Direito de escolha | Regimes próprios de previdência social gaúch...

Edição 225

 

Os tribunais de contas dos estados do Espírito Santo e Rio Grande do Sul são os únicos que ainda proíbem os institutos de previdência de realizar investimentos em bancos e assets que não tenham controle estatal. As restrições, porém, podem cair em breve devido a ações organizadas pelos RPPS municipais desses estados que, junto com as associações estaduais e nacionais, estão pressionando os TCEs a mudar de posição. Um grupo de institutos de servidores municipais do Espírito Santo entrou com uma ação de consulta em janeiro de 2011 e espera posicionamento do Tribunal de Contas sobre o assunto. “Fizemos uma articulação no ano passado entre os regimes próprios de nosso estado e decidimos realizar uma ação coordenada para derrubar a restrição à escolha de gestores”, informa Herickson Rubin Rangel, diretor administrativo e financeiro do Ipamv, regime próprio de Vitória.
O dirigente explica que a ideia inicial era realizar a consulta em nome da associação capixaba de regimes próprios de previdência, entidade que congrega os institutos do Espírito Santo, mas, depois de analisar a jurisprudência do Tribunal de Contas, concluíram que era melhor entrar com a petição por meio de um dos RPPS do grupo. O TCE não costuma analisar pedidos de associações de entidades. Então, foi escolhido o instituto dos servidores de Serra para representar o grupo. A escolha foi motivada pela proximidade política do prefeito de Serra, Sérgio Vidigal, que pertence ao PDT e integra a coligação do novo governador, José Renato Casagrande (PSB). “Somos o segundo maior regime municipal do estado e estamos bastante próximos do governo do estado”, argumenta Severino Alves da Silva Filho, presidente do Instituto de Previdência dos Servidores de Serra.
A limitação imposta aos regimes próprios vem da Constituição Federal (artigo 164 parágrafo terceiro), que indica que os recursos de entes públicos devem ser aplicados exclusivamente em bancos oficiais. Porém, a interpretação da norma admite diferentes posições. “Entendemos que banco oficial é aquele que tem autorização de funcionamento e fiscalização pelo Banco Central e não somente aquele que possui controle estatal”, defende o presidente do RPPS de Serra. Por isso, os institutos pleiteiam a possibilidade de escolher instituições tanto de controle estatal quanto privado.
O presidente da Associação Brasileira e Institutos de Previdência Estaduais e Municipais (Abipem), Valnei Rodrigues, também segue a mesma linha. “É uma distorção considerar banco oficial apenas aqueles com controle estatal. Como gestor, tenho a obrigação de buscar uma melhor rentabilidade, até mesmo para desonerar os caixas dos entes públicos”, aponta. Rodrigues, que também é diretor presidente do instituto de Novo Hamburgo, revela que, apesar da restrição imposta pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, o regime próprio do qual é dirigente realizou as primeiras aplicações em fundos de assets privadas no começo de 2011.
O RPPS gaúcho aplicou recursos em fundos da Bram – Bradesco Asset Management, Itaú e Safra, além dos gestores com quem mantinha aplicações anteriormente – BB DTVM, Banrisul, Caixa Econômica Federal e Santander, este último em fundo remanescente do Banespa. “Fizemos as aplicações justamente como forma de levar a discussão ao pleno do Tribunal de Contas, onde queremos fazer uma defesa oral para atestar o direito de escolher a melhor forma de administrar os recursos dos servidores”, afirma Rodrigues. O dirigente revela que outros RPPS do Rio Grande do Sul também estão preparando as primeiras aplicações de recursos em bancos privados, com a mesma finalidade de levar a questão para o TCE.

Banco seguro – Em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, o acadêmico e jurista Ives Gandra Martins esclarece que “banco oficial é aquele sob o controle direto ou indireto de uma pessoa jurídica de direito público”. Ou seja, segundo interpretação do jurista, o termo “banco oficial” faz referência à instituição financeira controlada por ente público. Na questão específica, se fosse ficar restrito à legislação dos regimes próprios, os institutos continuariam limitados aos produtos do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e alguns bancos estaduais que ainda permanecem sob controle estatal.
Porém, o jurista faz outra interpretação com base na Constituição Federal, que admite a possibilidade de os RPPS investirem em bancos que não sejam apenas aqueles sob controle estatal. “Pessoalmente, entendo que pelo princípio da eficiência do artigo 37 da Constituição Federal, se um banco seguro oferecer melhores condições que os bancos oficiais, o administrador público não pode violá-lo, aplicando o dinheiro do qual é guardião com menor eficiência e rentabilidade. A meu ver, pode aplicá-lo, buscando, sem riscos, o melhor rendimento”, diz Ives Gandra.
O jurista explica que, apesar do artigo 164 da Constituição (parágrafo terceiro) indicar a aplicação de recursos públicos exclusivamente em bancos oficiais, o gestor também tem o dever de aproveitar melhores condições de rentabilidade para evitar dilapidação do dinheiro público. “Entendo que em igualdade de condições, os bancos oficiais têm preferência, mas se as instituições privadas, desde que sejam de primeira linha, oferecerem melhores condições, o gestor deve seguir o princípio da eficiência”, opina Gandra Martins.
A principal queixa dos regimes próprios é que, na impossibilidade de aplicar em assets privadas, deixam de conseguir melhor rentabilidade em alguns segmentos. Apesar da boa performance dos produtos da BB DTVM e da Caixa e do atendimento voltado especificamente para o segmento de RPPS, os dirigentes ainda se ressentem da impossibilidade de maior diversificação em fundos como, por exemplo, de renda variável e multimercados. “Não estamos perdendo, mas também deixamos de ganhar. Nossas aplicações em multimercados renderam em média 9% no ano passado, enquanto a rentabilidade de alguns fundos de outros gestores chegou a 14%”, mostra Herickson Rangel, do Ipamv.
Com a limitação para a contratação de gestores, os RPPS do Espírito Santo e Rio Grande do Sul enfrentam maior dificuldade de bater as metas atuariais. “Temos que fazer verdadeiros malabarismos para conseguir alcançar nossa meta”, diz Severino da Silva Filho, do RPPS de Serra. Ele comenta que em 2010 o regime próprio conseguiu empatar com a meta atuarial graças ao giro na carteira de renda variável. Com um patrimônio de cerca de R$ 142 milhões, o instituto aumentou a exposição em fundos de ações quando o Ibovespa estava na casa dos 58 mil pontos e realizou lucro quando o índice chegou a 67 mil pontos.
Além da limitação imposta pelo TCE, o instituto de Serra ainda enfrenta restrição definida por meio de lei municipal. “Depois de derrubar a proibição do Tribunal de Contas pretendemos encaminhar projeto de lei para mudar a legislação municipal”, adianta o presidente do RPPS de Serra. O dirigente concorda que a seleção de gestores deve levar em conta critérios de risco. “Queremos diversificar os gestores, mas sempre levando em conta os limites de prudência e as regras dos investimentos dos órgãos reguladores”, endossa.
Outro argumento utilizado pelos regimes próprios nessa questão é que os recursos administrados pelos institutos não são considerados como parte do caixa de entes públicos. A argumentação foi defendida na consulta realizada pelos regimes próprios de São Paulo em 2007. O voto do conselheiro Fúlvio Julião Biazzi, favorável à petição dos RPPS representados pela Associação Paulista de Entidades de Previdência Estadual e Municipal (Apeprem), considera que os recursos administrados pelos institutos não devem ser considerados dentro do conceito de “disponibilidade de caixa” dos entes públicos. “Os valores recolhidos a RPPS, decorrentes de contribuições patronais e de servidores, não se amoldam no conceito de disponibilidade de caixa de propriedade de ente público”, diz Biazzi em seu voto. Portanto, os recursos dos institutos podem ser administrados por instituições não-oficiais, ou seja, de controle privado, sempre que seguirem os critérios de seleção previstos pela regulamentação dos investimentos dos regimes próprios.