Fechadas também terão VGBL | O subsecretário de Previdência Compl...

Dono de um currículo acadêmico de peso, com passagens pelo Ibmec e pela prestigiosa The George Washington University, dos Estados Unidos, o auditor federal de finanças e controles Paulo Fontoura Valle, vem exercitando, nos últimos meses, seus dons didáticos. Titular da Subsecretaria de Previdência Complementar, ele se dedica, desde agosto, à coordenação de um grupo de trabalho incumbido de elaborar uma cartilha sobre a constituição de fundos de pensão voltada a estados e municípios, que terão de oferecer, a partir de 2021, planos de complementação de aposentadorias a funcionários com salários acima do teto da previdência social, como estabelece a recém-aprovada PEC 06/2019. “A ideia é apresentar, de forma muito clara, a trajetória a ser seguida e os principais pontos que merecem atenção”, comenta Valle.
Otimista, ela acredita que a criação compulsória de entidades fechadas de previdência por esses entes federativos não é o único fator que contribuirá para a expansão do sistema nos próximos anos. A previdência complementar, na sua visão, vem conquistando espaço definitivo na agenda dos brasileiros desde a apresentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016. “Os fundos de pensão pagam a expressiva cifra de R$ 65 bilhões ao ano em benefícios, mas o seu potencial é muito maior”, observa Valle. “Afinal, é um sistema relativamente novo, com pouco mais de 40 anos de trajetória, e que desperta o interesse crescente da população, em razão dos intensos debates sobre a Reforma da Previdência, que tiveram início em 2016”,
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Valle à Investidor Institucional.

Investidor InstitucionalA Reforma da Previdência estabeleceu que municípios e estados terão de criar, em até dois anos, fundos de pensão para os salários acima do teto da previdência. O prazo é exequível?
Paulo Valle – Em agosto, constituímos um grupo de trabalho que está elaborando uma cartilha em colaboração com membros do Conselho Nacional de Previdência Complementar, o CNPC. A cartilha, que acreditamos será aprovada pelo CNPC até dezembro, levanta os principais questionamentos e pontos que têm de ser observados pelos entes para instruir os participantes. Já estamos desenvolvendo, inclusive, uma sugestão de minuta, com regulamentos padrões da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, a Previc, a ser apresentada aos Legislativos de cada ente. Como, logo após a aprovação da PEC, já temos praticamente pronta uma cartilha com as principais recomendações a serem seguidas, acreditamos que o prazo de dois anos para a constituição de fundos de pensão por municípios e estados é, sim, razoável.

IIAs recomendações dessa cartilha têm como objetivo padronizar o processo, reduzindo o espaço para interpretações caso a caso?
PV – A ideia é apresentar um modelo já mais organizado e os principais pontos que têm que ser levado em conta na criação desses novos fundos de pensão, mas os entes terão liberdade para alterar a minuta padrão. Estamos conversando com os agentes envolvidos para buscar um consenso sobre alguns pontos que consideramos mais relevantes. Um exemplo: o ente deve criar uma estrutura autônoma para administrar a previdência complementar ou aderir a um plano já constituído? Forneceremos parâmetros para a tomada dessa decisão pelos Executivos dos entes, observando que, se são poucos funcionários que ganham acima do teto, a primeira opção não tem viabilidade econômica.

IIOs fundos de pensão já em operação, de uma maneira geral, estão muito interessados na inscrição automática de participantes, prática bem-sucedida nas fundações de previdência complementar dos servidores públicos federais e do Estado de São Paulo, a Funpresp e a Prevcom. Esse instrumento estará ao alcance das entidades que serão criadas por estados e municípios?
PV – A inscrição automática, que alcançou grande sucesso em países como Nova Zelândia e Inglaterra, tem por referência um aspecto da economia comportamental, a postergação pelo ser humano de decisões de investimento. Para agilizar esse processo, os recém-contratados são inscritos imediatamente nos planos de benefícios das empresas, medida que, no futuro, será reconhecida por esses trabalhadores como um grande benefício que lhes foi prestado por seus empregadores. Recomendamos, sim, essa prática de grande sucesso no Brasil, nos casos da Funpresp e da Prevcom, e no exterior, mas os entes não serão obrigados a adotá-la.

IIEntão, a decisão ficará a critério de cada um?
PV – Sim, pois a emenda da PEC paralela que prevê a inscrição automática deixa a decisão a cargo do patrocinador. A adoção da inscrição automática, portanto, não é obrigatória. Nas entidades que adotarem a prática, a permanência dos participantes nos planos de benefícios também é facultativa. A inscrição é feita automaticamente, mas eles dispõem de um prazo de 90 dias para optar pela saída, com direito ao resgate integral dos recursos.

II – A proposta de fusão da Superintendência de Seguros Privados, a Susep, e a Previc, anunciada há cerca de um ano, agitou o mercado, mas não há mais notícias nem pronunciamentos oficiais a respeito. O projeto segue em pauta?
PV – Este é um tema que não está na minha alçada. O que sei é que a proposta depende de um projeto de lei que ainda será encaminhado ao Congresso. O que temos dito é que queremos promover uma maior convergência entre os sistemas aberto e fechado de previdência complementar. Isso envolve Previc, Susep, Ministério da Fazenda, Secretaria de Fazenda e Secretaria de Previdência, que estão empenhados no fortalecimento de todo o sistema complementar, evitando arbitragens entre as entidades abertas e fechadas.

IIA convergência entre os sistemas aberto e fechado tende a contemplar também o aspecto tributário? Há intenções de estender aos planos dos fundos de pensão o tratamento dispensado aos VGBL, oferecidos por entidades abertas?
PV – O objetivo é este, ou seja, criar um VGBL para as entidades fechadas. Quem está tocando este projeto é a Secretaria de Política Econômica da Secretaria de Fazenda. O objetivo é eliminar as arbitragens. O que importa é ter um sistema de previdência forte. É preciso ter cuidado para não criar vantagens para entidades abertas ou fechadas, ou gerar distorções entre elas.

IIEssa busca por denominadores comuns no sistema também pretende tornar as regras de investimento e governança dos RPPS mais semelhantes às dos fundos de pensão? A Resolução 4.661, do Conselho Monetário Nacional, que estabeleceu novos padrões para as entidades fechadas de previdência complementar, poderá se tornar referência também para os RPPS?
PV – A legislação dos RPPS evoluiu bastante, hoje está muito mais próxima às regras seguidas pelos fundos de pensão. Há um grupo de trabalho, coordenado pela Subsecretaria dos Regimes Próprios de Previdência Social, chefiada pelo subsecretário Allex Albert Rodrigues, que vem discutindo novos avanços nesse sentido.

IIO sistema fechado defende alguns ajustes na Resolução 4.661, como a permissão para as fundações manterem os imóveis que possuem em estoque e a proibição apenas para a compra de imóveis novos. Como analisa esta e outras reivindicações?
PV – A Resolução 4.661 é relativamente nova e a Secretaria de Política Econômica, que subsidia o Conselho Monetário Nacional, vem acompanhando as demandas a respeito. O pleito dos fundos de pensão relativo aos imóveis foi apresentado pela Abrapp ao governo, mas, pelo que sei, ainda não há decisão sobre a proposta. Também desconheço qualquer previsão de ajustes na 4.661.

IIMas acredita que a exigência em relação aos imóveis poderá ser revista?
PV – Ainda é cedo para dizer, até porque não há muitos debates a respeito no governo. Oficialmente, não há nada em pauta. Mas quem pode e deve falar sobre o tema é a Secretaria de Política Econômica.

IIOs planos familiares se tornaram a principal aposta dos fundos de pensão nos últimos anos. A Subsecretaria de Previdência Complementar considera realmente relevante para o sistema fechado essa modalidade de produto instituído?
PV – O objetivo da política de previdência, no limite, é que todo brasileiro que ganha acima do teto conte com um plano de previdência complementar. Consideramos, portanto, esses planos instituídos voltados aos familiares de participantes de planos patrocinados uma iniciativa positiva, pois permite a popularização da previdência complementar. É um movimento que, aliás, vem ganhando volume. Nossa Subsecretaria não tem estatísticas a respeito, mas é nítido o crescimento dessa modalidade de planos.

IIA regulamentação desses produtos instituídos tem alguma falha ou pendência, a seu ver?
PV – A aprovação dos planos familiares é atribuição da Previc, mas acredito que esteja tudo OK. Não tenho conhecimento de quaisquer falhas ou pendências. É uma iniciativa de mérito, pois vem atraindo novos poupadores para um sistema que, antes, era restrito aos empregados das patrocinadoras. Acho muito positivo o crescimento do público atendido pelo sistema.

IIAprovada a PEC 06, quais as perspectivas dos fundos de pensão no novo modelo previdenciário do país? Eles contam com reservas suficientes para reduzir suas metas atuariais, como forma de fazer frente à queda da taxa de juros?
PV – Penso que, com a queda dos juros, as soluções lógicas para os fundos de pensão são uma diversificação maior dos investimentos, em busca de taxas de retorno mais elevadas, e ajustes nas metas atuariais. Quem vai avaliar, no entanto, se o processo de ajuste está lento ou não é a Previc, que monitora atentamente esse processo. Acredito, de qualquer forma, que os efeitos da reforma previdenciária, com a elevação da idade mínima de aposentadoria, terão impactos positivos sobre a previdência complementar em geral.

IIO sistema tende a crescer já nos próximos anos?
PV – Dois fatores poderão contribuir para isso. Um deles é a diversificação da atuação das entidades fechadas, que, como disse, estão atraindo um novo público por intermédio dos planos instituídos familiares. O outro é a conscientização dos brasileiros sobre a importância da previdência complementar, que cresceu de forma expressiva após três anos de intensos debates sobre a reforma da previdência. O impacto dessas mudanças é positivo e tende a resultar em crescimento. Os desafios representados pela queda da taxa de juros e a contínua busca de menores custos administrativos vão exigir ainda mais eficiência e profissionalismo das entidades fechadas, mas as perspectivas para o setor são positivas.

IIQuais são as principais bandeiras da Subsecretaria de Previdência Complementar?
PV – Meu principal desejo é uma maior participação, um maior volume de adesão dos jovens ao sistema fechado de previdência complementar. O ideal seria que o cidadão ao ser contratado para o seu primeiro emprego já fosse automaticamente inscrito em um plano de previdência. O objetivo maior do governo, portanto, é aumentar a inserção dos cidadãos nessa indústria.

IIOs jovens, no entanto, não demonstram lá muito entusiasmo pela previdência complementar. A contratação compulsória de planos de complementação de aposentadorias por novos trabalhadores, tão logo cheguem ao mercado, não solucionaria essa questão?
PV – Isso não é possível, pois a Constituição Federal estabelece que a previdência complementar é facultativa. Uma solução, no primeiro emprego, seria a instituição da adesão automática.

IIQue estímulos poderiam ser oferecidos às empresas para incentivá-las a oferecer planos de previdência complementar?
PV – Já há estímulo tributário. Como coparticipantes, os trabalhadores podem abater as contribuições para a previdência complementar na declaração completa do Imposto de Renda. O mesmo vale para as empresas. Os incentivos já estão alinhados.

IIMas o fato é que, há tempos, são raríssimas as criações de fundos de pensão por empresas. A enorme maioria das entidades surgidas nos últimos anos são ligadas ao funcionalismo público.
PV – As principais empresas, no entanto, contam com fundos de pensão, o que dá margem a uma outra discussão. Hoje, só as companhias de grande porte, optantes pela tributação pelo lucro real, têm direito ao benefício oferecido pela previdência complementar. O ideal seria contemplar empresas menores, que trabalham com o regime de lucro presumido.

IIAlguns dos raros fundos de pensão que têm apresentado crescimento são os multipatrocinados, graças à adesão de novas empresas, em sua grande maioria privadas, e de entidades menores. O desinteresse empresarial pela criação de entidades fechadas não preocupa?
PV – Creio que o mais importante é aumentar o número de participantes, de cidadãos presentes no sistema fechado de previdência complementar, seja por multipatrocinados, seja por fundos de pensão de um único patrocinador. A decisão de aderir a um multipatrocinado ou abrir uma entidade depende, sobretudo, do porte da companhia. Vale dizer a respeito que há empresas pequenas com entidades próprias que não têm viabilidade econômica.