a 5% não faz tanta diferença, mas mais pelo regime, pela consolidação do regime de meta inflacionária.