Edição 186
Gestores erram a mão ao montar carteiras de ações de segunda linha e
vender contratos futuros do Ibovespa. Resultado: metade da indústria
apura perdas entre os meses de agosto e outubro
Atual febre da indústria brasileira de fundos de investimento, os long and
short buscam, grosso modo, ganhar com as distorções de preços entre
ações, sem levar em conta a direção do mercado – ou seja,
independentemente de a bolsa subir ou descer. Tal premissa requer
estratégias elaboradas de alocação, que dependem de um criterioso
trabalho de avaliação do gestor na hora de escolher em quais papéis ficar
comprado e em quais ficar vendido. Nem sempre, porém, as apostas se
mostram vencedoras. Foi o que aconteceu recentemente, entre os meses
de agosto e outubro, quando boa parte dos long and short derrapou. As
rentabilidades não só ficaram abaixo do CDI como, em muitos casos, os
fundos acumularam perdas expressivas durante esse período. Em agosto,
por exemplo, dos 72 fundos listados na Anbid, praticamente metade (35)
ficou no vermelho.
A surra levada pela categoria tem duas razões básicas. A primeira delas
foi a supervalorização acumulada pelas ações da Vale do Rio Doce e da
Petrobras nesse período (de 39% e 39,3%, respectivamente), que acabou
puxando a alta do Ibovespa (20,6%). “Como essas empresas respondem
por, aproximadamente, 30% do índice, a disparada das cotações provocou
distorções”, observa Gustavo Teixeira Coelho, analista da Arsenal
Investimentos. Mas por quê o movimento afetaria as carteiras dos long
and short? Simples: muitos gestores (muitos mesmo) utilizam o Ibovespa
futuro para ficar na ponta vendida. Além de o índice ser mais líquido, há
um outro fator que vem empurrando os gestores para essa posição: a
dificuldade de encontrar ações para alugar – e, conseqüentemente,
arbitrar papel contra papel, em vez de papel contra índice. Quando
encontram ações para alugar, podem se deparar com taxas de até 15%
ao ano. “O mercado de aluguel vem se desenvolvendo de uns anos para
cá, mas está aquém da demanda”, constata Julio Maroti, gestor de fundos
da BNP Paribas Asset Management.
O segundo motivo pelo qual os gestores de long and short foram pegos
pelo contrapé reside justamente na outra ponta dessa estratégia – isto é,
no lado comprador, onde se busca agregar valor. Grande parte desses
gestores costuma investir em ações de segunda linha. Por serem,
normalmente, subavaliadas, elas tendem a apresentar um bom potencial
de retorno em relação às blue chips. O tiro, porém, saiu pela culatra.
Nesses três meses, as ações menos líquidas renderam bem menos que
as estrelas da Bovespa. “Logo após a crise americana do subprime, ainda
em agosto, os investidores estrangeiros voltaram a comprar Brasil, e o
fluxo veio pelas principais portas de entrada do mercado, que são Vale e
Petrobras”, explica Maroti. “Os fundos de ações com gestão ativa também
tiveram esse mesmo problema.” A discrepância na recomposição dos
valores pode ser observada nas performances do Ibovespa versus o
IVBX2, Índice Valor Bovespa – 2ª Linha (ver gráfico). No ano (até 31 de
outubro), o Ibovespa acumulava alta de 46,87%%, ante 25,59% do IVBX2.
O fundo long and short do BNP Paribas, que ainda não completou seis
meses de existência, registrou desvalorização de cerca de 3% entre
agosto e outubro. A perda só não foi maior porque a gestão resolveu
comprar ações da Petrobas e da Vale numa proporção que anulasse a sua
exposição no Ibovespa. “Num movimento de trading, vendemos a R$ 55,
compramos a R$ 50 e conseguimos dar uma recuperada”, diz Maroti. Nos
últimos 30 dias, o fundo já estava rodando a 140% do CDI.
Também na Claritas Investimentos a carteira de long and short voltou, em
outubro, a superar o CDI, em 134% no ano, após um mês de setembro
complicado, quando o fundo ficou negativo em 1,42%. “Traçamos um
cenário diferente do que, de fato, ocorreu nesse período”, reconhece
Marcelo Karvelis, sócio da Claritas. “Estávamos um pouco mais
preocupados com os rumos da economia americana e reduzimos nossa
exposição em setores cíclicos. Ao mesmo tempo, montamos uma carteira
defensiva com ações de segunda linha, que dentro de um processo de
análise fundamentalista achamos que tivesse espaço para valorização”,
afirma ele. Nem mesmo o crescimento do patrimônio do fundo
(atualmente de R$ 700 milhões) vem se mostrando um problema para a
gestão. “Se antes o universo de ações em que se poderia ficar short era
de 15, hoje os gestores contam com cerca de 50 papéis à disposição.”
É certo que o Ibovespa é mais líquido. Contudo, é também mais
volátil. “Usar o índice é meio traiçoeiro, pois corre-se o risco de vender o
que não se quer”, acrescenta Alexandre Póvoa, diretor da Modal Asset
Management. Póvoa vê com certa restrição o uso do Ibovespa futuro para
montar operações short. Além disso, ele lembra que a aposta contra o
índice, naqueles meses, era perigosa. “O índice estava em deságio
durante muito tempo”, diz. Ou seja, o valor do índice no mercado futuro
estava bastante próximo da pontuação à vista, quando o normal seria que
fosse superior. “Não é aconselhável ficar vendido porque a tendência é
que a diferença abra”, explica Póvoa.
No caso específico da supervalorização de Vale e Petrobras, uma saída
para amenizar esse tipo de correção seria neutralizar a posição vendida no
índice comprando, no mercado à vista, ações da Vale e da Petrobras na
proporção correspondente à participação delas no Ibovespa. No fundo do
Modal, a gestão preferiu se concentrar em operações fora do índice e
apostou em arbitragens intra-setoriais (compra e venda de ações de
empresas de um mesmo setor), a exemplo de Usiminas (short) e CSN
(long), e arbitragens entre pares, como Eletrobrás ON (long) e PN (short).
Por precaução, a exposição da carteira (de R$ 30 milhões) que, antes das
turbulências, estava 50% comprada e 50% vendida, agora foi reduzida
para a proporção de 25% para 25%. O resto está em caixa, rodando pelo
CDI.
Outro inconveniente na hora de montar apostas de ações contra Ibovespa
é a questão da marcação a mercado. Paulo Clini, responsável pela Legg
Mason International Equities no Brasil, subdivisão da Western Asset,
ressalta que, diferentemente do índice futuro, em que a marcação é feita
pelo valor do fechamento, no mercado à vista a ação deve ser marcada
pelo preço médio do dia (medida que evita especulação ao fim do
pregão). “Quando o mercado está tranqüilo, a diferença é pequena. Mas
quando há turbulências, esse é mais um tipo de volatilidade que o gestor
traz para a carteira do fundo”, afirma Clini. “No longo prazo, porém, essa
distorção tende a sumir”, pondera.
Apesar de ter um regulamento flexível, o fundo Legg Mason Long & Short
conta com uma gestão interna mais rígida no que concerne às operações
com índice futuro, que gira em torno de 5% do patrimônio total de R$
27,79 milhões. “Muitos gestores acabam assumindo apostas direcionais
quando expostos ao Ibovespa”, observa Clini. A idéia da casa é oferecer
um produto long and short puro. “Volatilidade não é problema, uma vez
que o grande apelo desse produto é a baixa correlação com outras classes
de ativo. O fundo pode ter uma boa performance tanto em mercados de
alta quanto de baixa”, explica. No recente episódio de valorização das
ações de Vale e Petrobras, o Legg Mason Long & Short conseguiu passar
praticamente incólume. O fundo ficou no azul durante o período, só
perdendo para o CDI em agosto (69,26% em relação ao índice). A gestão
privilegiou as arbitragens entre ações de empresas de um mesmo setor, a
exemplo das apostas em uma performance melhor de Sadia e Perdigão
em detrimento de JBS Friboi e Minerva. Por traz da estratégia havia a
expectativa (confirmada) de um aumento do preço do frango superior ao
da carne.
Embora todos esses fundos long and short pertencem a uma mesma
categoria, as estratégias de investimentos nem sempre são as mesmas.
Existem os chamados fundos neutros, em que a posição comprada e a
vendida ficam zeradas em termos financeiros, mas há também long and
shorts que trabalham com apostas direcionais. As operações podem ser
também distintas. Além de arbitragens intra-setoriais, o gestor pode
comprar e vender ações de empresas de setores diferentes (intersetoriais)
ou montar uma carteira de ações e vender contratos futuros de índices.
Coelho, da Arsenal, alerta para o fato de que muitos investidores olham a
categoria como um bloco homogêneo, quando na verdade não o é. “É
importante, por isso, que o investidor se certifique sobre a política de
investimento do fundo e saiba o que está comprando”, ressalta o
especialista.