Selic, vedete até quando? | À medida que os títulos públicos perd...

Edição 151

O que será da carteira de renda fixa dos fundos de pensão quando o título público, finalmente, deixar de ser o seu protagonista? As fundações já começam a se preparar para esse cenário e a conhecer outros produtos elegíveis para seus portfólios, como a securitização de ativos financeiros – que, hoje, representa apenas 0,33% do patrimônio de mais de R$ 245 bilhões das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs).
Recentes no Brasil, essas operações têm potencial para atrair a atenção dos fundos de pensão porque, além de substituírem intermediários financeiros (reduzindo custos), elas promovem o isolamento de ativos – retirando-os do balanço do originador (aquele que gera o ativo) e livrando-os do risco de crédito do mesmo. Essa engenharia financeira tem sido predominantemente estruturada na forma de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) e de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs).
A rentabilidade desses papéis também tem sido um chamariz para os investidores institucionais. A Femco, dos empregados da Cosipa, por exemplo, entrou recentemente em um Fundo de Investimento em Cotas (FIC) de FIDCs e o ganho tem atingido 109,5% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Segundo o seu gerente de investimentos, Luiz Arnold, a Femco está de olho neste mercado não apenas em função das perspectivas de ganho, mas também como forma de diversificar investimentos.
“Só não entramos em CRIs porque estamos no limite da exposição em imóveis permitido pela Resolução 3.121. E, embora a operação seja de renda fixa, caso haja algum tropeço no meio do caminho o seu lastro é imóvel”, diz. A Femco tem hoje 1% do seu patrimônio, de R$ 1,2 bilhão, investido em recebíveis e esse número tende a crescer. “Apostamos muito em papéis de crédito, além do que não queremos só financiar o governo”.
Outro fundo de pensão que já está com um pé neste mercado é a Petros, que tem 0,5% do patrimônio de R$ 22,8 bilhões em FIDCs e CRIs integralizados – porcentual que sobe para 1,5% se incluída na conta as operações de recebíveis já aprovadas (três FIDCs e dois CRIs). De acordo com o diretor de investimentos da Petros, Ricardo Malavazi, os planos de investimentos da fundação em securitização chegam a 2,5% do patrimônio para os próximos quatro anos; número, diz, que poderá ser ampliado, uma vez que a Petros já se encontra próximo a ele.
Malavazi considera estes papéis uma evolução saudável do mercado de capitais, porém ele ressalva que, dada a flexibilidade de formatação dos dois instrumentos, os investidores devem ficar atentos ao risco. “É importante avaliar a estrutura e a mitigação dos riscos operacionais e de crédito. Cada FIDC e cada CRI apresentam características únicas. Além disso, esse mercado é bastante novo no Brasil, tendo deslanchado apenas no ano passado”, diz o diretor, referindo-se à Resolução 393 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, em julho de 2003, regulamentou a constituição e o funcionamento desse mercado.
A partir de então o volume de emissões desses títulos cresceu 595% no primeiro semestre deste ano, ante o mesmo período do ano anterior, para R$ 1,32 bilhão, segundo dados da Uqbar Educação e Informação Financeira Avançada – consultoria especializada na análise de operações financeiras estruturadas. Na estatística da Uqbar são consideradas apenas as operações cujo ativo-lastro são carteiras de crédito pulverizado.
De acordo com o sócio da empresa, Carlos Augusto Lopes (ex-BNDES, JP Morgan e Citibank), os Fundos de Investimentos em Cotas (FIC) de FIDC e os próprios FIDCs que operam como fundos de investimento tradicionais, por exemplo, não entram nessa conta porque o retorno oferecido aos cotistas depende fundamentalmente da competência do gestor do fundo na compra e venda dos ativos de sua carteira. “Embora esses fundos utilizem a forma jurídica de um fundo de investimentos em direitos creditórios, a natureza do instrumento distribuído ao mercado é diferente de um FIDC utilizado como entidade emissora de títulos de securitização”.

Abundância – No que depender da oferta de papéis, este mercado tem um vasto potencial pela frente. O governo federal estuda utilizar os FIDCs nos projetos de Parceria Público-Privada (PPP), ao tempo em que o instrumento já é, desde 2003, fonte de recurso para o Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social (Pips). Além disso, o governo do Estado de São Paulo também já confirmou planos de levantar capital por meio de securitização de ativos de companhias controladas por ele, como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Os bancos federais não ficam atrás e estão se movimentando nesse filão: a Caixa Econômica Federal estrutura para o ano que vem um FIDC lastreado em recebíveis da área de saneamento, enquanto o Banco do Brasil (BB) lança neste mês recebíveis de crédito destinados aos investidores qualificados.
No segmento corporativo, a Petrobras prepara com a Organização Nacional da Indústria de Petróleo (Onip) um projeto de securitização, que dará origem a uma série de fundos de direitos creditórios lastreados em contratos de compra e venda firmados com pequenos e médios fornecedores da companhia. E a Previ, maior fundo de pensão da América Latina, além de já ter declarado publicamente o interesse pelos papéis de securitização, prepara um mega investimento em um projeto imobiliário em São Paulo, cujo aluguel lastreará emissão de CRIs.
Com tantas possibilidades, as mesas da diretoria de investimentos dos fundos de pensão estão apinhadas de produtos de securitização para serem avaliados. O diretor de investimentos e patrimônio da Fundação Cesp, Martin Roberto Glogowsky, avisa: “estamos analisando todas as operações de securitização que existem no mercado”. O fundo de pensão dos trabalhadores da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) ainda não tem nenhum FIDC ou CRI em seu portfólio, mas espera entrar neste mercado ainda este ano. “Gostamos muito da estrutura dos recebíveis. É uma excelente alternativa para os fundos de pensão”, diz Glogowsky.
Segundo ele, a Fundação Cesp se atém a quatro características fundamentais na hora de escolher um recebível: elegibilidade dos ativos, comitê de investimentos – que, segundo Glo-gowsky, deve ter o poder de veto e não o voto no Fundo –, o quórum para substituição do gestor, e se o recebível é performado (vendas já realizadas).
Mais um fundo de pensão que está constantemente analisando produtos de securitização é o Fapes, dos funcionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo o chefe de departamento de finanças da fundação, Raul Brockmann, a Fapes tem R$ 47 milhões em seis emissões de CRIs e R$ 79 milhões em oito FIDCs – o que dá pouco mais de 3,5% de um patrimônio de R$ 3,3 bilhões. “Sempre digo que, se houver boas alternativas de investimentos em securitização, que venham oferecer à Fapes. Temos interesse nesse mercado, que oferece diferencial de risco, rentabilidade e liquidez”, diz.
O Postalis, dos funcionários dos Correios, também está de olho nesse nicho. De acordo com o seu presidente, José de Souza Teixeira, o fundo tem hoje 2% de seu patrimônio (de R$ 1,9 bilhão) em fundos de recebíveis. “Nossa experiência tem sido positiva e a rentabilidade, satisfatória. É um caminho que, indiscutivelmente, chama a atenção dos fundos de pensão e é um segmento que tende a crescer. Nós estamos interessados em analisar essas alternativas”, considera.
Já o Aerus, fundo multipatrocinado do setor de aviação, ao contrário do Postalis, não entrou nesse mercado – “ainda”, avisa o gerente de investimentos, Rudolf Pfeiffer. “Se aparecer alguma operação de securitização que tenha a estrutura e a taxa de juros adequadas, vamos entrar”, diz.
Não é à toa que Lopes, da Uqbar, estima que esse mercado vá atingir R$ 3,5 bilhões este ano, sendo a grande maioria em forma de FIDCs e cerca de 10% em CRIs. Vale lembrar que, nos Estados Unidos, o mercado de securitização cresce a uma taxa média de 30% ao ano, desde o seu surgimento, em 1985.
“O número de investidores por fundo tem aumentado e temos notado a demanda dos fundos de pensão. Afinal, esses papéis têm vantagens fiscais, além de serem uma alternativa de diversificação da carteira e terem prazos compatíveis com o longo prazo das fundações. Do ponto de vista da rentabilidade, os ativos de securitização têm batido a meta atuarial dos fundos”, diz Lopes.
O profissional da Uqbar, entretanto, ressalva que comprar um FIDC ou um CRI não é como comprar uma debênture. Segundo ele, há a necessidade de conhecimento do mercado, uma vez que esses papéis se constituem em uma nova tecnologia financeira. “Verificar a classificação de risco, por exemplo, não é tudo. Não dá para comprar esses papéis só porque há um selo. Securitização é igual a informação”, avalia.

Limites – De fato, ainda há muito o que ser feito no nicho de securitização. Malavazi, diretor de investimentos da Petros, por exemplo, critica os baixos valores das emissões de CRIs. “Às vezes, o processo de análise e o custo de acompanhamento da operação não compensam”. Além disso, faltam diversos ajustes técnicos, como a padronização dos papéis, a ativação de um mercado secundário, a necessidade de mais informações sobre a performance do fluxo de caixa dessas operações, a atualização dos dados das emissões em tempo real, o aprimoramento do arcabouço regulamentar, melhorias no regime fiduciário e até mesmo, avaliam alguns técnicos, a própria expansão dos limites de investimentos dos fundos de pensão em FIDCs e CRIs, entre outros.
Pelo artigo 16 da Resolução 3.121, as fundações podem alocar 10% da carteira de renda fixa em FIDCs (que é de, no máximo, 80% sendo o restante de títulos públicos). Se os papéis forem de médio ou alto risco de crédito, esse porcentual cai para 5%. Além disso, existem requisitos de diversificação: os FIDCs não podem superar 25% do Patrimônio Líquido (PL) da emissão (conforme o artigo 17 da 3.121).
Já para os CRIs a exposição pode chegar a 80% da carteira de renda fixa, entretanto, há restrições de concentração. Ou seja, as aplicações em CRIs de uma mesma pessoa jurídica não podem exceder 30% dos recursos do plano de benefício (artigo 49 da 3.121) e se a emissão for proveniente da própria patrocinadora esse porcentual cai para 10% (artigo 50 da 3.121).
“Os cálculos são complexos, mas o objetivo é um só: diversificar o risco e distribuir os recursos entre várias cestas”, explica o diretor de análise de investimentos da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Ricardo Pena Pinheiro. “Conversamos com várias instituições e algumas delas acreditam que os limites restringem as operações. Não é verdade. Fizemos uma apresentação que evidencia que ainda existe muito espaço neste mercado”, diz Pinheiro.
Segundo estudo feito pela área técnica da SPC, as fundações alocavam, em março, apenas 0,33% do patrimônio em títulos de securitização. São R$ 403 milhões em FIDCs e R$ 335 milhões em CRIs. Os números deixam claro que ainda há um longo caminho nesse setor a ser explorado e, levando-se em consideração que, hoje, metade do programa de investimentos das fundações ainda está alocado em títulos públicos, o setor produtivo do País é o primeiro a torcer para que os fundos realmente sigam nessa direção.