Queimando a gordura | Para fechar a conta em tempos de crise, ass...

Edição 200

O cenário cada vez mais incerto em relação ao futuro faz com que consumidores e empresários reduzam ao máximo suas dívidas e despesas no presente. A reação não é diferente por parte dos donos de assets management, que são afetadas mais rapidamente pela deterioração da economia devido ao aumento da aversão ao risco por parte do investidor. Dessa forma, além de cortar pessoal, gestoras diminuem drasticamente os bônus pagos a executivos, renegociam taxas com administradores de fundos, fazem seus funcionários frequentarem hotéis e restaurantes mais baratos, e até mesmo diminuem as instalações físicas de seus escritórios.
Nos últimos cinco anos, houve uma onda de criação de assets no Brasil, especialmente na região da avenida Faria Lima, em São Paulo, e no Leblon, no Rio de Janeiro. Todas aproveitavam a época de pujança da economia brasileira e da sede dos investidores por produtos arrojados.
Contratavam muitos executivos e “esbanjavam” recursos. Com a crise e os saques, a fonte secou, e as mesmas assets estão tendo de se adaptar à nova realidade. A Mauá, por exemplo – que tem como sócio o ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo –, já cortou desde o ano passado 57% de seus custos, reduzindo a equipe de 56 para 28 pessoas e aumentando o número de sócios, entre outras medidas (veja mais nas páginas 34 e 35). “Hoje, se vamos levar um cliente para almoçar, não levamos mais ao Armani, mas também não vamos levar para a padaria ao lado”, brinca Caio Megale, sócio da gestora, enfatizando que, nas viagens, a opção também é por hotéis mais baratos. A empresa inclusive trocou o plano de saúde dos funcionários, o que ocasionou uma economia de até R$ 35 mil por mês. “São coisas que, na época da bonança, ninguém prestava atenção”, diz.
Acostumada a ocupar meio andar de um luxuoso prédio em frente ao shopping paulistano Iguatemi – umas das regiões mais caras do País –, a gestora teve de se contentar com apenas um quarto do mesmo andar. “Hoje, por exemplo, é o último dia desta sala”, comentou Megale durante a entrevista, realizada em janeiro. “São gorduras que podem ser eliminadas”, avalia. Segundo ele, apesar de violento, o corte de pessoal não fez a Mauá perder a consistência de seu negócio. “Os clientes não veem com bons olhos troca de gestor toda hora. As equipes de gestão e de análise foram mantidas.” A indústria toda passou por uma onda de corte de empregos e, quando não houve demissões, os bônus foram drasticamente reduzidos. Segundo Joaquim Patto, consultor da Mercer Human Resource Consulting, diferentemente de outras indústrias, a financeira – que inclui bancos, financeiras, assets, bancos de investimento, corretoras – pagava bônus estratosféricos a seus executivos, comparáveis a Wall Street. “Os bancos estrangeiros, quando vinham para cá, ficavam assustados com os salários. Havia executivo brasileiro ganhando mais que seus similares nas matrizes”, afirma.
Ele lembra que a remuneração de um executivo envolvia um hiring bônus, ou seja, uma espécie de “passe” pago no momento da contratação; um bônus garantido, que como o nome diz, é pago sem haver a necessidade de obtenção de resultados; e o bônus de resultado, ligado ao desempenho. “Agora todas as empresas financeiras estão sendo obrigadas a mudar essa forma insustentável de remuneração dos funcionários”, avalia Patto.
O consultor lembra que, até a metade de 2008, havia um “apagão” de mão-de-obra qualificada, quando existia mais oferta do que demanda por empregos. Com a quebra do Lehman Brothers, rapidamente o mercado passou para o extremo oposto: desemprego. Para Megale, da Mauá, o fato de existir essa cultura do pagamento de bônus na indústria financeira permitirá que menos postos de trabalho sejam eliminados. “Os funcionários acabam entendendo que é melhor ter o bônus reduzido do que perder o emprego”, afirma. “Mas esse não foi o nosso caso, porque tínhamos um caixa grande que evitou cortes drásticos de bônus.”

Máxima – A renegociação das taxas de administração pagas ao administrador de seus fundos, o BNY Mellon, foi uma das estratégias adotadas pela Máxima Asset Management para reduzir os custos em 2009. Segundo Saulo Sabbá, diretor da gestora, essa conversa ocorreu no início de janeiro e teve como conseqüência a redução em até 25% dos gastos da empresa com essa taxa. “Achávamos que seria difícil renegociar, mas acabamos sendo muito bem recebidos. Essa redução ajudou a fechar um orçamento melhor para este ano. Não vai mudar nossa vida, mas ajuda”, explica Sabbá.
De acordo com o executivo, os custos de uma asset ligada a um banco, como é o caso da Máxima, são diferentes dos gastos das gestoras independentes. “Temos custos maiores, mas ao mesmo tempo existe um colchão em momento de crise. Além disso, o investidor enxerga nosso risco como menor por conta de estarmos ligados a um banco. O lado negativo é que não podemos ser uma partnership, quando há vários sócios para a empresa, o que também reduz custos.” O orçamento da asset em 2009 está naturalmente menor do que no ano passado. “Mas trabalhamos com cenário estável, em obter pelo menos o break even”, salienta. “Todo o cenário mudou. No ano passado ganhávamos receitas com captação e performance. Hoje, o patrimônio caiu e os fundos não performaram. Em compensação, tivemos captação de outros fundos que não estavam no plano, o que permitiu que a conta fechasse”, completa Sabbá.

BNY Mellon – Zeca Oliveira, presidente da BNY Mellon, não confirma estar recebendo pedidos de redução das taxas de administração para as gestoras, mas defende que a estrutura de custo de uma asset independente no Brasil é “leve”, já que o custo fixo não é uma parcela relevante dos gastos. “Não tenho visto nos últimos 12 meses muitos pedidos de renegociação de custos. O que as gestoras vão ter dificuldade é em manter pessoal, porque este é um custo variável alto. Além dos bônus”, salienta. “A dificuldade atual não é o custo fixo que o administrador cobra, e sim a capacidade de reter talentos”, completa.
Segundo ele, a solução será consumir o que foi ganho nos últimos anos, já que é quase certo que a performance será ruim em 2009. Ele lembra que, com a migração dos investidores para produtos mais conservadores, as receitas com taxas de administração tendem a diminuir, já que esses produtos cobram taxas mais baixas. O executivo acrescenta que, para “segurar” o investidor, a indústria tende a diminuir os prazos de carência para resgates, o que tornará a indústria brasileira mais líquida. “Acredito que o número de fundos com liquidez diária irá aumentar, o que eu acho péssimo para a indústria”, diz.
Caio Megale, da Mauá, concorda que a procura maior será por produtos com taxas de administração mais baratas. “Mas, por outro lado, com os juros caindo e uma provável retomada da economia americana no segundo semestre, o investidor vai voltar ao risco”, prevê. Para ele, não vale a pena a indústria promover liquidez diária dos fundos. Apesar disso, a Mauá decidiu reduzir de 90 para 30 dias a carência de seus fundos Mauá FIM e Mauá Top FIM por conta da crise. E de 30 dias para D1 no fundo Mauá Bolsa FIA.
“Acredito que a liquidez diária é ruim para os dois lados. Deixa o gestor muito amarrado à cota diária. Se você tem cota negativa em um dia, o cliente já saca. Já a carência te dá a tranqüilidade para que possa gerir melhor os recursos com menos preocupação”, avalia Megale. Para ele, a liquidez diária obriga o gestor a vender ativos a qualquer preço caso o cliente resolva sacar. “Já quando se pode esperar 30 dias, o investimento matura, e o gestor não precisa vender na ‘bacia das almas’”, acrescenta.
Os executivos da Mapfre Investimentos têm uma opinião diferente. A gestora conta com dois fundos com carência de 30 dias, mas seus multimercados sempre foram D1. Segundo Elíseo João Viciana, diretor financeiro da empresa, os investidores não estão mais aceitando carências longas. A abertura da carteira também é outra exigência, diz ele. “A carência não é garantia de patrimônio para a asset, o mais importante é a liquidez dos ativos”, comenta.
Quanto ao corte de custos, Ricardo Bonifácio, superintendente comercial da Mapfre, explica que a empresa já foi criada de forma enxuta e com uma equipe pequena, de 16 pessoas. “Percebemos que a remuneração baseada em performance era efêmera e, por isso, as taxas de administração continuarão tendo a maior fatia das receitas na nossa estratégia de longo prazo”, diz. Apesar de os gastos da gestora não serem altos, anualmente a Mapfre faz concorrência para obter as melhores taxas por parte dos administradores de fundos. Atualmente, a empresa mantém contrato com o Bradesco.