Dando crédito às empresas | Ao contrário do que poderia parecer, ...

Edição 201

 

Quem pensava que a acentuação da crise financeira faria com que grandes fundações colocassem as barbas de molho se enganou. Pelo menos isso é o que mostram Petros e Funcef no que se refere aos investimentos em crédito privado por meio de instrumentos como debêntures e Cédulas de Crédito Bancário (CCBs), por exemplo. O estopim da turbulência internacional, pelo contrário, tem criado oportunidades para as entidades buscarem bons prêmios por meio da aquisição destes papéis.
“Nós vemos uma oportunidade que a crise abre para os investidores de longo prazo. Há uma percepção de aumento da aversão ao risco no mercado, mas que não necessariamente significa que o risco de crédito aumentou. Por isso, em alguns casos nós temos empresas que estão com o risco em níveis muito próximos aos que estavam antes da crise, mas, em função do enxugamento da liquidez e do aumento da aversão ao risco por parte dos investidores, elas estão se dispondo a pagar taxas mais elevadas para conseguir seus financiamentos”, aponta Demósthenes Marques, diretor de investimentos da Funcef.
Os números mostram que os investimentos em crédito privado realmente saltaram aos olhos da fundação na segunda metade do ano passado, justamente o período mais castigado pela crise. Segundo Marques, a carteira da Funcef de papéis lastreados em crédito privado passou de R$ 400 milhões no início do ano passado para R$ 850 milhões ao final do período. Ele detalha que esta carteira é composta basicamente por debêntures, CCBs e Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDCs).
O executivo explica que nos primeiros seis meses de 2008 a demanda por títulos de crédito privado ainda estava aquecida e sobrava pouco espaço para investidores que exigiam uma taxa de retorno mais elevada. Quando a fonte secou, no entanto, a coisa mudou de figura. “No primeiro semestre do ano passado, as empresas que emitiam papéis captavam, por exemplo, junto a investidores internacionais que aceitavam taxas relativamente baixas para o ambiente brasileiro. Já no segundo semestre a quantidade de investidores diminuiu e então nós tivemos acesso a alguns papéis que antes não tínhamos como alcançar. E isto porque, na segunda metade do ano, já não houve essa redução de taxa causada por um excesso de dinheiro disponível”, conta o executivo.
Além de dobrar o tamanho da carteira no ano passado, a Funcef incluiu em sua política de investimentos para 2009 a possibilidade de aplicar até mais R$ 1 bilhão em papéis ou fundos lastreados em crédito privado. “Quando nós encaminhamos ao nosso conselho deliberativo a proposta da política de investimento para 2009, solicitamos a ampliação do limite da carteira que tínhamos no ano passado, que era de até R$ 1 bilhão. Nós conquistamos espaço para crescer dentro desse tipo de investimento graças à leitura que fazíamos já no final de 2008 sobre essa oportunidade de haver uma melhoria nas taxas sem necessariamente ter uma ampliação do risco no mesmo grau. Tivemos aprovação para fazer até mais R$ 1 bilhão no ano de 2009”, detalha Marques. Ele acrescenta que, além da carteira própria, a Funcef conta com dois fundos exclusivos com gestores terceirizados, de R$ 100 milhões cada um, que foram aprovados no final de 2008. E há ainda “diversas propostas de outros gestores” para investimento em fundos exclusivos ou abertos lastreados em operações de crédito.
Segundo Marques, os papéis indexados a inflação que a Funcef detém em carteira têm retorno que varia de inflação mais 8% ao ano até inflação mais 12% ao ano, “dependendo do risco da empresa”. “Nossa meta atuarial é INPC+5,5%. Nós temos papéis com IPCA e IGP-M, porque é difícil ter um papel em INPC, mas em janelas longas o IPCA tende a ser muito próximo do INPC. O IGP-M, em momentos de estresse de câmbio, acaba pagando mais, mas nós procuramos priorizar o IPCA porque casa mais com nosso passivo”, diz Marques. No caso dos papéis que têm como parâmetro o CDI, o retorno vai desde 110% do CDI (“ainda daquele período pré-crise”, nota Marques) até algo em torno de 125% do CDI. “Mas tem até mais do que isso. Temos aqui alguns papéis com CDI+3% ou CDI+3,5%”.

Ainda de olho – Sérgio Tabone, diretor de relações institucionais do Banco Máxima, afirma que os fundos de pensão estão olhando as operações lastreadas em CCBs com mais rigor, exigindo mais garantias e procurando taxas de retorno mais elevadas, mas não estão deixando de trabalhar com essa classe de ativos. “As fundações redobraram a cautela, mas continuam olhando para esses produtos sim”, afirma. Prova disso é que o banco estruturou e vendeu R$ 100 milhões em operações para “três ou quatro” fundos de pensão nos dois primeiros meses de 2009, o que, segundo o executivo, é um volume alto para este início de ano. De acordo com Tabone, no ano passado inteiro as estruturações e vendas de operações lastreadas em CCBs somaram de R$ 250 milhões a R$ 300 milhões, com os fundos de pensão sendo responsáveis por 90% deste total. Vale ressaltar que essas são operações isoladas realizadas pelo Banco Máxima. Há ainda os fundos exclusivos que a Máxima Asset oferece a seus clientes. Hoje, Petros e Funcef contam com esses fundos geridos pela Máxima.
Tabone conta que a Petros é o cliente mais antigo deste produto.
Segundo ele, a entidade teve seu fundo exclusivo iniciado em dezembro de 2007 e, como os R$ 100 milhões de recursos do Máxima Petros já estão integralmente colocados, a fundação já está em negociação com a Máxima para uma eventual implementação de um segundo fundo. Há ainda outras duas negociações em curso com fundos de pensão, mas o executivo prefere não citar nomes por enquanto. “São duas fundações que já fizeram aquisições de operações com lastro em CCBs individualmente e que agora estão interessadas em constituir fundos exclusivos. Uma delas já está no processo de due dilligence e a outra é vista como uma possibilidade concreta de fecharmos negócio”, informa.
Ricardo Pavie, analista de investimento sênior da Petros, afirma que a entidade continua “olhando normalmente” os investimentos em ativos como debêntures, FIDCs, CCBs e Certificados de Recebível Imobiliário (CRIs), assim como em Fundos de Investimento em Participações (FIPs). “Mesmo com o aperto da crise não veio nenhuma recomendação da diretoria tal como ‘não vamos mais olhar isso ou aquilo’”, resume.
Pavie afirma, inclusive, que na verdade a crise acaba abrindo uma janela de oportunidade para as fundações chegarem a um nicho de mercado que antes era oferecido só para os grandes bancos. No caso da Petros, é possível notar um interesse especial por fundos voltados a infra-estrutura e “ao desenvolvimento do País”. “A gente tem todo o interesse em entrar [neste tipo de investimento] porque são fundos que tendem a ajudar o Brasil por meio da injeção de crédito no mercado”, argumenta Pavie, reforçando que a Petros sempre busca “operações que estejam bem lastreadas, com boas blindagens, para que a entidade receba o dinheiro e alcance uma boa rentabilidade”.
O analista aponta que hoje em dia é possível encontrar “os mais diversos” projetos voltados a infra-estrutura, seja na área de saneamento, energia ou petróleo e gás. E os instrumentos para se fazer investimentos nestes projetos vão desde CCBs, FIDCs e CRIs (para estimular a construção civil) até fundos imobiliários e FIPs, de acordo com Pavie.

Rating – Como é praxe no mercado, a política de investimento da Petros estabelece um piso de classificação de risco que os papéis a serem colocados na carteira devem apresentar. “Só compramos papéis com baixo risco de crédito de acordo com padrões de rating estabelecidos em nossa política”, reforça Pavie. Ele afirma que são consideradas as notas da operação e, quando disponíveis, da empresa emissora, mas ressalva que o mais importante é olhar o risco da operação, porque “às vezes o risco não é da empresa que está emitindo os papéis”. “É possível fazer uma operação de CCB que seja lastreada em recebíveis performados, por exemplo, da Petrobras. Então o risco é todo Petrobras. E como são performados, ocorreu apenas um adiantamento destes recebíveis. Neste caso, o risco do estruturador não é muito importante, o que vale é saber quem é o cedente ali”, explica.
E se houver uma mudança na avaliação dos ratings depois que a operação já fizer parte da carteira? “A gente pode se desfazer do papel ou não.
Porque quando ele foi colocado, estava cumprindo com a política. O desenquadramento neste caso é passivo. E não necessariamente você vai se desfazer do papel porque ele pode apresentar boas garantias, fora a questão da liquidez. Tudo depende de como a operação foi estruturada.
Por isso que existe uma diferença entre o rating da operação e o da empresa em si.” Tabone, do Banco Máxima, conta que as operações estruturadas pela instituição têm seu rating renovado de seis em seis meses e cita que, em caso de rebaixamento, é possível que isso acarrete em um processo de antecipação de recebimento dos recursos investidos. Ele reforça, no entanto, todo o cuidado despendido especialmente pelos fundos de pensão na hora da seleção dos ativos que compõem suas carteiras. “As operações contam com algo bem perto de 100% de seu valor em garantias, que podem ser recebíveis, alienação fiduciária de imóveis, aval de sócios da empresa ou penhor mercantil. Para um papel chegar a compor um fundo, passa primeiro pelo crivo de um comitê de crédito, que analisa se aquela operação atende às condições mínimas para ingressar em uma carteira. São selecionadas a partir daí as melhores operações, que são apresentadas ao comitê de investimentos para autorização”, detalha Tabone, para quem a análise das empresas emissoras é feita de forma bastante rigorosa.
Nanci Turibio Guimarães, diretora da Bull Finance, reforça que a exigência de garantias aumentou do lado dos investidores para eventuais aportes em operações lastreadas em crédito. “É preciso vedar a operação por todos os lados. Existe uma preocupação ainda maior com as garantias e o processo de análise tem sido muito criterioso. Além de olhar a capacidade financeira da empresa, é preciso ver também qual seu grau de contaminação pelo mercado externo, se ela depende muito de exportação para ter receita e em que segmento ela atua”, exemplifica. Nanci acredita que mais operações lastreadas em crédito privado devem começar a sair do papel a partir deste mês de março. “Muito das necessidades de capital das empresas foi colocado na gaveta em um primeiro momento. Era preciso verificar qual o parâmetro de preço e garantias para poder acessar o mercado. Agora esses projetos devem começar a sair do papel.”

A voz de quem ainda prefere os títulos públicos No Instituto Oswaldo Cruz de Seguridade Social – FioPrev, houve uma inversão da tendência no final do ano passado. A entidade, que realizou dois investimentos em CCBs no início de 2008, desviou a mira para os títulos públicos no fim do ano, quando estes papéis voltaram a apresentar taxas mais convidativas. “Passamos a direcionar os investimentos mais para os títulos públicos e por enquanto não estamos pensando em fazer novas alocações em crédito privado. Mas isso porque, além do aumento da aversão ao risco, também estamos sem caixa”, explica Edmilson Lyra, coordenador de investimentos da entidade. Ele afirma que em 31 de dezembro de 2008 as CCBs correspondiam a 9,73% da carteira do FioPrev, as debêntures equivaliam a 19,28% e os títulos públicos respondiam por 34,95%. Naquela data, o total dos recursos garantidores da entidade somava R$ 162,874 milhões.
A fundação tomou o cuidado de contratar uma consultoria em outubro do ano passado com a responsabilidade de fazer um acompanhamento da carteira de crédito privado da entidade. “O papel da consultoria não é somente o de fazer uma análise de risco dos papéis, mas também de acompanhar o comportamento dos ativos sob o ponto de vista econômico- financeiro”, reforça Jacques Meyohas, diretor administrativo financeiro do FioPrev. Segundo ele, a contratação da consultoria segue ainda uma recomendação da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), a Orientação nº 11/08, que diz em seu artigo sétimo que “os adquirentes de CCB que tenham aderido aos Códigos da Andima devem dispor em sua estrutura, ou contratar de terceiros, equipe ou profissionais especializados na análise de crédito, compliance e jurídica de operações com CCBs, bem como em avaliação de riscos, que possibilitem a avaliação do negócio e o acompanhamento do título após sua aquisição”.

A Fioprev investe diretamente em CCBs e debêntures que são alocadas em uma carteira própria, gerida internamente. As CCBs que a entidade possui têm retorno de IPCA+9% e IPCA+9,80% e prazo de cinco anos.
Mário Amigo, consultor de investimentos da Mercer, diz que no caso dos clientes da companhia – entidades em que a patrocinadora é usualmente uma multinacional e a gestão dos investimentos é feita por terceiros, o que corresponde a 80% ou 90% da base de clientes da Mercer – pode ser visto um certo conservadorismo e, principalmente no caso das CCBs, não tem ocorrido alocações. “Nas debêntures a gente até vê algumas estratégias, mas nas CCBs não”, afirma Amigo. Ele diz que no ano passado alguns clientes chegaram a fazer alocações em crédito privado, mas em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) de grandes bancos. “As taxas estavam atrativas e muitos clientes aproveitaram a oportunidade para constituir uma parcela da carteira com CDBs de primeira linha”, afirma.
Para Amigo, a crise acentuou o temor dos clientes em relação aos aportes em CCBs. “Sempre existiu a cautela de uma forma geral, mas a crise fez aumentar a preocupação com a qualidade e a estruturação dos títulos.
Tudo isso demanda uma análise muito criteriosa e as fundações deste universo que a gente acompanha não têm uma estrutura com uma equipe focada em análise de crédito, por exemplo”, ressalta. Amigo diz que não é possível verificar um crescimento substancial das operações com crédito privado, mas sim um olhar mais crítico sobre como as operações estão sendo feitas e se o prêmio vale a pena.
O consultor vê, pelo menos por enquanto, um foco ainda maior nos títulos públicos como investimento de renda fixa entre os clientes da Mercer. “Os prefixados, os pós-fixados, os títulos indexados a inflação, ainda predominam na estratégia do universo que acompanhamos. A taxa de juros no Brasil ainda é alta e o mercado privado é pouco desenvolvido. Na crise, fica ainda mais complicado fazer a constituição. Se o papel tiver um bom emissor, ok, mas eu não vejo uma entrada muito grande das fundações nestes ativos”, conclui.