Edição 197
Em defesa do sistema
A Constituição Federal brasileira de 1988 já previa a criação de regimes próprios de previdência social (RPPSs) pelos entes federativos para seus servidores. Alguns institutos até chegaram a ser criados, mas o setor só passou a funcionar, de fato, em 1998, quando foi regulamentado por meio da Lei número 9.717, de 27 de novembro daquele ano. E foi exatamente nesta data que o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Associação Nacional das Entidades de Previdência Municipal (Aneprem) foi emitido. Hoje, a entidade conta com mais de 400 associados.
De acordo com Affonso Soares Filho, primeiro presidente da Aneprem, o surgimento da associação foi quase que um desfecho da comissão que foi criada para acompanhar a reforma da previdência que estava ocorrendo naquela época – a Comissão Nacional de Previdência Municipal. “No princípio, nossa maior bandeira era a luta dos estados e municípios pela compensação previdenciária. O problema é que, quando a discussão chegava na esfera federal, nossas idéias não faziam eco por conta da falta de uma representação. Tentamos convencer a Abipem (Associação Brasileira dos Institutos de Previdência Estaduais e Municipais) a lutar junto pela nossa causa, mas ainda havia uma participação muito pequena dos municípios. Na verdade, nós éramos órfãos de um órgão de representação”, conta Soares. Foi a partir dessa “carência de representação” que a entidade foi criada, para ter mais voz ativa na discussão das questões importantes para o sistema junto ao governo.
José Cechin, então ministro da Previdência Social, conta que a Emenda 20 já havia sido votada e faltava apenas ser promulgada quando foi editada a Lei nº 9.717. “A Emenda 20 teve sua promulgação em 15 de dezembro de 1998, menos de um mês após a edição da Lei 9.717. Sem dúvida, o momento exigia uma atenção especial à previdência, porque torná-la sustentável era uma preocupação muito grande na época”, afirma o ex- ministro, hoje superintendente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess). Ele explica que foi feita uma mudança constitucional por meio da reforma da previdência de 1998 e, paralelamente, levou-se mais rigor aos RPPSs com a 9.717.
Soares, ex-presidente da Aneprem, diz que, além do propósito maior – a questão da compensação previdenciária –, a entidade também nasceu com a intenção de alertar e informar os gestores dos regimes próprios sobre a importância dos serviços prestados por eles. “O governo permitiu que os municípios criassem seus regimes de previdência, mas não foi firme em termos da regulação da gestão dos institutos. Então cada um criou sua própria mentalidade, sua própria forma de gestão. E não podia ser assim. Era preciso haver uma diretriz. Com o passar do tempo, o governo começou a regular o sistema com base nos erros que haviam sido cometidos. Claro que por um lado isso gerou boas normas, mas, lamentavelmente, houve regulações que foram feitas sem discussão com o sistema e sem rumo”, explica Soares.
Cechin reforça que, antes da edição da 9.717, não havia “um disciplinamento federal para a organização” dos RPPSs, principalmente entre as prefeituras. “Os institutos eram montados sem nenhum regramento nacional. A situação não poderia ficar como estava. A gestão dos regimes próprios ficava dependente de cada ente, de como cada um achava que deveria ser a administração do instituto. Era preciso que houvesse uma única regra”, comenta. Ele conta que foi instituído na época, por exemplo, que os benefícios concedidos pelos RPPSs não poderiam ser mais amplos do que aqueles oferecidos pelo INSS. “Se no INSS tem pensão, no regime próprio também tem. Se existe um benefício especial para o professor universitário no INSS, no regime próprio também pode ter. E assim por diante”, exemplifica o ex-ministro. Outra regra que ele destaca é a do porte mínimo que uma prefeitura tem de ter para poder montar um regime próprio. Cechin afirma que a implementação do instituto acarreta em gastos e na construção de estruturas com os quais algumas prefeituras de menor porte não poderiam arcar. “A idéia dessa regra, que mais tarde foi relaxada, é de evitar que a montagem de um regime próprio possa causar ônus excessivos às prefeituras”, defende.
Para o ex-ministro, outro ponto que foi importante regular diz respeito à constituição ou não de fundos para aplicação dos recursos dos regimes próprios. Segundo ele, a escolha pela implementação ou não destes fundos cabe aos institutos, mas os que decidirem fazê-lo precisam seguir regras. “Os recursos são destinados ao pagamento de pensões e, por isso, precisam ser aplicados segundo normas”, resume.
Evolução – Soares, ex-presidente da Aneprem, assume que tem acompanhado não tão de perto a evolução do sistema de regimes próprios, mas considera que o Ministério da Previdência tem avançado em “algumas pequenas regulações”. “Acho que os regimes próprios deveriam ser chamados a participar mais de algumas discussões importantes, como essa em torno da extinção do fator previdenciário, por exemplo. Mas tem sido possível discutir a previdência complementar dos estados e municípios, tanto que o Ministério criou um departamento para atender ao sistema”, diz ele. Cechin concorda. “A criação de uma área dentro do Ministério da Previdência exclusivamente para supervisionar os regimes próprios tem contribuído muito para a evolução do sistema.
Porque se existe um órgão fiscalizador, que exige a prestação de contas dos institutos ao público, fica mais difícil fazer ‘coisas incorretas’”, opina o ex-ministro.
Para Soares, uma conquista importante da Aneprem foi a instituição de uma comissão dentro do Congresso Nacional que serve como “um canal de diálogo para proporcionar várias discussões de interesse do sistema”.
Ele diz que esta é uma vitória de Sandra Garcia, atual presidente da Aneprem que está no final de seu segundo mandato. Sandra conta que a associação criou a Frente Nacional em Defesa dos Regimes Próprios em novembro de 2003. “Os deputados conheciam o regime geral de previdência, mas não tinham entendimento do que era regime próprio”, explica a presidente da Aneprem. Segundo ela, com a Frente ficou mais fácil o diálogo com os parlamentares, pois havia um referencial na Câmara.
Nos dois mandatos de Sandra, foi consolidada a estrutura administrativa e organizacional da Aneprem, com um quadro de funcionários capacitados, que prestam assessoria técnica aos associados. O consultor jurídico, por exemplo, é o advogado especializado em previdência Antonio Gilberto Silvério, que já foi presidente do instituto de Jacareí e da Associação Paulista de Entidades de Previdência do Estado e dos Municípios (Apeprem), além de ter sido secretário da Aneprem no primeiro mandato da atual presidente. De acordo com Sandra, as assessorias técnicas da entidade são importantes para os institutos menores, que têm uma estrutura técnica reduzida. “Hoje, a assessoria dá um parecer jurídico em no máximo 15 dias, seja ele de investimentos, concessão de benefícios, etc”, explica.
Segundo Sandra, a Aneprem foi ainda a responsável pela criação do Comprev, que é o sistema de compensação previdenciária entre o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores Públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A presidente da Aneprem conta que a idéia partiu de Soares, que a levou para o deputado federal Luiz Carlos Hauly. “O Affonso (Soares Filho), inclusive, ajudou a montar a lei”, conta ela.
Disseminação do conhecimento – O ex-ministro José Cechin destaca que, desde que foi criada a regulamentação dos regimes próprios, é possível perceber que o assunto vem sendo mais debatido, mais conhecido e levado com mais seriedade pelas prefeituras. Ele comenta, inclusive, que os RPPSs que optaram por constituir fundos aprenderam a gerir e aplicar os recursos e a maioria tem cumprido bem esse papel. “São poucos os que ainda fazem aplicações tortas”, afirma. Para Cechin, além do próprio Ministério da Previdência, entidades como a Aneprem têm papel importante no desenvolvimento do sistema. “Essas associações costumam promover encontros regulares, como seminários, simpósios, congressos e debates. Isso faz com que o tema previdência fique na agenda dos gestores dos institutos e também das prefeituras. Além do mais, esse tipo de trabalho ajuda a disseminar o conhecimento e incentiva o servidor a cobrar o regime próprio do qual é participante”, elenca.
De acordo com Sandra, um instrumento que a Aneprem também criou para auxiliar os institutos foi um livro com a compilação de toda a legislação do setor. Com a primeira edição lançada em 2003, ele é atualizado todos os anos.
Políticas para o sistema e crise no Congresso O 8° Congresso Nacional de Entidades de Previdência Municipal ocorrerá entre os dias 10 e 13 de novembro, em Salvador, Bahia. Este ano ele será realizado juntamente com a 24° Assembléia Geral da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS), em um convênio fechado entre a Associação Nacional de Entidades de Previdência Municipal (Aneprem) e o Ministério da Previdência Social.
Segundo Sandra Garcia, presidente da Aneprem, a expectativa é de que o público dos regimes próprios fique entre 700 e 800 participantes, fora os profissionais do Ministério e o público estrangeiro proveniente das Américas do Norte, Central e do Sul, que participarão da Assembléia da CISS. “Será uma oportunidade para trocar experiências”, avalia Sandra, para quem a legislação brasileira dos regimes próprios é um modelo para os outros países.
O tema principal do congresso são os dez anos da Aneprem, com um painel sobre “10 anos dos Regimes Próprios de Previdência – Passado, Presente e Futuro”. Haverá painéis a respeito da previdência complementar para o setor e de como a atual crise nos mercados afeta os RPPS. Também será promovida uma mesa redonda sobre os rumos das políticas para o setor. No congresso será marcada, ainda, a próxima eleição da Aneprem. O segundo mandato de Sandra termina este ano e, pelo regulamento da associação, a pessoa só pode se reeleger uma vez. “Não sou a favor de ser mais, pois é bom renovar”, afirma Sandra. Segundo ela, a eleição será marcada para o começo do ano que vem, entre março e maio, pois muitos dirigentes serão substituídos no inicio do ano por conta das eleições municipais.