A queridinha da vez

Edição 189

Com taxas de retorno que chegam a 180% do CDI, as Cédulas de Crédito Bancário despontam na preferência dos investidores, ao mesmo tempo em que cresce a concessão de empréstimos

O crédito move o mercado, já sentenciou Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001. E alimenta a carteira dos investidores, pode-se acrescentar. De carona na expansão dos financiamentos, os investidores aproveitam a oportunidade para ir às compras. Com a queda dos prêmios pagos pelos títulos do governo, aumenta a necessidade de alternativas de retorno mais atraentes. E os papéis privados, além de prometerem ganhos polpudos, são uma opção de diversificação de risco eficiente.
Dentre os ativos disponíveis, um, em especial, vem chamando a atenção: as Cédulas de Crédito Bancário (CCBs).
Regulamentadas pelo Banco Central em 2004, as CCBs são títulos emitidos por pessoa física ou jurídica em favor de uma instituição financeira como promessa de pagamento. A expansão desse mercado está intimamente ligada ao aquecimento da atividade econômica. Entre 2006 e 2007, o volume de estoque registrado na Cetip praticamente dobrou, saltando para R$ 12,9 bilhões (confira gráfico). Em 2005, para se ter idéia, o montante era de apenas R$ 2,9 bilhões. A evolução é tamanha que já fez acender, inclusive, o sinal de alerta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (veja quadro). Nada, porém, que tenha arrefecido a procura por parte das empresas ou tirado o apetite dos investidores.
A Petros, fundo de pensão dos petroleiros, experimentou e gostou. Em novembro do ano passado, fechou um fundo de CCBs de R$ 100 milhões com o Banco BVA; um mês depois, contratou o Banco Máxima para confeccionar outro fundo de R$ 100 milhões, e, atualmente, conta com mais dois fundos do mesmo valor em andamento. “Como a estruturação de um CCB é uma operação complexa e nossa intenção é aumentar a fatia de recursos em instrumentos de crédito, optamos pela seleção de gestores especializados”, explica Ricardo Malavazi, diretor de investimentos da fundação.
As administradoras de recursos agradecem a preferência. A Global Capital, criada em 2003 para atuar especificamente na gestão de crédito privado, já conta com um patrimônio de R$ 1,4 bilhão, grande parte dele composto por CCBs. O volume desses ativos tem crescido, desde então, por volta de 25% ao ano. A asset adota um modelo de trabalho no qual só administra fundo de crédito privado focado em fornecedores da cadeia produtiva de grandes empresas, como Gerdau, Vale, Petrobras, Embraer, entre outras.
Na securitização de contratos de fornecimento, tem colocado em carteira cerca de R$ 50 milhões de CCBs por mês – tíquete médio de R$ 8 milhões por empresa. “A CCB é, hoje, o instrumento mais inteligente de financiamento das médias empresas”, afirma Onito Barbosa, diretor executivo.
Está-se falando, aqui, de companhias com faturamento anual de até R$ 180 milhões, bom histórico de prestação de serviço, mas sem porte suficiente para acessar outras fontes de financiamento. Para emitir uma debênture, por exemplo, é necessário ser uma Sociedade Anônima. As CCBs, por sua vez, apresentam baixo custo de estruturação, pois não exigem rating nem registro na CVM. Além disso, contam com flexibilidade de prazo, volume e fluxo de pagamentos. Na tarefa de garimpar boas oportunidades de investimento, a Global Capital primeiro faz uma análise macroeconômica, a fim de detectar os setores com potencial de crescimento, para depois chegar às empresas que necessitam de recursos para desengavetar projetos. No radar da Global Capital estão, hoje, os setores de serviço, construção civil, papel (para embalagem) e energia (petróleo).
Por parte do investidor, as CCBs têm se mostrado a opção mais rentável dentre os títulos de crédito. As taxas podem chegar a 180% do CDI. “Os fundos de recebíveis já viraram commodities”, critica Sérgio Tabone, diretor institucional do Banco Máxima. Após estruturar um fundo de CCBs de R$ 100 milhões para a Petros, Tabone espera chegar ao fim de 2008 com uma carteira de R$ 500 milhões. “Nunca vi um mercado crescer tão rápido como o de CCBs”, afirma Tabone. No Banco BVA, gestor de outro fundo de R$ 100 milhões da Petros, está para sair do forno mais dois fundos de CCBs – o primeiro, de R$ 100 milhões, e o segundo, de R$ 500 milhões. Só com esses produtos, o BVA já alcança todo o volume de CCBs estruturados, emitidos e distribuídos pela instituição entre 2006 e 2007.

Risco – Ao buscar rentabilidades portentosas, o investidor deve estar ciente de que estará assumindo, em contrapartida, mais riscos. Avaliar uma CCB é um trabalho complicado. Basta lembrar que as empresas emissoras não têm balanço auditado. Somem-se a isso a falta de supervisão de um órgão regulador e de um registro consolidado das emissões de todas as empresas, e o quadro ganha ainda mais complexidade. Não à toa, algumas assets ainda enxergam as CCBs com certo receio. Na BNP Paribas Asset Management, por exemplo, a operação com esses papéis está vedada pelo departamento jurídico.
Todo cuidado, portanto, é pouco. Nas avaliações, os gestores de CCBs costumam olhar não só para o fluxo de caixa e aspectos operacionais das empresas como também visitam clientes, concorrentes, verificam se existe alguma queixa contra a empresa na Justiça, se há sazonalidade no negócio, entre outras precauções. “Não fazemos um raio x, mas sim uma tomografia”, compara José Gonçalves Ferreira Neto, sócio-diretor de relações com investidores da Mercatto Gestão de Recursos, asset que, entre 2006 e 2007, registrou um aumento de 32,4% de CCBs nas carteiras de seus fundos de crédito. “O que determina a qualidade do papel, em última instância, não é sua estrutura jurídica, mas sim a boa avaliação do emissor e as garantias envolvidas na operação”, resume Ivo Lodo, CEO do Banco BVA.

CCBs na mira da CVM A CVM está de olhos bem abertos para o crescimento acelerado do mercado de CCBs. Em resposta a um pedido de dispensa de registro de oferta pública feito pelo Itaú BBA, o diretor da autarquia Marcos Barbosa Pinto acenou para a possibilidade de disciplinar as emissões do papel. “Em caso de distribuição pública ou de isenção de adimplência por parte do banco, as CCBs serão consideradas valores mobiliários”, afirma.
Pinto descarta, por ora, necessidade de se estabelecer uma instrução específica para o segmento. “Mas queremos ouvir o mercado a respeito do assunto.” A regulamentação é bem-vinda, na opinião dos agentes de mercado, desde que não dificulte o acesso das empresas ao crédito. “Toda estrutura que venha a disciplinar o mercado é positiva”, afirma Onito Barbosa, da Global Capital. “O que não pode é criar gargalos burocráticos.” Por gargalos, entenda-se: demora na concessão do empréstimo e aumento de custos. Uma CCB é emitida, hoje, num prazo de até 30 dias, enquanto um Fidc, por exemplo, que precisa ser registrado na CVM, leva 120 dias, em média, para sair. A taxa de registro de uma operação de R$ 100 milhões na CVM custa R$ 83 mil.