Juros baixos exigirá disciplina fiscal

Edição 381

Mello,Marcelo(SulAmerica) 25mar 01(MauroFiga)
Marcelo Mello, CEO da SulAmérica Investimentos

A taxa de juros deve fechar 2026 entre 11,5% e 12% ao ano, independente do processo eleitoral que colocará o presidente Lula disputando a reeleição contra um candidato da direita. Isso porque, na opinião do CEO da SulAmérica Investimentos, Marcelo Mello, o Banco Central tem feito um trabalho bastante técnico e “sem viés”, que deve garantir a continuidade do processo de corte na taxa Selic ao longo do ano que vem. Mas o próximo governo, seja de continuidade ou da direita, deverá fazer “um sinal claro de ortodoxia fiscal” para que a queda dos juros iniciada em 2026 não vire um “voo de galinha”, voltando a subir em 2027, analisa Mello. Veja abaixo os principais pontos da entrevista que ele deu à Investidor Institucional:

Investidor Institucional: Quais são, na sua opinião, as principais fontes de incerteza globais a impactar hoje as decisões de investimentos?

Marcelo Mello: Acho que, pelo lado internacional, existem dois fatores. O primeiro é a questão fiscal nos Estados Unidos. A gente tem uma percepção de deterioração fiscal nos Estados Unidos já há bastante tempo, o que se acentua no governo Trump em função da redução de impostos e do aumento da inflação, que é algo que também pesa. A gente vê o endividamento americano aumentando, a relação dívida/PIB já está na casa dos 140%, é uma relação alta para os padrões americanos. E aqui não estamos falando de uma questão de solvência, mas sim que o endividamento nesse patamar vai exigir, no longo prazo, uma taxa de juros mais elevada do que a adotada em outros ciclos macroeconômicos. Essa questão fiscal traz, como pano de fundo, uma taxa estrutural americana mais alta, que vai puxar também as taxas dos emergentes.

Você tinha falado em dois fatores. Qual o outro?

O outro fator está relacionado à questão geopolítica, à questão do tarifaço, que leva muitos países, mas principalmente a economia americana, a se voltarem mais para dentro, tentando produzir aquilo que até então era terceirizado. Isso significa, obviamente, mais inflação para a economia americana e menos inflação para mercados emergentes. O produto que até então era consumido nos Estados Unidos vai deixar de ser consumido lá e vai passar a ser oferecido em outros mercados, como os emergentes, e com essa oferta extra os preços desses países vão para baixo. Então, a gente teria um cenário mais inflacionário nos Estados Unidos e menos inflacionário nos mercados emergentes.

E você vê a questão da desaceleração da China?

Já há algum tempo que a economia chinesa, que crescia num ritmo de 8% a 10% há quatro, cinco anos, está indo para um nível de 5%. É uma mudança que o governo chinês contratou ao longo dos últimos anos quando decidiu deixar de ser um país industrial para passar a ser um país de serviço, de inteligência artificial. Essa transição, obviamente, tem um custo. Esse custo é um crescimento menor, mas que na visão do governo chinês vai levar a China, num horizonte mais de longo prazo, para um patamar muito mais competitivo.

O Federal Reserve já começou a reduzir os juros nos Estados Unidos, mas muitos dizem que está atrasado. O que você acha?

Essa é principal crítica do governo Trump ao Fed (Federal Reserve), que ele está atrasado em relação ao corte de juros. Que com as informações que tem já deveria ter reduzido mais a taxa de juros. A gente acha que o Fed está fazendo o trabalho correto, porque a inflação está um tanto quanto resiliente no mercado americano. Os últimos índices de inflação saíram com a inflação projetada na casa de 3% para 2026, quando o target da inflação americana é 2%. Então, esse ritmo de afrouxamento monetário que começou há duas reuniões, e que o mercado projeta mais uma ou duas quedas nas próximas reuniões do Fed, eu acho que está coerente com os números que a gente está vendo no macroeconômico.

Na sua opinião, os juros americanos vão chegar a quanto?

A gente está com um juro de 4,75%, eu acho que o piso é mais para 2,5%, 3%, não abaixo disso. Não se esqueça do que eu falei sobre a questão fiscal, que o juro estrutural americano vai ficar num patamar mais elevado do que no passado. Então, se no passado recente a gente viu juros americanos próximos de zero, agora um juro neutro americano deve estar mais na casa de 2,5% a 3%. A inflação americana mostra sinais de desaquecimento mas não de forma alinhada. A gente vê alguns indicadores divergentes.

Como você analisa a mesma questão fiscal no Brasil?

A questão fiscal tem dois ângulos, o da política monetária e da política fiscal. No Brasil, a política monetária só está nesse nível mais restritivo por causa da política fiscal, porque os indicadores de inflação aqui já permitiriam que a taxa de juros estivesse num patamar um pouco mais baixo. Então, como o Banco Central está fazendo o trabalho sozinho e vê o governo com um viés mais expansionista, a taxa Selic está parada esse tempo todo.

Quais são as projeções da SulAmérica para juros?

A gente está projetando que o Banco Central comece a reduzir a taxa de juros no final do primeiro trimestre de 2026 até chegar num patamar entre 11,5% e 12% ao final do ano. É uma redução na casa de 300, 350 basis points, que é uma redução importante num ano eleitoral. O problema é o que acontecerá depois de 2026, porque em 2026 a inflação vai estar muito baixa. Depois de 2026, se não tiver um sinal claro de ortodoxia fiscal, qualquer que seja o governo eleito, a queda dos juros pode ser um voo de galinha. Se o governo eleito não mostrar uma postura ortodoxa os juros podem voltar a subir em 2027, porque pode ter pressão no câmbio, pressão no câmbio significa mais inflação, mais inflação significa que o Banco Central vai ter que atuar de novo.

Você tocou na questão eleitoral, acha que as eleições podem afetar essas perspectivas macro que você colocou?

Tem uma questão que, na minha opinião, não muda, que é o comportamento da Selic em 2026. Eu acho que o comportamento da Selic em 2026 independe se ficará o governo atual ou mudará o governo. Eu acho que o Galípolo está sendo bastante técnico, o trabalho do Banco Central não tem nenhum viés. Agora, em relação a perspectivas futuras, e isso traz muito preço para o mercado, principalmente para a Bolsa, se quem tiver tração nas pesquisas eleitorais for o presidente atual a gente não vai ver os ativos se apreciando de forma muito relevante. O mercado vai falar, ok, é o governo atual, eu vou ser um pouco como São Tomé, esperar esse governo atuar no próximo turno e ver como vai ser. Mas se for um candidato de direita, com um discurso mais ortodoxo, como essa questão fiscal é muito sensível eu acho que a gente pode ter uma apreciação significativa de ativos.

Como a SulAmérica está se posicionando hoje em termos de risco na renda fixa?

Primeiro, dos R$ 90 bilhões que a gente administra hoje uma parte importante é crédito high grade, de alta qualidade. Como esses ativos performaram muito bem ao longo tempo, a gente está reduzindo o duration e fazendo um pouco mais de caixa, saindo um pouco de ativos corporativos e comprando mais ativos bancários. Por quê? Porque a gente está esperando o melhor momento desses prêmios se recomporem. Na parte de juros real e nominal, que são as posições pré-fixadas, a gente está com viés mais tático. Por quê? Se a minha visão é que no curto prazo tem espaço para taxa de juros cair, esses ativos vão performar bem. Então por que uma alocação tática, de fazer leituras diárias do ambiente macro para decidir se vai estar posicionado ou não? Porque tem essa questão eleitoral, que é muito sensível para preço.

Vai sentindo no dia a dia?

A gente acredita no juro real e no juro nominal, com um cenário de redução da taxa de juros de 300 basis point no ano que vem, mas não dá para ficar com posições estruturais por causa da questão eleitoral. A gente está posicionado nos vencimentos mais curtos, 2027, 2028, no máximo 2029, mas com visão muito tática. Saiu algum indicador novo, alguma questão mais sensível em relação à eleição, então a gente aumenta ou diminui a posição.

E para a bolsa?

A bolsa está subindo mais de 40% em dólar, então ela já deu uma andada muito significativa em dólar, que é a visão do gringo. E por que eu estou reforçando a questão em dólar? Porque a bolsa subiu esse ano, principalmente, por causa do fluxo internacional. O investidor local, por exemplo uma fundação que tem um passivo atuarial que é IPCA mais 4,5%, IPCA mais 5%, tá comprada em título público e não precisa tomar o risco da bolsa. Então, quem faz o preço da bolsa hoje é o gringo. E ele já está alocado num país que está subindo mais de 40% em dólar. Aí entra a questão das eleições. Na medida que a gente vai tendo pesquisas mais favoráveis à direita, a bolsa vai performar muito bem. Na medida que as pesquisas apontem mais para a esquerda, a bolsa vai ficar parada.

Mesmo com a taxa de juros caindo?

Isso é o que pode dar um gás a mais na bolsa. O fato da taxa Selic cair de 15% para 11,5% no ano que vem, essa queda do custo de capital vai ajudar esses ativos a performar. Agora, esses ativos vão ser muito sensíveis em relação ao ambiente eleitoral. Na bolsa a gente também está mais tático, com posições bem pequenas, fruto dessa puxada que a gente viu. Mas ao longo de 2026 a gente vai ter oportunidade de entrar em função da política monetária de mais afrouxamento monetário do BC.

Na sua opinião, a bolsa está fora do radar dos institucionais no ano que vem?

A taxa de juros de 12% ainda é muito confortável para as fundações ficarem na renda fixa. Eu acho que quem vai se sentir mais atraído para investir em bolsa no ano que vem é o gringo, as pessoas físicas de alta renda, outros investidores que não os institucionais.

Mas os institucionais, mesmo com os títulos públicos pagando o atuarial, do ponto de vista do custo de oportunidade não podem deixar passar muito tempo sob o risco de perder as melhores oportunidades de diversificação. O que acha?

Nisso eu concordo. Por isso que eu acho que são duas visões diferentes que as fundações precisam ter. Uma visão para aquela carteira que vai casar com a meta atuarial. Nessa, se a fundação consegue comprar hoje um papel que paga IPCA mais 6% e a meta é IPCA mais 4%, independente do custo de oportunidade de futuro a carteira está casada. Agora, tem aquela reserva que a entidade fechada pode pensar em coisas diferentes, alocar um pouco mais em risco, diversificar um pouco mais o portfólio para buscar aquele retorno adicional. Para essa parte da carteira eu acho que terão boas oportunidades no ano que vem.

Que oportunidades você identifica?

Se a gente está com esse cenário de juros mais baixos, você pode alongar a carteira pré, alongar a carteira de NTN-B com uma visão mais financeira e não de liability, de passivo atuarial. Porque toda vez que o BC inicia o processo de afrouxamento monetário, o fechamento de spreed do juro nominal e do juros real é muito forte e traz retorno de 300%, 400%, 500% do CDI, dependendo do vencimento do ativo. Como as fundações podem se beneficiar disso? Dificilmente com gestão ativa direta pois as suas estruturas pensam mais em passivos atuariais, mas elas podem pensar em extrair esse valor de forma mais tática, comprando fundos de renda fixa ativa, que operam juros nominais, juros reais, operações de arbitragem, ou até fundos de multimercados. Eu acho que, ao contrário dos últimos anos, onde a gente viu um fluxo negativo para multimercados, em 2026 a gente pode ter um fluxo positivo para essa classe.

E sobre investimentos em estratégias internacionais, qual sua visão?

O mercado de capitais brasileiro representa 1% do mercado de capitais do mundo e tem investidor que tem 100% aqui. Então, eu acho que a exposição do investidor local em estratégias internacionais é tão baixa que faz muito sentido continuar acreditando nessa diversificação geográfica e de moedas.

Quais os países e geografias devem performar melhor?

Estados Unidos, independente da apreciação que a gente já viu e continua vendo, e da questão fiscal que eu mencionei, é uma geografia que o investidor precisa estar alocado. E nas duas estratégias, tanto na estratégia de dívida com dívida high grade quanto na estratégia de renda variável. A Europa teve uma correção importante, principalmente na parte de dívida, que pode interessar ao investidor. E a China, aí eu acho uma jogada um pouco mais complexa, porque essa transição que o governo chinês está fazendo não estimula tanto o mercado de capitais.

Em relação à questão da sustentabilidade, as discussões realizadas na COP 30 deixam os investidores brasileiros mais sensíveis ao tema? Ou seja, eles vão começar a pôr dinheiro realmente nas questões de sustentabilidade?

Eu vejo ai dois pontos. O primeiro é que as fundações estão mais interessadas em relação ao tema, querendo entender como as gestoras estão se posicionando, como essa questão está permeando os processos de investimentos, identificando quais gestoras são signatárias do PRI, então isso é positivo. O outro lado da questão, que não é tão positivo, e vale não só para as fundações mas para o investidor de forma geral, é que o investidor não abre mão de uma parte da rentabilidade por um trabalho mais sustentável. Se você perguntar para o investidor o que ele acha de uma gestão mais sustentável, que olhe mais questões relacionadas à governança, ao social, eu acho que todo mundo vai dizer que faz todo sentido. Agora, se você perguntar se eles estão dispostos a investir pagando um prêmio por isso, ou seja, tendo uma rentabilidade um pouco menor para investir em empresas mais sustentáveis, a resposta vai ser 90% não, ou talvez até 100% não.

Dá um exemplo?

Por exemplo, quando a gente fala de uma Natura, que tá fazendo um trabalho específico de descarbonização, de tratar melhor todos os stakeholders, trabalhando melhor a inclusão, a equidade. Mas isso custa, então a Natura deveria emitir uma debênture que enquanto o mercado paga CDI mais 2% a Natura pagaria CDI mais 1,5%, por hipótese, porque ela está fazendo um trabalho muito mais positivo em relação ao mercado. Mas o investidor não abre mão da rentabilidade de 2% em troca de uma questão mais sustentável. Então, esse nível de maturidade não existe aqui no Brasil, como não existe nos Estados Unidos, da forma que já existe na Europa.