Edição 379

Depois de dois anos difíceis para a classe dos multimercados, 2025 trouxe uma mudança no comportamento dos mercados globais em relação à perspectiva de cortes nas taxas de juros dos EUA, o que abriu mais oportunidades de extrair rentabilidade positiva para os portfólios, avalia Fernando Cavallete, head de portfolio specialist da Itaú Asset.
“Em 2023 e 2024 havia altíssima correlação entre os ativos globais e a atuação do Fed. Acertar os próximos passos da inflação e do pay roll nos EUA era tudo o que se levava em conta para saber o que aconteceria com os ativos”, lembra o gestor. Os fatores idiossincráticos dos mercados tinham pouco peso e o ambiente era similar a uma “mesa de cassino”.
A partir de maio do ano passado, entretanto, quando ficou claro que o Fed iria cortar os juros, a situação virou e os mercados começaram a andar por conta própria, o que é o melhor cenário para manter os portfólios diversificados.
No Brasil, o ciclo de corte da Selic, que havia sido interrompido, passou a ser de alta enquanto outros países paravam de subir ou cortavam seus juros. “Esse é o ambiente ideal para os multimercados porque nenhum gestor gosta de colocar todas as apostas numa classe só. Mas a primeira mudança foi o desapego do mercado em relação ao juro americano”, avalia Cavallete.
Mas há também outros fatores, a começar pela velocidade com que se passou a capturar pedaços de movimentos nos diversos mercados. “Hoje há mais assets do que ações listadas em bolsa e elas operam de várias maneiras, inclusive por whatsapp, por exemplo. O mercado está muito mais rápido para preparar posições, que precisam ser montadas antes da divulgação dos dados macroeconômicos”, explica.
Para fazer isso, a gestão dos multimercados depende de uma pesquisa macro que vá cada vez mais fundo nos detalhes. “Foi o que aconteceu conosco no final de 2024, por exemplo, quando o cenário era de muito estresse para os ativos locais e a expectativa de inflação era de 6,5% a 7%. Naquele momento, ninguém queria apostar a favor do Brasil”, lembra.
Ao deixar a emoção de lado e olhar os detalhes, a gestão viu que em dezembro o BC havia contratado um aperto de 300 pontos base mas a inflação corrente estava perto de 5% e a Selic poderia chegar a 15%, como de fato chegou. Ou seja, o juro real contratado era de 10%.
“Mas o mercado parecia mais preocupado com o lado fiscal do País. Olhamos também para isso e vimos que havia a PEC da transição, o pagamento de precatórios e uma série de outros aspectos que preocupavam, mas havia um arcabouço fiscal a ser cumprido”, observa Cavallete.
A perspectiva fiscal para 2026, ano eleitoral, começou a trazer uma natural apreensão com o possível aumento de gastos do governo, mas há várias leis para impedir mais gastos sociais. “Percebemos também que havia uma contração da economia e menor impulso fiscal”, explica.
Diante dessa percepção, os fundos da casa passaram a montar posições otimistas na renda fixa em dezembro de 2024. “Em janeiro deste ano, de fato o cenário se reverteu e conseguimos capturar todo um primeiro semestre com a Selic reprecificando de 17% para 15%, o real saiu de uma situação muito depreciada para se valorizar contra o dólar e o investimento financeiro ajudou a moeda no carry trade, então foi um semestre muito bom e nós antecipamos isso”, aponta o gestor. No liberation day dos EUA a gestão usou esse arcabouço macro para garantir velocidade e fazer posições de maneira antecipada.
“Estávamos posicionados para a desaceleração da economia americana caso as tarifas viessem mais agressivas. Hoje os multimercados de sucesso foram os que operaram com essa mentalidade”, diz. Em setembro, ele vê os gestores divididos porém mais propensos e apostar na desaceleração da economia dos EUA, corroborada pelos dados mais recentes do pay roll (que revela dados do mercado de trabalho). “Aqui na asset ainda não estamos certos quanto a isso e os nossos fundos estão aplicados em juros em várias partes do mundo”, diz.
“No Brasil, por sua vez, o mercado está mais animado porque a inflação mostra uma trajetória mais benigna e o real apreciado também ajuda. Nós projetamos 4,7% para a inflação este ano, mais perto do topo da banda, mas pode ter um viés para baixo e a expectativa está melhorando”, afirma Cavallete.
Atualmente há uma animação do mercado com todos os ativos, em especial com o real, e o mercado está mais vendido em dólar contra o euro, o iene japonês e o real, neste caso devido ao carry trade dos juros. “O Fed vai cortar o juro e isso deve aumentar o diferencial com o juro brasileiro porque o mundo está cortando enquanto o Brasil ainda mantém uma taxa elevada.
Há também otimismo com a bolsa diante da perspectiva de corte da Selic no início do próximo ano ou em março. “As posições dos gestores estão bem pulverizadas mas hoje há pouca gente apostando contra os mercados no Brasil”, observa.
Os fundos da asset, entretanto, mantêm sua visão de operar contra os “excessos de convicção” dos mercados e apostar na direção oposta. “Às vezes o mercado se apega às maiores probabilidades mesmo que elas sejam pequenas”, diz.
A estratégia é sempre procurar ficar fora das posições muito concentradas (ou crowded ) pelos demais gestores. ”Isso deu certo tanto na parte de juros como na bolsa e compramos S&P quando estava lá embaixo”, diz Cavallete.

Ganho com emergentes – O investimento em pesquisa macroeconômica e a especialização nos países em que a Genoa Capital opera, com preferência pelos emergentes, contribuíram para a performance dos seus fundos durante os últimos dois anos, explica Rodrigo Noel, sócio-fundador e COO da gestora focada em multimercados. “Nosso patrimônio sob gestão, que era de R$ 19 bilhões no segundo semestre de 2023, está hoje em R$ 17,5 bilhões, uma perda pequena se comparada ao que aconteceu na indústria de multimercados. Conseguimos entregar uma performance que, se não foi espetacular, ganhou do benchmark nesses dois anos de cenário difícil”, diz.
A casa investe no reforço de sua especialização para operar em emergentes como Chile, Colômbia, África do Sul e em alguns países do leste europeu, por exemplo. “São mercados em que não se desenvolve uma tecnologia de acompanhamento dos ativos da noite para o dia”, lembra Noel. É um trabalho que envolve a coleta de dados e a contratação de consultorias locais, mas que gera vários pequenos pockets. “No final do dia, fica menos difícil ganhar vantagem comparativa com esses mercados”, explica.
A gestora também opera os mercados dos EUA, Japão, Europa e outros grandes países desenvolvidos, mas mantém sua convicção nos pequenos. “Ao longo dos últimos dois anos geramos retornos importantes no Chile, Colômbia e em alguns países europeus porque o grande diferencial é ter uma empresa robusta na coleta de dados”, afirma. A equipe é composta por 75 pessoas, 15 das quais dedicadas a pesquisa macroeconômica, que é utilizada tanto na tomada de decisão discricionária como na sistematizada e para implementar as posições nos fundos.
Uma parcela grande da má performance registrada pela indústria de multimercados, avalia Noel, veio do cenário muito difícil desde a pandemia. “Até agora não há sinal da desaceleração da economia dos EUA como um todo, como se receava, o que esfriou foi o mercado de real estate, mais sensível aos juros, mas isso foi lá atrás e agora começamos a ver uma desaceleração maior no mercado de trabalho”, observa. A perspectiva é de que ou o emprego e a renda do trabalho reaceleram ou isso vai bater na atividade econômica como um todo e o Fed começará a cortar o juro.
Diante disso, a asset mantém uma posição um pouco mais otimista e as carteiras mais expostas a ativos aplicados em juros, renda variável e real. “Os nossosfundos estão mais aplicados em juros no Brasil, outros países da América do Sul, EUA e Reino Unido, mas sempre com posições pequenas”, diz.No mercado de moedas, a tendência mais forte é de que as tarifas impostas pelos EUA afetem a capacidade produtiva de manufaturados no mundo, os países passarão a exportar para outros mercados e os preços dos manufaturados em dólar devem cair.
No Brasil, o cenário deste semestre reflete um processo de melhora nos dados relativos à inflação. “Seria melhor se o mercado de trabalho não estivesse tão pressionado e o BC ainda precisa ver a inflação cair no seu núcleo mais resistente, o de serviços. Mas a perspectiva é otimista também quanto à performance do real contra o dólar, inclusive pelo carry trade do juro”, analisa Noel. Os fundos da casa estão vendidos em dólar contra o real e têm posições compradas em renda variável devido ao ambiente mais favorável ao risco.
Visão pragmática – Com alocação 100% no mercado de bolsa, os fundos multimercados da Ibiuna Investimentos refletiram o resultado dessa posição ao longo dos doze meses iniciados em junho de 2024, mas foram bem sucedidos também por conta da visão pragmática da gestão em relação aos cenários e às empresas, explica André Lion, sócio e gestor de ações.
Responsável pela área que soma R$ 2,5 bilhões sob gestão em fundos long only, long biased e long and short, Lion avalia que neste semestre o ponto central de atenção será a resposta da economia brasileira à política monetária. “O BC tem sido bem sucedido nessa política e alguns setores devem sofrer mais por algum tempo, mas não se espera uma desaceleração brutal da economia”, diz.
A casa projeta crescimento de 1,5% a 2% para o PIB em 2026 e as carteiras continuam a buscar empresas mais ligadas à atividade doméstica. “São companhias com maior exposição à economia local, que vinha crescendo e agora deverá desacelerar menos do que se imaginava. Elas podem se proteger disso porque não estavam muito alavancadas e são resilientes”, observa Lion.
O momento exato em que começará a ser feita a redução da Selic não faz muita diferença para a gestão dos fundos. “Para nós não importa muito se isso vai começar em dezembro deste ano ou em março de 2026 porque a diferença é pequena. Mas dependemos das projeções de inflação para projetar o tamanho dos cortes”, lembra.
Em seguida, virão as questões ligadas ao ciclo eleitoral e será preciso ter informações mais sólidas sobre os candidatos. “Hoje estão todos prestando atenção a nomes de possíveis nomes de candidatos do governo e da oposição, mas isso ainda não tem muito peso porque a eleição está longe”, diz.
O plano de voo para os próximos 12 meses é acompanhar os fatos com uma visão objetiva. “Mas sem seguir as reações do mercado a cada pesquisa eleitoral, porque esses dados significam pouca coisa por enquanto”, avisa Lion.
De 2024 para cá, ele lembra que houve um expressivo ajuste das expectativas do mercado em relação ao crescimento da economia. No ano passado, a análise macro se deteve na discussão sobre inflação e a questão fiscal do País, até que chegamos ao patamar de 15% para a Selic e a perspectiva mudou.
Os ruídos políticos locais no início de 2025 foram relevantes à medida que a questão eleitoral ganhou peso maior, assim como o impacto do ambiente internacional, marcado pela guerra tarifária do governo Trump e pelo enfraquecimento do dólar perante as demais moedas. “No Brasil, o ponto de virada foi o anúncio dos R$ 5 mil reais para desoneração do IR, feito pelo ministro Haddad ainda no final de 2024, o que virou a chave das expectativas e o mercado começou a se movimentar”, observa Lion.
A asset, que mantinha uma visão mais construtiva, ficou cautelosa naquele momento e todos os seus fundos performaram relativamente bem. “Este ano veio o liberation day nos EUA e imaginava-se que o Brasil seria taxado no patamar mínimo, então usamos isso como oportunidade, até porque já prevíamos estar perto do final do ciclo de alta da Selic. Voltamos a nos movimentar para aproveitar esse momento e o Ibovespa saiu dos 120 mil pontos para superar os 140 mil pontos hoje”,diz.
Os fundos investem também em bolsas nos EUA e outros países mas apenas para fazer hedge e com foco nas empresas brasileiras negociadas no mercado americano, como Natura e Itaú. O grosso dos ativos, entretanto, está na bolsa brasileira. “Nosso mandato é esse, nada de empresas estrangeiras”. Outro diferencial que pesou a favor da performance no período foi a gestão voltada para a análise de cenários e de empresas, afirma Lion.
As carteiras mais favorecidas refletiram a alocação em ativos de shopping centers, das empresas do setor de energia elétrica, bancos e varejo. A partir de agora e apesar da forte competição das NTN-B, o investidor tem que pesar o imediato com um pouco mais de longo prazo, avalia o gestor. “Quando a Selic começar a cair, a rentabilidade desses títulos diminuirá mas os ativos de risco já terão dado uma “estilingada” forte porque nesse mercado nós olhamos muito para a frente”, observa.
Melhores gestores em Multimercados (arquivo em pdf)