Brasil também vive crise de confiança nas agências | Rebaixamento...

Edição 204

A queda da confiança nas agências de risco acometeu investidores de todo o mundo. No exterior, o questionamento surgiu depois que os papéis subprime mostraram-se podres, apesar de terem sido anteriormente bem avaliados pelas agências. No Brasil – que deve ter nova regulação sobre o tema em breve –, os investidores institucionais passaram a pôr as notas em xeque, especialmente depois dos rebaixamentos em cascata ocorridos nos últimos meses. Em meio à desconfiança, cada fundo de pensão adotou a estratégia que acha mais viável. A CBS ampliou o leque de agências verificadas pela fundação, adicionando à lista as brasileiras SR Rating e Austin Rating. Já o Economus segue com sua estratégia de contratar a Fitch para ter acesso a informações exclusivas, enquanto a Ceres decidiu que, toda vez que houver divergência das notas de diferentes agências em relação ao mesmo papel, considerará a menor delas.
O descontentamento das fundações foi explicitado por José de Souza Mendonça, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), durante evento organizado em São Paulo pela própria entidade em parceria com a agência SR Rating, no dia 20 de maio. Na ocasião, Mendonça afirmou que a confiança das entidades ficou abalada depois que diversas empresas e operações de debêntures e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) tiveram suas notas rebaixadas em vários degraus, abruptamente. As baixas foram interpretadas pelo mercado como um sinal de que as notas anteriores estavam erradas.
Em entrevista concedida posteriormente à Investidor Institucional, Mendonça ressalvou que, neste cenário, caberá aos fundos de pensão usar, além dos ratings, toda a expertise que detêm para avaliar papéis. “Não basta ter a opinião da agência. Os fundos têm que fazer sua própria due dillingence quando forem adquirir grande quantidade de papéis. Pela legislação, são obrigados a usar a nota para selecionar os títulos. O rating é usado protocolarmente”, disse.

Solução – Em meio ao debate sobre como agir perante as avaliações de risco, Ricardo Heich, diretor de investimentos da CBS Previdência, informa que a entidade decidiu incluir este ano em sua política de investimento as avaliações da SR Rating e da Austin Rating – que foram adicionadas à lista que já inclui S&P, Moody’s e Fitch. “Desde o final de 2008, começaram a sair muitas operações de CCBs [Cédulas de Crédito Bancário] que tinham a avaliação dessas duas agências. Para aumentar as possibilidades de investimentos, começamos a considerar os ratings das brasileiras também. Não compramos nenhuma CCB, mas pelo menos pudemos avaliar as operações”, comenta. Com patrimônio de R$ 3,7 bilhões, a fundação percebe que a confiabilidade das notas está em uma situação crítica. “No entanto, a própria legislação nos obriga a classificar os títulos”, lembra Heich. A CBS conta com um fundo de crédito privado de R$ 25 milhões, que detém debêntures, cotas de FIDCs e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). A consultoria RiskOffice ajuda a entidade na escolha dos títulos.
O Economus, por sua vez, está colhendo os frutos de uma atitude mais radical, tomada há dez anos, quando contratou a Atlantic Ratings – que posteriormente foi adquirida pela Fitch – para prestar serviços à fundação.
A iniciativa é incomum, já que nos mercados brasileiro e mundial prevalece o modelo de as próprias empresas emissoras contratarem a agência de risco. “A Fitch nos informa toda e qualquer alteração nas notas.
Também temos acesso a uma série de informações que outros investidores não têm, como balanços de empresas, estratégias adotadas, desempenho e risco de mercado, entre outras”, diz José Augusto Coli, diretor financeiro do Economus.
Apesar de as agências normalmente serem contratadas pelas empresas emissoras, analistas afirmam que esse custo está embutido no preço do papel. Dessa forma, o investidor que contrata as agências acaba pagando duas vezes pelo serviço. Mesmo assim, o Economus considera que vale a pena. “Quando uma empresa tem problemas, recebemos a informação imediatamente. Sem esse serviço, só ficaríamos sabendo de um rebaixamento muito mais tarde”, comenta Paulo Julião, presidente da fundação. O Economus conta com R$ 400 milhões em investimentos em crédito privado, o equivalente a 11% do patrimônio.
Para Luciano Fernandes, diretor de investimentos da Fundação Ceres, as notas de um mesmo título variam de acordo com a agência. “Por isso, consideramos sempre a menor nota. Se uma delas der risco médio, não compramos”, explica. Fernandes comenta que a entidade chegou a levantar a possibilidade de contratar uma agência de rating para prestar serviços ao fundo, o que não foi levado à frente. “Nossa fundação é pequena, então, sairia muito caro. O que fazemos é exigir o rating dos estruturadores. Também começamos a ser mais rígidos, estudamos começar a exigir notas de duas agências”, completa. Além das grandes, a fundação considera notas das brasileiras SR Rating, Austin Rating e LS Rating.
Desde que a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Nordeste (Capef) começou a investir em crédito privado, o risco se tornou um fator de preocupação, afirma José Jurandir, diretor de investimentos do fundo de pensão. Isso fez com que a entidade priorizasse as aplicações em grandes empresas. “A redução dos ratings das empresas é reflexo da crise. Na minha opinião, as agências dificilmente se antecipam, normalmente ajustam as notas depois que as coisas já aconteceram”, critica. Para ele, no entanto, é benéfico para o mercado que as notas estejam sendo corrigidas, mesmo que tardiamente.
Regulação – No mundo, e principalmente nos Estados Unidos, a desconfiança em torno das agências aumentou depois do estouro da bolha do subprime. Desde então, o oligopólio das três maiores – Standard & Poor’s, Moody´s e Fitch – vem sendo questionado, já que as companhias erraram juntas com suas avaliações positivas de papéis podres, contribuindo para gerar o risco sistêmico. Na Europa, as críticas já estão tomando a forma de maior regulação. Em abril, o Parlamento Europeu aprovou nova legislação que exige mais transparência e responsabilidade das agências. Foram estabelecidas regras em relação à avaliação de produtos financeiros estruturados, conflito de interesses, qualidade das notas e supervisão, entre outros pontos.
O Brasil também caminha para ter sua própria regulação, afirma Ricardo Pena, titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e também presidente de turno do Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec) – órgão que conta, além da SPC, com Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência de Seguros Privados (Susep) e Banco Central como membros. “Temos discussões sobre isso, mas não há nada definido. A CVM trouxe essa preocupação da reunião do G-20. Vai ter alguma regulação [das agências] no Brasil, mas ainda não sei o timing”, indica.
Para Paulo Rabello de Castro, presidente da SR Rating, esse processo regulatório não deve trazer muitos benefícios aos mercados. Ele explica que, na Europa, a supervisão está sendo baseada no código elaborado pela International Organization of Securities Commissions (Iosco), focando os desvios de conduta. Para o especialista, no entanto, não foi este o principal motivo da crise de confiança nas agências, e sim o problema da falta de competição nesse mercado, além da incapacidade técnica de as empresas avaliarem o risco de operações complexas, como as de crédito estruturado. “As agências têm um bom track record quando se trata das operações tradicionais, emissões de empresas que vão a mercado captar. Quando saímos dessa área para as operações estruturadas ou para avaliações de risco de bancos, que carregam essas operações em seus balanços, ou ainda na avaliação internacional de países, verificamos que as agências não se prepararam adequadamente”, avalia.
De acordo com ele, as três grandes agências têm a falsa percepção de que estando centradas em Nova York conseguem acompanhar economias do mundo inteiro. “A maior competição ajudaria o mercado. Isso porque o DNA das três grandes é nova-iorquino. Então, elas se repetem. Não porque sejam repetitivas, mas porque é natural, já que estão municiadas de informações praticamente sob os mesmos ângulos”, afirma, completando que isso decorre de uma enorme barreira à entrada de novos players no mercado americano.
No Brasil, o mercado também é praticamente dominado pelas três grandes. Segundo Rabello, existe no País o mesmo mito propagado no exterior: o de que as agências internacionais são mais rigorosas. “Isso não acabou. Foi amenizado com a crise, mas no regulamento de vários fundos de pensão, por exemplo, ainda consta a exigência de nota de pelo menos uma agência internacional. Um conselheiro, com aquele monte de responsabilidades formais, acha que se defende melhor ao utilizar uma agência estrangeira”, lamenta.
Sobre os rebaixamentos em cascata de empresas brasileiras, Rabello afirma que as baixas foram abruptas, o que pode significar um problema na metodologia de aplicação das agências. “O problema está na escala nacional, que é torta, truncada”, afirma, referindo-se à escala Br, utilizada pelas agências internacionais para “traduzir” o rating global às empresas do País. “Uma nota global BB pode virar, na tradução para a escala nacional, em um A ou até AA. Obviamente, por mais que alguém tente explicar que esse A é um A ‘fraquinho’, qualquer cristão vai entender a primeira letra do alfabeto como uma coisa forte, ou relativamente forte.
Mas na realidade, do ponto de vista do risco de default, aquilo nunca deixou de ser um risco mediano”, endossa o especialista.
Na opinião de Robson Sato, diretor da SR Rating, parte do problema dos rebaixamentos abruptos ocorreu devido a divergências tecnológicas entre as agências. “Além disso, a movimentação da nota global das empresas foi bem menor que a da nota Br, mas deveriam estar equalizadas. Muitas empresas tinham B global e AAAbr”, declarou, durante o evento organizado pela Abrapp em São Paulo.

Agência brasileira derruba nota dos Estados Unidos Em maio, a SR Rating ganhou projeção internacional ao se tornar a primeira agência de risco do mundo a rebaixar a nota soberana dos Estados Unidos, que caiu de AAA para AASR, com perspectiva estável. O objetivo, segundo Paulo Rabello de Castro, presidente da empresa, foi cumprir a tarefa típica de um classificador de risco: avaliar o cenário macroeconômico e político de um país com profundidade. Isso porque, na avaliação da agência, as emissões de papéis no Brasil também são afetadas pelo risco global.
A SR Rating encarregou Uwe Bott, especialista alemão radicado nos Estados Unidos e ex-analista da Moody’s, de auxiliar no trabalho. “Achamos que, na análise de risco de um país, é preciso ter alguém localmente situado para no mínimo ajudar e, eventualmente, até elaborar o grosso do trabalho. Mas a parte técnica foi toda feita na SR Rating”, afirma.
Segundo Rabello, a realização do trabalho coincidiu com o fato de alguns clientes da agência terem questionado a empresa sobre a posição dos Estados Unidos na economia mundial. “A disciplina de fazer uma avaliação completa com vistas a atribuir uma nota é bem diferente de um palpite”, diz. “Nesse caso, fomos em busca de um comportamento mais compatível com aquilo que os mercados esperam das agências daqui para frente.” No relatório, a SR Rating aponta que as incessantes injeções de dinheiro na economia americana para combater a recessão, assim como as linhas de refinanciamento a bancos concedidas pelo Federal Reserve desde o fim de 2007, comprometem significativamente o balanço financeiro dos Estados Unidos como devedor soberano. “A fim de contornar os supostos efeitos indesejáveis sobre os níveis de renda e riqueza decorrentes da contração da demanda global, o governo dos EUA, em sã consciência, aceitou a tarefa de refinanciar e, em algumas circunstâncias, de assumir parcialmente a posição do devedor original, fosse ele um banco insolvente, um mutuário individual em aflição ou uma montadora de automóveis em dificuldades, apenas para citar algumas situações”, afirma a súmula do relatório.
Segundo a análise, o devedor soberano abandonou sua posição de qualidade de crédito, como país emissor AAA. “Apesar da grande margem de manobra restante aos EUA como emissor da moeda de reserva do mundo, bem como arrecadador de tributos de primeira grandeza, a década vindoura representará uma forma de desafio financeiro ainda imperscrutável ao governo dos EUA como emissor recorrente de dívida pública.” A previsão da SR Rating é de que a dívida federal americana subirá rapidamente, depois de ter ficado ao menos uma década estável em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), para 67% até 2014. No pior caso, a agência prevê um nível de 78% do PIB. O relatório também faz menção à situação dos devedores do setor privado, enfatizando o alto endividamento das famílias americanas e o sistema financeiro machucado. “Mesmo no nosso cenário ‘mais provável’, o passivo total dos EUA provavelmente se manterá à volta de 370% do PIB, essencialmente empurrado por um aumento considerável, embora temporário, no endividamento do governo, cuja situação de crédito piorará.” A agência também salienta que não é garantido que os investidores estrangeiros que financiam a dívida americana – estando o Brasil entre eles – continuarão desejosos de aumentar sua atual parcela de contribuição, hoje correspondente a 55% do PIB americano. “Durante a década passada, de forma gradual, o resto do mundo mais do que duplicou sua parcela de financiamento aos EUA, sem por isso exigir qualquer incentivo adicional de juros. Nos anos vindouros, a fração de não- residentes no financiamento do devedor soberano e dos demais devedores nos EUA provavelmente diminuirá, na medida em que a percepção de risco de crédito sistêmico refluir e o mundo gradualmente sair da recessão, desta forma provocando um aumento no custo da rolagem da dívida soberana dos EUA.”